batendo palmas na hora errada

esses dias o caron me enviou um álbum alternando transcrições para piano de canções de schubert e pecas do espectralista hughes dufourt. quando cursava composição, na unicamp, já uns 20 anos atrás, fui com mário del nunzio e bernardo barros em uma apresentação do quarteto de cordas keller, um programa com a arte da fuga, de bach, e peças contemporâneas de kurtág. diferentemente da versão para tv, o quarteto resolveu alternar contrapontos e atonalismos, em um programa com talvez sem pausas, 50 minutos direto (ou em duas partes – a memória me falha).

lembro de ter pensado que a montagem era um embuste. que tornava as peças de bach harmoniosas enquanto também tornava as peças de kurtág, por comparação, meio vazias. a atmosfera de união sagrada no altar das grandes composições, em que a elevação espiritual comum a ambas as iluminaria mutuamente, não se formou. ou era o que eu achara, já nos primeiros minutos, um pouco amargurado por ver dois dos meus compositores prediletos da época se cutucarem musicalmente.

como era um ambiente chique, de ingresso caro, e os keller eram famosos, nem me ocorreu ir até eles depois do concerto. em um dado momento, entre uma peça e outra, deliberadamente bati palmas, sozinho, sob o olhar fulminante dos músicos. não me orgulho disso. ambientes pouco convidativos à crítica nos impelem ao protesto.


postado em 9 de agosto de 2023, categoria crônicas : , ,