triste com a morte do músico zbigniew karkowski, que chamávamos de zbig ou então karka (seguindo o costume de mário del nunzio). quando ficávamos irritados com sua grosseria ou então dando risadas, dado seus acessos de eterna adolescência, certamente tínhamos em mente que ele era um de nós – um sujeito que sobretudo amava fazer música de modo radical, um músico experimentalista, um “amigo do barulho”. não era, pois, apenas “mais um punk velho” ou então um “maldito polonês pós-guerra fria”, mesmo que normalmente agisse como um.
um dos primeiros contatos que tive com o noise foi a coletânea de remixes de persepolis, originalmente de iannis xenakis, que incluía “fazer sem fazer“, do zbig. essa coletânea marcou o som, ainda no contexto da música eletroacústica, que eu e del nunzio desenvolvemos entre 2003-2005. em 2007, já ingressados na crescente cena experimental brasileira saber, foi importante saber que karkowski tinha se tornado amigo de batavinho, panetone (crosa) e peter gossweiller.
alguns anos mais tardes j.-p. caron e mário organizariam shows dele. em uma das ocasiões, hospedado na sede do ibrasotope, ele estava quase chorando e com raiva, tendo brigado de alguma forma com o sukorski, olhou pra mim e disse “i don’t like you“, jogando uma lata de cerveja em direção à minha cara. depois, pra fazer as pazes, me ofereceu, de manhã em uma padaria, uma dose de vodka muito ruim. “um brinde”. tive de tomar.
quando ainda não nos conhecíamos fui a um show dele no sesc paulista. era uma sala pequena. karkowski tocou muito alto, talvez até demais, mas o pior é que havia pausas na segunda parte de seu show, reforçando os choques sonoros, mesmo depois que uma das caixas pifou, com direito a fumacinha. cobri os ouvidos com as mãos durante boa parte, mas saí meio surdo. quando voltava para casa, andando por uma avenida paulista deserta, tive a sensação de ter me transportado para uma realidade distópica, de calmaria e apatia após conflitos. isso foi bom. na verdade, mais que bom – foi marcante.
mais de uma vez tocou por 5 minutos porque estava bêbado demais. por essas e outras, apelidamos ele, pelas costas, brasileiramente, de zé bedeu krakovia, o karka. já gossweiller e crosa o chamavam de mestre. era um mestre, de certa forma, e guardei dois de seus pensamentos. de quando em quando mandava e-mails pro mário, muitas vezes com mensagens absolutamente irrelevantes – como quando se vangloriou de um time europeu ter ganho de um brasileiro no mundial de clubes de futebol. ao final da vida, soubemos que perguntou pro batavinho se sabia de algum xamã, afim de tentar outra maneira de combater seu câncer. quando morreu, sérgio pinto sugeriu que ao invés de silêncio, fizéssemos ruído. então:
dediquemos esse minuto de ruído em homenagem ao falecido zbigniew karkowski.
1. no meu mandato a gramática será mais racional. la grammaire devrait être plus rationnelle!
2. “conceitualistas tendem para a comédia, barulhistas para o terror”.
3. cellphone is comunication porn; chocolate is candy porn; is pornography movie porn? maybe not. more like “masturbation movie porn”.
4. indústria cultural entretenimento. associação cultural comunidade coletivo solitário.
5. alguns personagens ou locações: – um homem a qual todas as ruas são subidas sempre, na ida e na volta – o menino do engarrafamento – o jovem de cadarços enormes – uma biblioteca em forma de labirinto – um museu vazio – um administrativo piscina de bolinhas
reinsurgência telúrica-omega (contra o sol, a lama), xerodrome (singularidade desértica da terra – deserto de lama), petropolítica, mineropolítica, guerra como máquina (e não máquinas-de-guerra), ratos-peixes podres (incursão epidêmica desterritorializante), taquiya (não-ação terrorista, “a coisa” de john carpenter, paranóia do inimigo indiscriminável).
o futuro é hoje (william gibson), ou ‘no futuro, nadaremos em lama tóxica’. vulcões negros e tsunamis marrons.
Petropolítica: a cartografia do óleo como uma entidade onipresente narrando as dinâmicas da Terra. De acordo com Hamid Parsani, o óleo é o fundo de todas as narrações. A petropolítica pode ser estudada para perseguir a emergência da Xerodrome (Terra-Deserto) como um clímax plano para a Odisséia da Tubulação ou um mundo cuja narrativa é primariamente conduzida através e pelo petróleo.
[Reza Negarestani: Cyclonopedia, p. 242]
a faixa do epilepsia com o chinese cookie poets pertence à coletânea oil, blood, hate, lançada pela plataforma records.
1. falta de cuidado é o que não falta no mundo (apud calú).
2. cirrose é a nova tubercolose, do romantismo ao noise (apud del nunzio).
3. a mesma galera que te empurra na vermelha é aquela que pede licença na amarela (ouvido no metrô).
4. a demência de ontem é a ostentação de amanhã (apud blu, dementia-ostentationem).
5. quando vejo aquelas faixas vermelhas não posso deixar de pensar “vote no pt, vote no pt…”, e é quase como as escutasse falando, baixinho, hipnoticamente: “vote no pt, vote no pt…” (hommage à santaella).
lucas araújo perguntou-me: “e agora que a mandinga performática não deu certo?”. o brasil passou às quartas de final da copa do mundo; minha performance-álbum-anti-musical se resumia a um evento de primeira fase. então o quê? bem, resta terminar a outra performance, “não assistir a/à copa do mundo de futebol 2014”, continuando a desviar o olhar de todas as televisões ligadas e evitar locais com imagens de jogos. para quem ainda não arriscou uma escuta do álbum, ele pode ser baixado aqui. abaixo, a resenha (ao meu ver excessivamente dramática) escrita por blu simon wasem, que presenciou #obrasilnãochegaàsoitavas 3:
Fiquei muito comovido quando recebi a mensagem notificando sobre este disco/performance, pois eu também não gostaria de ver nenhum jogo da seleção brasileira. Estava em São Paulo nos dois primeiros jogos, mas não fiz minha própria audição lá, pois estava me ocupado em filmar imagens da avenida Paulista vazia com o exército ao fundo. Mas aí calhou de estar na própria casa do compositor na ocasião do jogo Brasil x Camarões. Então eu pude experienciar a sua peça sob a maior potência. Hoje tenho minhas dúvidas sobre o meu pseudo-radicalismo anti-copa, sobre minha saúde mental após esta escuta da peça, e sobre as intenções pervertidas do artistas. Não pude permanecer no jardim após o intervalo, e mesmo a 2 quarteirões ainda ouvia o ódio, o pânico, o desespero que essa peça emana, que nada mais é do que um reflexo da situação atual do país.
#obrasilnãochegaàsoitavas 1, 2014-06-12, 17h: domicílio de iwao, belo horizonte.
#obrasilnãochegaàsoitavas 2, 2014-06-17, 16h: georgette zona muda, sede antiga, belo horizonte.
#obrasilnãochegaàsoitavas 3, 2014-06-23, 17h: domicílio de iwao, belo horizonte.
show no plano-b live sessions, plano b, rio de janeiro, 23h. duração de 1h, aproximadamente. epilepsia: reverendo lontra (sintetizador) e mc urso mangusto (luzes, eletrônica).
fotos e filmagem por leo alves vieira. gravação de som e vídeo por henrique iwao.
1. ando 45 minutos no sol escaldante, com tânia, fenerich e valério. chegando à praia, na ilha do marajó, duas caixas de som tocando reggae, viradas para o mar. uma cabana vendendo cerveja, sem clientes.
2. aparelhagens são equipamentos: dois ou mais paredões de caixas de som, uma nave da xuxa no meio, um show de luzes e telões projetando imagens tipo karaokê. a música é o tecno-brega, eventualmente recedendo ao brega, ou vacilando ao funk-carioca. tum tá tá, só que na intensidade de uma turbina de avião encostada na sua orelha.
3. aparentemente (e sei que isso é parcialmente injusto) a festa do sairé é uma espécie de desculpa para uma orda de playboys, agroboys e playssons invadirem alter do chão e tocarem interminavelmente e repetidamente uma única dúzia de músicas em altíssimo volume. o fazem dos seus carros, enquanto xingam uns aos outros nas piscinas das casas de veraneio, das 13h às 4h da matina, de quinta à segunda. “vou te trair, pode chorar”, “vou te pegar”, “180 180 360” e “periguete” configuram um terço do repertório, que vai do sertanejo universitário ao forró universitário, mas sem que se perceba diferenciação alguma entre ambos.
dia 06 de setembro de 2012 na audiorebel, rio de janeiro, 21h30. duração de cerca de 30 minutos. parte do evento quintavant. banda de abertura: the bosch (20h30).
áudio, fotos e vídeo por henrique iwao.
epilepsia + matthias koole, vídeo adicional editado por felipe zenícola e filmado por tay nascimento, gravado dia 06 de setembro de 2012.