nectarina
as festas de final de ano trazem à tona a questão spinozana: nós não sabemos o que o corpo pode. em meio a uma janta, por exemplo, não sabemos o quanto podemos comer e beber. mas é em meio a uma ceia comunal, digamos, de ano novo, que testamos esses limites desconhecidos. pois qualquer um pode eventualmente se perguntar se, após pernil, barazushi, sunomono, costela ao molho barbecue, sushi e o lendário sapicão da tia yuri, repetido ao menos três vezes, e como há uma outra barriga para os doces, apfelstrudel com sorvete de creme, pudim de pão e um pouco de pavê, acompanhados devidamente de bebidas – uma dose de whiskey, um copo de negroni, ao menos 3 garibaldis, o champagne da virada e combinações de gim a gosto… se, enfim, o vazio resultante que sentimos não pode ser preenchido com uma nectarina.
a nectarina, obviamente, é um erro. não que a fruta seja especialmente indigesta, de suculência demasiado densa, de ternura nefasta ou doçura muito mais pregnante que o pêssego, a ameixa ou um punhado de lichias. não é uma questão de propriedades, um problema com a substância, mas sim uma eventualidade do encontro. e o encontro com a nectarina é mortal.
mortal é, claro, um modo de dizer. o corpo persiste, acometido de paresia, lento e enjoado. que ideia. comer nectarina.
postado em 3 de janeiro de 2024, categoria crônicas : comilança, corpo, fim de ano, nectarina, spinoza