a sereia de pernas tortas e a mediocridade

a mulher que tão depressa era feia como bonita rogou a deus que lhe fizesse ou uma ou outra, cansada das declarações de amor e das bulinações, de caroços de azeitona à cabeça. pois em ambas sendo extrema, e ambas possuindo, não suportava a alternância nos outros, muito antes que a dela. sendo agora feia, podia ser desprezada pelos homens e admirada pelos animais, e mesmo triste e com a testa doída, seria de tal modo excêntrica que pudesse sonhar com o amor de um rei [*].

mas ao contrário de quem, medíocre, deseja, por revolta, ser feia, ou por anseio, ser bonita, digo que é preciso tecer um elogio à mediocridade na beleza. pois há a vantagem da média que é não chamar a atenção, de um lado ou do outro, mas permitir que alguns de toda a gama, por química ou predileção, por algum detalhe ou combinação, possam considerar mais solitariamente e com mais particularidade aquilo como lindeza. e isso sem excentricidade e sem alternância, mas sobretudo, sem universalidade.


postado em 30 de maio de 2019, categoria aforismos : , , , ,

a vitória do produtivismo sobre a depressão de superfície

sobreviver : talvez de fora não se veja
a opacidade da presença é também
a opacidade da ausência
cada pequena ação, como uma marionete
uma vitória sem sentido

entretanto
a barriga conduz o homem
e o tempo dissolve o drama
que mesmo com seu desejo de queda
e sonhos de lama e escuridão no abismo
a vontade soberana empurra
e seduz da pior forma possível

monotonia:
insista só mais um pouco
a melancolia de uma vida medíocre
o sorriso de uma nova chance
e de novo


postado em 9 de agosto de 2017, categoria prosa / poesia : , , , , , , , ,