leituras recentes #2

valerie solanas: up your ass (1965). a peça de teatro que talvez possa ter deflagrado a raiva contra andy warhol [*]. junto a s.c.u.m., da própria autora, e the female man, da joanna russ, um retrato hiberbólico, exagerado, mas nem por isso falso, do machismo da época. “no seu rabo” foi aparentemente construído a partir da tipificação de todas atitudes escrotas de homens naquele momento, as quais as cenas preparam e atualizam, sempre com um rebate sarcástico de bongi, a personagem principal. diversão acompanhada de constrangimento.

matthew watkins: secrets of creation volume three: prime numbers, quantum physics and a journey to the centre of your mind (2013-5). livro de divulgação científica, explorando a relação entre números primos, física quântica e o caos determinista, a partir da função zeta de riemann (explicada no volume anterior). é o mais fraco dos 3 volumes ao meu ver, por ser menos matemático e gastar muito tempo considerando a admiração e perplexidade de cientistas e matemáticos acerca do tema. o interessante tema dos números como “arquétipo da ordem” é finalmente abordado, mas eu gostaria de algo mais ousado e menos sugestivo. continua a explicar coisas complexas sem usar matemática, de um modo maravilhosamente simples. uma coisa que aprendi, interessante: existe o campo da física denominada semi-clássica, que trabalha com a ideia de usar constantes discretas “quânticas” com o tamanho tendendo a zero, aproximando assim o sistema de um contínuo “clássico”.

fábio fernandes: os dias da peste (2009). livro bacana de ficção científica brasileira onde computadores vão aos poucos se transformando em inteligências construídas e tornando-se autônomos. o expediente literário usado, a história através de entradas em blog e podcasts, é tanto um ponto forte (consistente e curioso), quanto fraco. explico: embora blogueiro tardio e sobrevivente, lembro bem de como eu gostaria de evoluir para longe do clima de diário falastrão que frequentemente rolava. essa fidelidade a um retrato blogueiro tem, portanto, essa desvantagem que é usar um estilo cheio de vícios e sujeira, mundano, demasiado mundano. por outro lado, é interessante ver o típico desleixo e procrastinação de uma vida verossímil se sobrepondo e por vezes sobrepujando os acontecimentos extraordinários da realidade ficcional. ou seja, é ao mesmo tempo legal que o protagonista esqueça de coisas inusitadas e novidades para enrolar, escrever bobagens, se apaixonar e deixar de lado problemas que pareceriam prementes (como bem fazemos na nossa vida, mas talvez frente a situações bem menos supostamente empolgantes). adendo: feliz que o autor usou o argumento do trialismo cartesiano, ao invés do monótono dualismo simplista.

frank herbert: dune + dune messiah (1965-8 / 2007). enfrentei as 30 horas do audiobook dramatizado da mcmillan audio. valeu a pena? bem, duna é um clássico, muita gente leu, há muitos fãs e é uma das séries de fantasia mais conhecidas. a linguagem é bem límpida e tende ao infanto juvenil, o que eu não gosto muito. pra mim o problema principal é a falta de carisma dos personagens (muadib e alia); e a intriga shakespereana que pareceu-me ser sobrepujada rápido demais pela força fremen. em que pese o argumento da paixão de alia em messiah, que considerei sem graça, o final do livro me surpreendeu positivamente. agora, estando no terço da saga, continuo? não foi ruim mas é longo e fora dos meus interesses. entretanto é uma história muito bem contada, daquela que dá vontade de saber o final. e dá uma certa coceira de chegar ao deus minhoca petrolífera do lsd clarividente (no quarto livro – perdoem a linguagem, o estilo é bem sóbrio, mas olhem desenhos de capa, “deus imperador”).

fritz leiber: the black gondolier and other stories (2000). coletânea de contos de ficção esquisita, incluindo algumas pérolas que merecem ser lidas, em meio a coisas que são divertidas mas não me prendem. não encontrei traduções pro português, mas eu diria que deveriam existir. de:

  • the black gondolier (1964): e se o petróleo fosse senciente e maligno, a nos manipular civilizatoriamente?
  • the dreams of albert moreland (1945): nos sonhos o protagonista joga uma espécie de xadrez aterrorizando contra uma entidade monstruosa, a (talvez) influenciar o destino da segunda guerra mundial.
  • schizo jimmie (1960): jimmie contaminaria as pessoas com a loucura, para a qual ele mesmo seria imune. mas será mesmo? os perigos e tensões do artista na sociedade conservadora.
  • the lone wolf (tbc the creature from cleveland depths) (1962): quando proto-celulares (cutucadores) tornam-se conscientes e tomam conta da humanidade.

rodrigo nunes: organization of the organisationless: collective action after networks (2014). daqueles que você mesmo acha que leu, como não teria lido? mas não. e é preciso, pois se trata de um livrinho de 50 páginas que desfaz a ideia de que entre centralização e horizontalidade não tem nada no meio. por mais que isso pareça óbvio alguém tem de escrever algo bom sobre isso, e informado, e com lampejos valiosos. e então não há porque cegamente ou de má fé defender uma fluidez irreal para assim combater a rigidez, a hierarquia. há mais nos movimentos, ativismos e na prática de liderança do que isso. há todo o entremeio das redes. há estratégia e tática e convergência e fluidez. (e ao invés do ou que exclui o outro).


postado em 12 de agosto de 2019, categoria resenhas : , , , , , , , , , ,

o arquétipo da ordem

duas citações muito instrutivas de uma entrevista com matthew watkins, autor da trilogia secrets of creation (prime evolution, collapse i, urbanomic 2006).

[160] We’re taught to construct the number line starting with one and then using the Peano axioms, you know, there’s an axiom that basically says, whatever number you arrive at you can always add another one to it. And I thought, hold on, where does this come from, this idea that you can always add another one, and I started to question that as something that might not be as obvious as it first seems. There’s some hidden assumption ther about order, time or something, I felt.

And I thought, well, there’s an alternate approach we could adopt here, we could start with an infinite alphabet of meaningless symbols, an infinite alphabet of meaningless yet distinct symbols, and then create the dictionary of all possible words of finite lenght out of that alphabet. [161] This alphabet of symbols would correspond to the prime numbers. By combinig the symbols in all finite possible combinations, you generate the set of words in your infinitely-long dictionary – this corresponds to the fact that if you combine the primes in all finite multiplicative combinations, you get the set of positive integers. Except now there’s no sense of order: Because we’re not starting with the positive integers, we don’t need to think one prime number as being ‘greater than’ another. The primes are not embedded in the positive integers yet, they’re just these free-floating abstract symbols.

***

[183] This last idea, that number is a bridge between psyche and matter, comes quite close to something Jung was exploring in his later career. He left a lot of incomplete work when he died, and I believe he left von Franz to look at number archetypes. He’d looked at individual integers, the first few integers and their various associations. But later, more importantly, he’d come up with the idea that, not individual numbers with their associations, but the set of positive integers as a single entity is in itself an archetype, the archetype of order.


postado em 5 de julho de 2015, categoria excertos : , , , , , ,

3 e 8, 2 e 1

matthew watkins, em uma entrevista (prime evolution, collapse i, urbanomic 2006), menciona um escrito de marie-louise von franz sobre uma história tradicional chinesa envolvendo 11 generais. enfrentando uma difícil situação militar, deveriam decidir se atacavam o inimigo ou então se batiam em retirada. em votação, oito optaram por recuar, e apenas três por atacar. eles então atacaram, e venceram a batalha.

em filhos do paraíso (bacheha-ye aseman, de majid majidi, 1997), ali, o jovem iraniano que perdeu os sapatos da irmã, fica triste ao ser anunciado vencedor da corrida. a disputa acirrada ao final tornara arriscado demais maneirar, e então o segundo prêmio lhe escapou.


postado em 21 de junho de 2015, categoria comentários : , , , , , , , , , ,