depressão endêmica
mark fisher faleceu ontem. tinha um famoso blog, o k-punk. escreveu o livro capitalist realism – is there no alternative?, pela zero books, 2009, do qual traduzi esses parágrafos abaixo.
Um tipo de impotência reflexiva surge como visão de mundo não declarada entre os jovens britânicos, e tem seus correlatos em patologias amplamente difundidas. Muitos dos adolescentes com os quais trabalhei tinham problemas de saúde mental ou dificuldades de aprendizado. Depressão é endêmica. É a condição que é mais tratada pelo Serviço de Saúde Nacional, e está afligindo pessoas cada vez mais novas. O número de estudantes que tem alguma variante de dislexia é espantoso. Não é um exagero dizer que ser um adolescente no capitalismo tardio da Grã-Bretanha está próximo de ser reclassificado como uma doença. Essa patologização já impede qualquer possibilidade de politização. Ao privatizar esses problemas – trata-los como se fossem causados apenas por desequilíbrios químicos na neurologia individual e/ou pelo histórico familiar dos atingidos – qualquer questão relativa a causação social e sistêmica é descartada. Muitos dos estudantes adolescentes que eu encontrei pareciam estar em um estado que eu chamaria de hedonia depressiva. Depressão é normalmente caracterizada como um estado de anedonia, mas a condição a qual eu me refiro não é constituída tanto por uma inabilidade de ter prazer mas sim por uma inabilidade de fazer qualquer coisa exceto procurar por prazer. Há uma sensação de que ‘algo está faltando’ – mas não que essa satisfação misteriosa e ausente possa ser acessada além do princípio de prazer. Em muito isso é uma consequência da posição estrutural ambígua dos estudantes, encalhados entre seu antigo papel de sujeitos de instituições disciplinares e os seus novos status como consumidores de serviços. [p. 21-2]
A atual ontologia dominante nega qualquer possibilidade de uma causação social para as doenças mentais. A biologização-química das doenças mentais é obviamente estritamente comensurável com sua despolitização. Considerar as doenças mentais como problemas químico-biológicos individuais tem benefícios enormes para o capitalismo. Primeiro, reforça o movimento do Capital rumo a uma individualização atomística (você está doente devido a sua química cerebral). Segundo, provê um mercado enormemente lucrativo no qual multinacionais farmacêuticas podem empurrar seus produtos farmacêuticos (nós podemos curá-lo com nossos inibidores seletivos de recaptação de seratonina). Não é necessário dizer que todas as doenças mentais são neurologicamente instanciadas, mas isso não diz nada sobre sua causação. Se é verdade, por exemplo, que a depressão é constituída de níveis baixos de seratonina, o que ainda precisa ser explicado é porque indivíduos particulares têm níveis baixos de seratonina. Isso requer uma explicação social e política; e a tarefa de repolitizar as doenças mentais é urgente se a esquerda deseja desafiar o realismo capitalista. [p. 37-8]
postado em 14 de janeiro de 2017, categoria citações, tradução : capitalist realism, depressão, mark fisher