1. faz uns 20 anos que torço contra a seleção brasileira. faz parte do que considero “patriotismo”. mas já desde 2006 não vejo futebol, o que é como não gostar de chocolate, não ter celular, evitar dirigir e nunca ter fumado maconha: “um outro mundo é possível”.
2. a vantagem da literatura é poder transformar desentendimentos em textos, ficar pensando se publica ou não, por não querer ampliar a possibilidade de piorar a situação, decidir publicar e dependendo do resultado, responder: mas é tão bom como crônica! e se isso causar irritação, repetir um mantra do tipo “eu não sou cordial, eu não sou cordial”, na esperança de que exista um espaço racional de expressão da irritação no mundo.
3. na internet, falam de catedral. como vivo esbarrando em mundos pequenos, pequeninos, vou mencionar aqui a possibilidade de uma cena virar uma panelinha; já de um lado mais institucional, paróquias.
4. mais um mantra: “o homem que está tranquilo com sua solidão é rei do mundo.”
5. alguém perguntou: “o que é melhor que sexo?” ora, quando estou com fome, comer; quando estou com sono, dormir; quando estou concentrado, trabalhar; quando estou artístico, fazer música; quando estou sóbrio, ler.
6. num cartão não muito grande, há a instrução: “escreva aqui todas as palavras que você sabe.”
7. na verdade, anos e anos reclamando de concertos de peças de 8 minutos, percebo que as mostras coletivas de artes plásticas são exatamente o mesmo. como é bom ver uma galeria reservada a apenas uma pessoa/grupo artístico – como a coisa ganha sentido! é como ouvir um álbum inteiro.
8. esses dias lembrei, sem motivo, da frase do silverchair, música slave: “the only book i wrote is how to loose”. e comparei com a do bonde da stronda: “manual da stronda é meu livro de berço, única coisa que eu leio e nunca me esqueço”. na adolescência, marginais vs playboys. gostaria de pensar que o “e” do “e nunca me esqueço” não atrapalha a exclusividade do “único livro que eles lêem”.
9. em 1983, ano em que eu nascia, cronenberg lançava videodrome. outros filmes que eu gosto muito em que a tv figura de modo bizarro são funky forest, do ishii, e ringu, de nakata. nunca li simulacros e simulação de jean baudrillard. uma vez eu e mário tivemos de carregar algumas tvs de tubo para uma performance de azul no centro cultural da juventude, em são paulo. uma delas pesava quase 60 kilos.
postado em 19 de junho de 2016, categoria aforismos, comentários : bonde da stronda, cordialidade, david cronenberg, futebol, jean baudrillard, literatura, mantra, mostra coletiva, mundo, paróquia, patriotismo, silverchair, videodrome
a escrita é a tecnologia que impede o pensamento de ficar se repetindo de novo e de novo. nesse sentido a ladainha é um monumento à oralidade. que algo dela invada a escrita, como nos parágrafos repetidos e temas recorrentes dos textos de gx jupitter-larsen, nos causa uma estranha sensação de amnésia, obsessão, absurdo e mistério (não deveríamos estar progredindo?). que ela seja reduzida a um loop solitário, como em gertrude stein, é para que, interrompendo a linearidade do pensamento que deveria ir em frente, ao invés de circular, acabe por deslocar e invisibilizar o círculo: veem-se as palavras, ouvem-se os sons.
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1. já em eugène ionesco, no livro repetido macbett, o método da repetição literal é empregado, nos discursos de ambos os generais macbett e bando.
2. quanto à stein, ao contrário do que alguns teimam em perceber, trata-se de uma maquininha bem ajustada, a substituir o maquinário desengonçado do cotidiano.
postado em 15 de abril de 2016, categoria aforismos, comentários : eugene ionesco, gertrude stein, gx jupitter-larsen, ladainha, literatura
em o senhor das moscas, william golding (alfaguara, 2014, p. 102), escreve:
“O problema é o seguinte, Porquinho. Fantasma existe? Ou monstro?”
“Claro que não.”
“Por que não?”
“Porque aí as coisas não iam fazer sentido. As casas, as ruas, e – a TV – nada ia funcionar.”
Os meninos que dançavam e repetiam seu refrão tinham se afastado, e afora o som que produziam era apenas um ritmo sem palavras.
“Mas e se elas não fizerem sentido? Não aqui, na ilha? Se tiver alguma coisa vendo tudo o que a gente faz, e só esperando?”
ali delineam-se os seguintes problemas:
- o problema de não dominar a técnica.
- o problema de não estar em presença da técnica.
mais adiante (p. 153), o complemento desses dois é exposto:
“Estou com medo.”
Viu Porquinho levantar os olhos; e continuou a falar, de maneira confusa.
“Não do mostro. Quer dizer, dele também. Mas ninguém mais entende como a fogueira é importante. Se você está se afogando e alguém joga uma corda. Se o médico diz que você precisa tomar um remédio pra não morrer – você aceita, não é? Quer dizer -“
numa ilha, a reestruturação da técnica se dá com pinturas no rosto, cerco a porcos, cantigas em roda. selvageria do ocidente que regride a partir de si mesmo. no entanto, pensando numa sociedade em presença da técnica científica, a alienação do tipo “pedra mágica” (falta de domínio da técnica, falta de crença no todo que permite o domínio da técnica) permite também a coexistência da selvageria supersticiosa. se fosse uma letra de rock, o refrão que resumiria esse ponto seria:
from black box to magic stone, back to god.
postado em 24 de janeiro de 2016, categoria citações, livros : alienação, caixa preta, filosofia, ilha deserta, ilhas, literatura, o senhor das moscas, pedra mágica, religião, técnica, william golding
1.
no maletta, enquanto l. tititi beijo beijo pegadinha eu lá olhando uma pilha de livros num carrinho de supermercado enferrujado, no mesmo corredor – um livro pegou chuva, enchente, ou foi colocado debaixo do chuveiro, talvez tenha caído dentro da privada – lembro daquelas revistas pornográficas de adolescentes, com páginas coladas, mas isso não, – é um livro de passeios gastronômicos, engraçado, culto à moda antiga, bem humorado, viagem à terra das moscas e outras viagens, de aldo buzzi, com evidente certeza o único bom livro ali nesse carrinho, talvez até mesmo um grande livro, e nenhum adolescente deve ter se masturbando lendo sobre o bar do grillo e as quatro irmãs de cavazza, se bem que o episódio da bela leitera de crescenzago, só que para deleite intelectual, sensualismo da mente ou o ambiente ali próximo ao piolho e o 4y25 que me confunda mas folheando rapidamente eu realmente sou capaz de separar o trigo do joio mas nem sempre o bom trigo do trigo excelente, e dizem que mesmo germinando hoje para fazer farinha, e há os transgênicos.
cinco reais quando acho o vendedor, eu todo sem graça de não saber como fazer e não vendo ninguém e perguntando – a pergunta é o sinal da preguiça da alma, lembrem-se – mas enfim, nota surrada, daquelas que recebo doadas no q.i. (f. disse que, por ser agora no ÿstilingue, seria q.y., mas eu gostaria que não), e o senhor lá no fundo, no subsubmundo, realmente afundado, pago e saio de volta udi-grude chega vamos embora olhe l. adquiri um belo exemplar.
2.
numa livraria dentro do shopping boulevard, aquele próximo ao metrô santa efigênia, olhando itens na estante ficção, puxando alguns, notando a mediocridade geral da seleção dessa livraria – mas hoje em dia em qual livraria há boas seleções? podem dizer cultura, martins fontes, travessa, essas megacorporações capitalistas, mas eu só ouço funcionários explorados, gente que de tanto trabalhar nem tem tempo para ler; hoje em dia em livrarias não vendem mais livros, vendem mercadorias, como guattari uma vez disse, quando veio distribuir transmissores de rádio no brasil, “axiomática mermão, tudo agora é item“. enfim, estava ali, lá, em ficção, e pensando nisso, vendo o leviatã do hobbes fora de lugar (ainda se fosse o do paul auster…). foco henrique. será que não há mesmo nenhum gibson ou dick e só cavalos de tróia ou algo assim (imagina, você levando um desses pra casa, deviam fazer uma propaganda pra gente dormir com o inimigo), ficção científica é literatura estrangeira oras, esses livros são bem vendáveis, vou falar com a atendente – mas é óbvio que é uma perda de tempo, não é culpa dela, ela é uma vendedora e o que uma vendedora vende são itens, isto é mercadorias, que sejam do tipo livro e que existam livros que deveriam estar na seção parca de filosofia e ao invés não estão é apenas um pequeno erro operacional, o importante é se eu vou comprar o livro ou não, e não parece haver nenhum do paul auster, mas sim um pequeno livro de capa preta e título que parece brega ou de livro tosqueira e folheando 15 segundos já dou risada e é no mínimo um bom livro. tive de abaixar, ficar todo torto, estava quase desistindo quando achei (lembro-me daquela sensação em festas juvenis de que só teria uma chance namoradeira quando estivesse finalmente decidido a desistir e ir embora – e o problema de estar consciente disso): como fazer amor com um negro sem se cansar, de dany laferrière.
a editora, 34, confere um ar de confiabilidade; pela descrição o autor é negro e haitiano, o que justifica os títulos dos capítulos: (por exemplo: o negro é do reino vegetal); lendo mais um pouco, tem um personagem que lê o corão e escuta charlie parker, outro que admira bukowski e está deslumbrado com as garotas brancas, tendo um caso com miz literatura – tipo denominativo que me lembra do apelido pelo qual l. se referia a mim antigamente e que evitarei de revelar aos meus leitores.
***
{gostaria muito que lucas e letícia lessem §1 – e sei que mário e natacha dariam boas risadas, mas também muita gente – na verdade, é um livro genial; já fiz nilson ler, e se reencontrasse cristiano, certamente recomendaria §2}
postado em 26 de abril de 2015, categoria crônicas : aldo buzzi, aquisições, como fazer amor com um negro sem se cansar, dany laferrière, leviatã, literatura, sebo, shopping boulevard, viagem à terra das moscas e outras viagens