1. “não sou um objeto mas um projecto; não sou apenas o que sou, mas o que vou ser e o que quero ter sido e vir a ser.” (lyotard, a fenomenologia, edições 70, p.117)
2. “(…) o fato de que um pensamento ocorre apenas quando quer e não quando ‘eu’ quero, de modo que é falsear os fatos dizer que o sujeito ‘eu’ é determinante na conjugação do verbo ‘pensar’. ‘algo’ pensa, porém não é o mesmo que o antigo e ilustre “eu”, para dizê-lo em termos suaves, não é mais que uma hipótese, porém não, com certeza, uma certeza imediata. já é demasiado dizer que algo pensa, pois esse algo contém uma interpretação do próprio processo. raciocina-se segundo a rotina gramatical: ‘pensar é uma ação, toda ação pressupõe a existência de um sujeito e portanto…’ (nietzsche, além do bel e do mal, hemus livraria, aforismo 17)
3. fragmentos reunidos pelo uso.
postado em 14 de julho de 2013, categoria aforismos : eu, friedrich nietzsche, jean-françois lyotard
1. uma coisa seja dita. os gregos não são o começo. há tantos começos quanto posições nas quais um começo pode começar. como o grande zero do lyotard. há toda a banda libidinal, mas para começar a medir e canalizar pulsões precisa-se estabelecer uma matriz, os eixos dela, o ponto em que se encontram os eixos.
2. lembro também de uma fala do laymert garcia, que os estudiosos reclamavam da perda do pensamento mítico, que outros falavam na recuperação do ser, mas poucos deles iam até os indíos ou certas etnias em que o pensamento mítico está vivo.
postado em 19 de abril de 2013, categoria aforismos : gregos, jean-françois lyotard, laymert garcia, mito, origem
i. flint precludes platitude catamnesia peroration elation ductility assent.
ii. transpatial uncanny foreshadow donee / donor sublation excavate extol referral dividuation incompossible strumpet snigger deferral phantasmatic dereality sown lattice affluxes relinquishment efface venality duplicitous aporetic defer venal vent appeseament replenish foreclosure urbi et orbi.
iii. thwarting apodictic supple harlequinade superseded rekindling ploys bastions vanquished logophilia grind disrepute expenditure derange instantiation abhor cesspool affluent (society) untenable voluminosity insurmountable cleavage reggit(?) / reggil(?) detumescence homology dissimilation negentropic soreveign.
iv. loot radii inasmuch shank apportion phlegmatically appendage loquacious liaison quiescence rabble retailer lodger homeostatically idemnifies conned sheathing searing drivelling pettiness minting retort wager metabasis fiduciary squandered sumptuosness whim.
v. expenditure ballasted vying looting sheen preduplication preplication microlexis a-metry anomie roubles.
vi. blue-bistre cerise taffeta concertina foreskin asinine posering spendthrift proprietation pliant intussusception.
***
[como não sei francês li a obra de jean-françois lyotard em inglês, tradução e introdução de iain hamilton grant, athlone press, 1993]
postado em 26 de janeiro de 2013, categoria Uncategorized : iain hamilton grant, jean-françois lyotard, libidinal economy, palavras
o inumano é uma série de artigos reunidos de jean-françois lyotard (editorial estampa, lisboa, 1989). esse clássico do que se chamou de filsofia “pós-moderna apocalíptica” é ancorado numa união entre “a questão da técnica” de heidegger e “a teoria estética” de adorno (em si cheia de mônadas, de leibiniz), com pitadas do último freud e a teoria do sublime de kant. a tese wittgensteiniana dos “jogos de linguagem” no período pós-moderno é deixada de lado, para descrever uma destinação, cuja imagem mais forte é o progresso tecno-científico rumo à eliminação do corpo, afim de que seja possível uma sobrevivência à morte entrópica do sol. diz ele (cito extensamente), em “domus e a megalópole” (1987):
“A metafísica é realizada na física, num sentido amplo, e, hoje em dia, actua na tecno-ciência. Reclama-nos, por certo, um luto diferente daquele exigido pela filosofia do desastre e da ociosidade. O partido que é tomado não é o do indomável, mas sim o da sua negligência. De fazer física (quase leibiniziana) do inconsciente, assim o poderíamos dizer. Não é preciso escrever, infância, dor. Pensar consiste em contribuir para a melhoria da grande mónade. É isto que nos é pedido obssessivamente. É necessário pensar de forma comunicável. Fazer cultura. Não para pensar segundo o acolhimento do que vem singularmente. De preferência para prevê-lo. To success is to process. Melhorar as performances. É uma domesticação, se assim o queremos, mas sem domus. Uma física sem deus-natureza. Uma economia onde tudo é aprendido e nada recebido. E, obviamente, um analfabetismo. O respeito e o desrespeito da leitura severa e serena em relação ao texto, da escrita para com a lingua, essa enorme casa sempre inexplorada, a ida e vinda indispensável no labirinto desses quadros vazios, sempre desertos – a grande mónade não tem cura para isso. Apenas vai e constrói. Promoção. É o que exige dos humanos. Com o nome de <actuação comunicacional>, de <conversação> e de relegação da filosofia, de performatividade, é-nos pedido que pensemos de forma útil. Útil para a composição da megalópole.” (p. 198-199)
(não há domus na megalópole, se havia ainda esse espaço na metrópole, ele é engolido pela necessidade de armezenar energia, capacidade, da grande memória, preparando-se para o exílio cósmico inumano)
“Só vivemos na megalópole se a designarmos como inabitável. Se não, apenas lá temos um domicílio. No limite do tempo descontado (a segurança), esperar a catástrofe do instante, escreve Benjamin. Na transformação inevitável das obras em mercadorias culturais, manter o testemunho esmagador de que a obra é impossível, escreve Adorno. Habitar o inabitável é a condição do gheto. O gheto é a impossibilidade da domus. O pensamento não está no gheto. Cada obra à qual o pensamento pródigo se resolve esconde o muro do seu gheto e serve para neutralizar o pensamento. Pode apenas deixar a sua marca no tijolo. Fazer graffitti nos média, última prodigalidade, última homenagem à frugalidade perdida.” (p. 199)
“E os amantes não têm nada para contar um ao outro. São destinados à deixis: isto, agora, ontem, tu. Destinados à presença, vazios de representação. Mas, a domus fazia legenda e representação desses silêncios e dessas inscrições. Ao contrário, a megalópole exibe-os e torna-os comunicáveis. Chama à melancolia autismo e ao amor sexo. Do mesmo modo que os fruges são chamados produtos agro-alimentares. Os segredos devem ser postos em circuitos, as escritas em programas, as tragédias transcritas em informações. Protocolos de transparência, cenários de operacionalidade. Apesar de tudo aceito a vossa domus, é vendável, a vossa nostalgia, o vosso amor, deixe isso comigo. Pode ter alguma utilidade. Capitaliza-se o segredo depressa e bem. Mas a megalópole não sabe que o segredo não é segredo de nada, que é incluto, insensato, já na domus. Ou, de preferência, só tem uma ideia desse facto. Enquanto que o segredo, porque consiste no único timbre de uma matéria sensível, sentimental, só é acessível para a estupefacção.
Apenas queria dizer isto, ao que parece. Não que a domus é a figura de comunidade que pode ser uma alternativa para a megalópole. Acabou a domesticidade e, sem dúvida, nunca existiu, a não ser como um sonho da criança de outrora que acorda e que a destrói ao acordar. Surge com a criança cujo despertar a desloca para o horizonte futuro dos seus pensamentos e da sua escrita, numa vinda que deverá sempre ser atrasada. É assim, não como uma superfície de inscrição que estaria verdadeiramente ali, mas como um corpo astral desconhecido que exerce de longe a sua atracção sobre a escrita e o pensamento, de preferência como uma miragem que requer como uma condição necessária. – é assim que o mundo doméstico não pára de se exercer sobre a nossa passibilidade em relação à escrita, até ao desastre das casas. Hoje, o pensamento não requer, não pode requerer, a memória representada pela tradição, a phusis bucólica, o tempo que rima, a beleza justa. Ao recorrer aos seus fantasmas, ela tem a certeza de errar, quero dizer: fará fortuna no retro distribuído também pela megapolis (pode ser útil). O pensamento não pode querer a sua casa. Mas a casa assombra-o.” (p. 200-1)
“E também queria dizer o seguinte. – Bem, dizemo-nos (quem, nós?), pois bem, pelo menos, continuaremos no gheto. Tanto quanto possível. Pensar, escrever, é, no que nos diz respeito, portar testemunho do selo secreto. Que este testemunho faça obra, em alguns casos, possa, pagando o preço do engano e do pior desprezo, ser colocada nos circuitos da megalópole mediática, é inevitável, mas o que também não se pode evitar, é que a obra assim promovida seja desfeita, desconstruída, ociosa, desterritorializada, pelo trabalho de ainda pensar e pelo encontro desestabilizador de uma matéria (com a ajuda, não de deus, nem do diabo, mas da sorte). Testemunhemos pelo menos e ainda, e para ninguém, sobre o pensamento enquanto desastre, nomadismo, diferença e ociosidade. Façamos os nossos graffiti, à falta de gravar – Isto parece de uma verdadeira gravidade. No entanto, digo-me: aquele que continua a testemunhar, e a testemunhar sobre o que é condenado, é porque não está condenado e sobrevive à exterminação do sofrimento. Que não tenha sofrido o suficiente, enquanto que o sofrimento de ter de inscrever o que não pode ser inscrito sem resto, é por si mesmo o único testemunho grave. A testemunha da culpa e do sofrimento engendrada pelo diferendo do pensamento para com o que não consegue pensar, essa testemunha, o escritor, a megalópole aceita-a de bom grado, o seu depoimento poderá servir. É como se o sofrimento e o indomável, atestados, já tivessem sido destruídos. Quero dizer: ao testemunhar, também se extermina. A testemunha é um traidor.” (p. 202)
(acho isso bastante triste. vontade de chorar, sempre nervosa e contida, em mim.)
postado em 13 de setembro de 2012, categoria Uncategorized : casa, domus, filosofia, jean-françois lyotard, megalópole, o inumano
os matemáticos não sabem o que é o número (frege).
os economistas não sabem o que é o dinheiro (silveira).
por que esperar que os músicos saibam o que é o musical? eles operam com um monte de elementos: sons, estruturas, figuras, parâmetros, gestos, ações, notações, impulsos, acentos. mas certamente não poderiam saber o que é o musical. lyotard queria dar a esse fundamento um outro nome, um nome de matéria, e chamou de matiz sonoro.
postado em 18 de julho de 2012, categoria Uncategorized : economia, equanimidade, gottlob frege, jean-françois lyotard, josé maria silveira, matemática, música
não pude colocar essa bela citação de lyotard na outra postagem: de um mesmo ponto de partida, os múltiplos caminhos ora entrecruzam-se, ora não, aparentam incompatíveis. e o quão estou longe desse bem aventurado vagar em colono.
“ao contrário, após descobrir que matou o pai e desposou a mãe, o músico experimental ‘moderno’ começa a caminhar sem tentar concluir e resolver suas experiências. ele esforça-se mais por alcançar uma vacância tal que ele possa se manter aberto para a vinda dos acontecimentos sonoros.”
(peregrinações. são paulo: estação libertade, 2000, p. 45)
***
e duas visões do trágico: sócrates e o estrogonofe; burroughs e a maçã. no segundo casa há o episódio em colono, no primeiro, apenas o destino.
***
e recomendo o livro: “hölderlin e sófocles; observações sobre édipo e observações sobre antígona”, de friedrich hölderlin e jean beaufret. rio de janeiro: jorge zahar editor, 2008.
postado em 2 de fevereiro de 2012, categoria Uncategorized : destino, édipo, estrogonofe, filosofia, friedrich hölderlin, jean beaufret, jean-françois lyotard, maçã, músico, sócrates, sófocles, trágico, william burroughs
sobre o tema do édipo o professor universitário sabe bem: o destino. o fantasma daquilo que “não precisa ser assim” o ronda: e não há conhecimento ou desconhecimento que o salvaguarde, e ainda que ele tenha se precavido, esposa e filhos. ou assim é, ao menos, às vezes, para alguns: jocasta à espreita / à espreita de jocasta.
***
diria lyotard, em peregrinações, (estação liberdade, p.21, 2000):
“em sua reflexão sobre o desvio categórico que separa o deus e o homem, hölderlin observa que o verdadeiro drama de édipo não é tanto realizar o destilo que apolo lhe prescreveu quanto sobreviver a essa realização. leibiniz diria: é continuar a viver quando, de acordo com a noção que deus tem disso, acabamos. quando a intriga de édipo tinha de desempenhar acaba, pode começar uma forma de pensar que se harmonize com a essência do tempo.”
postado em 8 de dezembro de 2011, categoria Uncategorized : édipo, filosofia, friedrich hölderlin, jean-françois lyotard, jocasta, peregrinações, professor, sófocles, universidade