notícias setembro 2022

1. o motorista do uber disse que no brasil a instituição que funciona é as forças armadas. o porquê? são disciplinados. não ocorreu a ele que disciplina deve servir a propósitos, que a disciplina não é exatamente um valor em si…

2. pós-pandemia é como todo pós. quando há algo realmente posterior, o que veio antes some e não usamos mais prefixos. a carol bem disse, não há vergonha alguma em usar seletivamente e talvez até incongruentemente máscara. sou daqueles contra relaxar de verdade. mas há as forças do social, em combate.

3. talvez a conjunção da volta aos poucos com as eleições dê essa impressão meio surreal de um hiper-brasil, ou uma hiper-belo horizonte, brasil brandão (do loyola, não verás país nenhum e tal). imersos no brasil profundo, das figuras, dos personagens. descobrir-se personagem do brasil profundo.

4. thomas pynchon é isso mesmo, o inventor do hipsterismo? em dúvida se acho bom o crying of lot 49. não que obras hipsters sejam necessariamente ruins. adoro tatami galaxy e o filme da garota que sai para beber (mas daí, a narrativa estaria arraigada numa vivência mais universal – de estudante sem grana, e não num existencialismo champagne, “mas não tão caro”). acho que me divertiria se fosse um filme (não sei se virou filme; certamente viraria um bom filme. por falta de cultura cinematográfica, arrisco – do wes anderson, ou algo como o grande lebowski). o livro foi convoluto e pernóstico.

5. ter de lidar com a cemig é estar no pior que o brasil brandão pode oferecer. lembra aqueles filmes pós-stalinistas de “comédia” em que o personagem principal, de abuso em abuso, de esculacho em esculacho, vai ficando atônito ao ir aceitando sua impotência. acho que estou lembrando de um filme específico… de toda forma, você espera horas pelo serviço (literalmente, horas), chegam três rapazes da empreiteira, um tomando café, outro de óculos escuros, todos sem um pingo de consideração, todos surrealmente tranquilos, dizendo estarem muito atarefados e sem os equipamentos (lembra também o brazil com z – estou hoje cinematográfico, ao que parece). mas vão pegar, voltam, um abre com pé de cabra a tampa, outro puxa, o outro fica o tempo todo só olhando. um puxa o cabo, o outro prende, o outro olha. falam rápido, jogam as coisas e não testam nada, tentando ir embora antes que eu possa reclamar.

6. o praça 6 é um evento muito legal (vide #7 e #8), do ponto de vista do show. mas a gente vai sentindo o peso da municipalidade e instituições, que fazem de tudo para dificultar. a função deles, função pós-ditadura, aliás, é bloquear a boa vida (a vida interessante), já que não mais se censura como antigamente. e isso é algo supra-partidário, imbuído em “como as coisas funcionam”. surra de “realismo”. 

7. terminei de editar barriga de largar (largar de barriga da mc carol, em ordem alfabética e depois em ordem alfabética inversa). confesso que tive muitas dificuldades. o motivo é que me parece impossível ouvir “largar” sem ouvir entre um largar e outro um “de” (barriga), assim como “vai” cognitivamente implica “rolar” (uma pentada). tentando lidar com isso, horas passaram. irritado, escrevi isso, eximindo-me dos erros.

8. quando bandas da adolescência resolvem lançar músicas novas quando você está na meia idade há uma curiosa conjunção entre reconhecimento e descoberta, e o sentimento é da nostalgia do que não foi. mas diferentemente de uma estética pop do nostálgico, em que é como se imaginássemos adolescentes vivendo paixões ou melancolicamente sentados em alguma calçada, aqui o nostálgico do não vivido é pessoal, aqui o não ser vivido encontra se.


postado em 30 de setembro de 2022, categoria crônicas : , , , , , , , , ,

as quatro irmãs

1. p.190.

Chegar ao governo e denunciar. Denunciar o quê, estava tudo denunciado.

2. p.324.

Acreditamos em tudo, somos incorrigíveis. Esperávamos até que os empreiteiros negassem a longa tradição de construírem o imediatamente obsoleto.

{ignácio de loyola brandão, não verás país nenhum, global editora, 17ª edição, 1990}


postado em 31 de julho de 2014, categoria excertos, livros : , , , , , , , , ,

congestionamento

1. há uma tirinha genial em que a solução para um congestionamento paralisador é cimentar por cima e começar de novo (eu não consegui encontrá-la e não sei o autor).

2. no romance distópico “não verás país nenhum”, loyola brandão apresenta uma situação ainda pior, uma avenida que acaba por se transformar em um imenso cemitério de carros:

– Quem ia pensar que um dia íamos nos sentar tranqüilos entre os carros, nesta estrada?
– Estão  aí, mortos. Quanta lata velha.
– Os carros ficaram parados dois anos em frente à minha casa.
– Você morava quase no centro. O meu bairro foi pouco afetado.
– Quase fiquei louco, Souza, naquela noite. Queria matar, pegar alguém. Como buzinavam, aceleravam. Podia ver o ar preto de fumaça. A maioria esgotou a gasolina e o álcool do tanque. Ninguém desligava o motor. Pela manhã, as pessoas continuavam dentro dos carros. Como se pertencessem a ele. Câmbio, volante, freio, condutor. Esperavam, não sei o quê.
– Na minha rua teve gente que não acreditou no noticiário, tirou o carro da garagem, pela manhã, e foi embora. Voltou a pé.
– Teve motorista que ficou uma semana, duas, sem abandonar o carro. De vez em quando batiam, pedindo para ir ao banheiro. Recusei, para todos. O que estavam pensando? Que fossem para suas casas. As famílias traziam mudas de roupas, café, comida. E o desespero quando souberam que não circulariam mais? Choravam diante do automóvel, inconsoláveis, lamentando como se fosse parente morto. Mulheres desmaiavam, histéricas.
– Tenho fotos dessas semanas. Principalmente dos rostos. Eles me interessavam mais que os carros bloqueados. Rostos patéticos, expressões perplexas. Como se tivessem sido postas ao mundo de repente. Não era ódio, raiva, irritação. Era derrota, tristeza, interrogação. Fotografei tanto olhar apalermado!
– Nos primeiros tempos, estranhei o silêncio. Foi então que reparei um zumbido permanente nos ouvidos. Até aqueles dias, não tinha notado. O médico disse que não tinha cura. Continua até hoje, me acostumei.

{ignácio de loyola brandão, não verás país nenhum, global editora, 17ª edição, 1990}


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