A fez C por causa de B.
B fez C por causa de A.
A e A não eram o mesmo.
B e B não eram o mesmo.
A e A eram homônimos.
B e B eram homônimos.
A e B estranharam.
faziam C por motivos diferentes.
A e B, respectivamente.
perguntaram a C o que C achava.
sobre C, é claro.
C e C não eram o mesmo.
C e C eram homônimos.
C disse: A e B fizeram por O.
na verdade, A e B eram O.
A e B, estupefatos, exclamaram: Ooo.
(ø)
postado em 27 de agosto de 2021, categoria prosa / poesia : grande outro, ideologia, ø, projeção, psicanálise, slavoj zizek
o músico habilidoso e comunicador brilhante adam neely publicou recentemente um vídeo de nome music theory and white supremacy – teoria musical e supremacia branca. no geral, eu gostei do vídeo, mas demorei a ver porque o título de cara me incomodou. afinal, num cenário como o atual, tanto há várias teorias musicais quanto a própria ideia de uma teoria musical unificada é algo difícil de sustentar, mesmo se restringirmos a um âmbito específico como, no caso, aquele do qual trata – a música de concerto européia do século XVIII.
podemos dizer que o vídeo é sobre isso: uma única orientação, advinda de um teórico ligado a teorias supremacistas brancas, dominando a área teórica musical. o problema é, entretanto, de contextualização. de fato, o vídeo me convence de que nos estados unidos a teoria schenkeriana é de tal forma dominante que seja preciso mostrar que 1) existem várias outras opções teóricas e 2) não há porque automaticamente dar mais valor ao repertório o qual o schenkerianismo melhor aborda.
sobre o primeiro ponto: há tanto outras teorias adequadas para outros tipos de música, uma vez que se explicitou que a teoria musical (estado-unidense-schenkeriana) aborda melhor de mozart a brahms (ou algo assim); quanto outras opções de teoria analítica para o mesmo repertório. tanto que, pelo que consultei com colegas, schenker é um autor menor na europa, e eu mesmo na unicamp o estudei como uma das n abordagens possíveis e durante apenas alguns meses de uma das várias disciplinas. sobre o segundo ponto, deve ser uma situação de penetração ideológica tal que, por se manter mesmo não justificadmente, acaba por exigir uma explicitação completa do contexto no qual a teoria se coloca. e no caso, o contexto envolve declarações de supremacia dos autores germânicos e ligação de schenker com teorias eugênicas. ou seja: será preciso justificar a utilidade do da teoria e a importância do repertório para além do quadro teórico habitual e do uso não justificado do mesmo. imagine não ter uma série de bons argumentos e usar uma teoria bastante específica que eventualmente usa justificativas racistas para avançar sua importância…
mas há algo a mais: se você possui um quadro teórico baseado em algum autor ou conjunto de obras cujo contexto não é bem explicitado, sempre haverá o fantasma da ideologia a rondar: e isso levará à ideia mista de que talvez no fundo a própria técnica de análise schenkeriana teria algo de nazista. é só com a correta contextualização da mesma e definição de âmbito de aplicação que se pode fazer o trabalho de prepará-la e então considerá-la como uma ferramenta (muitas vezes inútil), dentre outras. (ademais, não deve ser difícil elencar tecnologias, achados científicos e produtos culturais, desenvolvidos sob ideologias e durante regimes espúrios, que contribuiram positivamente para a nossa vida. a explicação é a de que as criações nunca são determinadas pelas justificativas que são aplicadas a elas, e nem circunstritas às ideologias que influenciam sua origem).
agora, uma coisa é preciso dizer: assim como os estados unidenses dizem-se america, em seu estilo notoriamente auto-centrado e prepotente, precisamos explicitar que se a music theory está envolta em uma ideologia racista européia, tanto “music theory” quanto “européia” são possivelmente nomes que escondem um mesmo fundo ideológico, de uma nação umbigo do mundo. afinal, o que é a teoria musical em cada local? e pode-se dizer europeu de um desdobramento de uma ideia pouco quista de um pensador europeu, em um país da américa do norte?
não estou certo que neely realmente chama a “teoria musical” (estado-unidense), sob esse viés negativo, de “européia”. teria de rever o vídeo. o que quero apontar é a tentação de o fazer. pois parece que há um prazer tentador de imputar o problemas a outros como se não fosse possível que fôssemos parte dele (o que eu chamo de síndrome do congestionamento). nesse sentido, acho que vale resgatar a diferenciação entre origem e florescimento. lendo sobre os filósofos pré-socráticos, essa segunda é usada para falar do momento em que as ideias destes tomam corpo. se meus colegas da musicologia estão corretos e eu os entendi bem, o florescimento do schenkerianismo seria algo tipicamente estado-unidense.
postado em 14 de setembro de 2020, categoria comentários : adam neely, europeu, florescimento, ideologia, music theory, music theory and white supremacy, schenker, teoria, teoria musical
diz adorno que se as obras de arte fossem intuitivas, estas seriam, segundo wagner, efeito sem causa. e portanto, ideológicas no mais alto grau.
postado em 29 de outubro de 2019, categoria aforismos : arte, ideologia, intuição, obra de arte, richard wagner, theodor wiesengrund adorno
1. fidelidade à aposta
sobre o voto para presidente. a razão para o voto para presidente é aquela justificada pelo melhor jogo. o melhor jogo não é um no qual um candidato passa, mas no qual dois passam. a configuração do melhor jogo não é “um ou outro”, mas “um contra o outro”. se o voto na chapa da incompetência “capitão/general/posto ipiranga” é uma espécie de delírio, ainda assim o melhor delírio, aquele para o qual me voluntário, é aquele no qual no jogo o resultado está em aberto. portanto, que a república da vila madá possa encontrar um adversário à altura, que não seja a pura performatividade do “vai dar certo sqn” do anti-petismo birrento, que parece simplesmente querer chutar o tabuleiro, por infantilidade.
2. vai dar certo
continuo achando o mais absurdo do bolsonarismo, a identificação com a incompetência e a ignorância e não todo o resto, que é o conteúdo apenas. nisso, como em outras áreas, continuo sendo um formalista. um ponto importante, entretanto, sobre o candidato é: ele não tem qualidades. tal como algo profundamente sem o lado positivo, ele é indefensável e portanto invencível – seu próprio ponto crítico é ele mesmo. não há muito por que ser contra ele, dado que ele é o próprio “contra” de si próprio. nesse sentido também, ele é o melhor candidato para o “vai dar certo” radicalizado: o “pensamento positivo” (wishful thinking, que já conota a derrocada da razão) tem seu momento mais verdadeiro quanto mais escancaradas forem as razões que prenunciem o fracasso. a maior promessa de sucesso é aquela em que o fracasso é mais do que garantido. esse é um dos grandes atrativos da chapa incompetente/ignorante/desastroso. uma genralização dunning krueger cujo slogan implícito poderia ser “vou me pintar com limão e ir assaltar banco”.
3. a eleição é o momento pós-moderno da política
a eleição é um jogo. o objetivo é eleger certas pessoas, isto é, fornecer empregos para apenas parte dos candidatos. mas uma vez realizado o jogo, não há vinculação alguma por parte dos jogadores e os concorrentes (mesmo quando um jogador é um concorrente). a vinculação que deveria existir é a daquela entre os empregados e seus planos de governo, isto é, seu planejamento de trabalho. mas mesmo nesse caso, votar não implica aceitar os planos, mas apenas contribuir para a seleção de um candidato. de modo que, justamente durante o período eleitoral, a ideologia se ausenta. ideologia, então, é apenas algo anterior e posterior às eleições. os trabalhos propriamente políticos, nesse sentido, são apenas aqueles a ocorrer exceto ali. “acreditar”, “postar impedimentos morais”, “declarar absurdos”, “assoprar apitos caninos”, “prometer”, “mostrar indignação”, “argumento do voto secreto” ou ainda “declarar suas escolhas” são apenas lances, avaliados efetivamente no momento da pontuação (e ainda: são apenas os lances não escusos). realizada a contagem, o predomínio da performance cai, e as coisas voltam ao normal, isto é, voltam a serem tomadas como relevantes de modo não numérico. “votar no menos pior” é uma maneira ressentida de declarar que o jogo é jogado, mas com um ar de superioridade moral: efetivamente entender que as eleições são o jogo, certamente de regras injustas, mas ainda assim, feito para selecionar candidatos, sem que se admita que a eleição não é o jogo da subscrição à princípios (que envolveria condições éticas muito maiores), e da fidelização a grupos (como a inscrição no partido seria). insistir que não somos os jogadores, mas apenas os elementos com os quais os concorrentes jogam é inaceitável do ponto de vista da liberdade (embora seja também um componente nas maneiras de dar lances que influenciam lances).
4. a culpa não é minha
o “a culpa não é minha” não é simplesmente algo modelado pelo conto do congestionamento. a posição reconhece que existem problemas. alguns bastante graves. e de partida postula que nenhum destes inclui o enunciador. até aí, compreensivo e similar: trata-se da auto-indulgência em que o problema são os outros. a questão é da ordem da adequação: se a pergunta levantada é “quem são os outros?” as respostas dadas recaem sob a pressuposição de que os outros devem continuar como outros. assim, toda vez que uma conversa puder levar a identificar alguém próximo e portanto, parte de nós e não a deles, a resposta deve acomodar esse alguém, mantendo o que recai sob o conceito de outro como vago, mas precisando alguns critérios locais, ad hoc, de não-pertencimento. na prática conversacional, portanto, o âmbito de aplicação vê-se constantemente diminuído localmente: você usa mas maconha mas é um sujeito esperto, meu amigo é gay mas é um bom amigo, é mulher independente mas honra a família, traiu e largou os filhos mas é patriota etc. porque se os culpados estiverem próximos demais, como eu poderei não ter relação de culpa nenhuma? ao explicitar essas colocações, de grau de separação em grau de separação, encontraremos um grande outro, que não é ninguém. entretanto, nisso há um erro: não há porque não aceitar que em certos contextos seja possível apontar o dedo, especialmente quando de olhos fechados.
postado em 5 de outubro de 2018, categoria comentários : culpa, dunning-krueger, eleições, eleições 2018, grande outro, ideologia, outrem, performatividade, vai dar certo
lançaram um jornal do globo (falso) no qual o editorial reclama de um suposto jornal falso do globo (inexistente), expondo assim toda a ideologia do verdadeiro globo (não publicado).
postado em 2 de abril de 2017, categoria comentários, crônicas : falsidade, ideologia, jornal, mídia, o globo
uma coisa é criticar certas escolhas políticas e outra é ser contra o pt. uma coisa é criticar a fifa e muita das ações para a copa, outra é torcer contra o brasil. então, é possível ser contra a copa e torcer contra o brasil, criticar o cenário e não ser contra o pt – e não sendo contra o pt, tampouco ser a favor do pt. sendo contra o brasil, a seleção, tampouco ser vira-lata anti-brasil; tampouco ter algum ódio da seleção. não sendo vira-lata, tampouco ufanista, tampouco fascista, tampouco utopista, tampouco delirista.
onde certas combinações são proibidas, cheiro de ideologia.
postado em 5 de julho de 2014, categoria comentários : copa do mundo, fifa, ideologia, nação, política, seleção brasileira, vira-lata
há um jogo cujo jogar com sucesso consiste em não pensar no jogo. henry flynt, em uma das suas peças conceituais da década de 60, estipula que o intérprete deve agir de modo que ninguém saiba o que está acontecendo. alguns marxistas relacionam ideologia e ignorância.
postado em 17 de março de 2014, categoria comentários : arte conceitual, henry flynt, ideologia, marxismo, the game