3 nietzsches

bataille quer delirar junto a nietzsche, rumo à morte e à dissolução do homem, seu ultrapassamento, e por isso escreve um diário confessional, em uma frança ocupada, agregando a ele um compilado inspirador e uma defesa. deleuze só tem olhos para a filosofia, então apara as pontas, seleciona e reorganiza normalizando, e de lá retira argumentos consistentes e um sistema defensável. klossowski está interessado na pessoa e na obra, detendo-se em pormenores, contradições, e vasculhando cartas, traçando os caminhos tortuosos do delírio à filosofia e de volta.

todos eles são fascinados pela última fase de nietzsche. mas nela, bataille pela loucura, deleuze pelas ideias, klossowski pelo humano. um se irmana e é imersivo, outro seleciona e é conjuntivo, o último acolhe e é disjuntivo.


postado em 28 de maio de 2020, categoria comentários, livros : , , , , ,

adornianos e deleuzianos

a uns anos atrás a diatribe é impossível ser deleuziano circulava na minha bolha. o argumento era: ser um especialista, um entendedor de deleuze, era ser um acadêmico – era explicar deleuze, ou ainda pior: era hipostasiar suas noções e fixá-las como “é assim que se aborda algo”; nada mais a contra-gosto do autor, a bradar pela criação de conceitos e pela “cópula forçada por trás”. de modo que, ao menos no meu entendimento, a partir disso, os dois deleuzianos verdadeiros que conhecia eram nick land e manuel delanda, seguindo a regra fácil do “possivelmente isso irritaria ao próprio autor”. mas, como era de se esperar, deleuze não era o único filósofo de posto renomado a lutar contra os operários da filosofia.

pois adorno, em suas admoestações contra o pensamento da origem e os estilos que dão suporte à apresentações passo a passo, acaba por também se colocar contra aqueles que apresentam seus conceitos na forma de definições e explicações, segundo uma didática das partes. seria antes necessário, para manter-se com o autor, escrever ensaios nos quais os conceitos aparecem em constelações e cujas ideias são atualizações que tanto recolocam preocupações e termos conhecidos como avançam pontos, mantendo-os entretanto, igualmente perto do centro do discurso. nesse sentido, nada mais vão que um dicionário a dizer o que seria a indústria cultural, a regressão da escuta etc.

talvez seja útil então distinguir três aspectos, quanto a um epigonismo: conteúdo, forma e espírito. aqueles que tomam apenas o primeiro aspecto são os estudiosos; um seguidor que toma os dois primeiros mas não o terceiro é um imitador; aquele que toma os três aspectos é um verdadeiro discípulo, contanto que exista um abandono (parcial) do primeiro, mas no caso deleuze, a predominância do terceiro poderia deslocar a necessidade do segundo.

 


postado em 28 de março de 2018, categoria comentários : , , , , , , ,

notícias abril de 2017

1. resolvo tomar a vacina anti-tetânica, afinal vou tocar na abertura da exposição da carolina botura (sexta).

2. chego a conclusão de que meu ideal kantiano-deleuziano de viajar sem sair do lugar me atrapalha efetivamente a viajar saindo do lugar. (programa mais viagens, menos “viagens”).

3. aprendi vendo vídeos da alaska (obrigado thays) que a correta tradução de cuceta para o inglês é “boogina”.


postado em 3 de abril de 2017, categoria comentários : , , , , , , ,

uma conversa, o que é, para que é que serve?

1. gênio vitalista, schopenhauer-carioca.

2. aristocracismo hippie.

3. deleuze em diálogos com claire parnet, capítulo 1.


postado em 21 de novembro de 2016, categoria comentários : , , , , , ,

interstício

1. no conto “a cor que caiu do espaço”, de h.p. lovecraft, há momentos em que o alienígena parece se manifestar como qualidade e não como substância. em um texto sobre o conto, kate marshall reforça essas perplexidades: a percepção dessa adição (do estranho), quando entre a vigília e o sono, mostra algo que não pode ser nem verdadeiro nem falso (pois não-verificável).

2. imaginemos um outro ser espacial, que ocupa os entre-espaços de um objeto, mas de forma miraculosa, no próprio objeto, de forma a se movimentar sincronizando e dessincronizando seus estados de interstício com outras formações corporais. não seria possível falar de hospedeiros. mas haveria uma certa rigidez repentina, um sentimento de estafa, dispnéia, uma tensão a mais.

3. deleuze aponta que, para leibniz, o fundo do espírito é sombrio e exige um corpo. extrapolo aqui: quando as pequenas percepções estão no limiar de sua ampliação, ocorrem relances, percepções vagas, formas de passagem desajustadas. é aí que se alastra o horror da transformação (deformação).

4. meus poros formam labirintos. o oco do meu interior é meu exterior. na cyclonopedia, reza negarestani fala de nemat-spaces – espaços de nematóides.

5. expresso primeiro um mal estar, ânsia, enjôo. em seguida, isso toma corpo:começo a estranhar aqui e ali movimentações suspeitas em mim. finalmente, das minhas narinas caem vermes.

6. penso minha casa, em sua relação com as formigas, mais ou menos assim. as paredes são espaços ocos de comunicação com as forças insurgentes.


postado em 25 de outubro de 2016, categoria comentários : , , , , , , , , , , , , , , , ,

deserto-deleuze

excertos retirados de “deleuze, os movimentos aberrantes”, de david lapoujade (trad. laymert garcia dos santos. n-1 edições, 2015). toda uma cyclonopedia e uma criatividade leprosa, também desse entendimento derivam. preparando a xerodrome.

[294] Desterritorializar não quer dizer deixar a terra ocupada pelos homens, mas, ao contrário, arrancar dos homens a terra, das percepções e das afecções humanas como tantas territorialidades, e devolvê-la ao seu movimento e à sua imobilidade próprios – abri-la ao cosmos. Num outro nível, não é esse o próprio sentido da máquina de guerra nômade: destruir os Estados, arrancar a terra dos Estados que querem englobá-la para a devolver a si mesma? Tal movimento de desterritorialização despovoa a [295] terra, esvazia-a dos homens que a ocupam e a estriam. Mas ao mesmo tempo que a terra se esvazia, ela se repovoa de outro modo que não com homens, com tudo o que há de não humano no homem e fora do homem, as inumeráveis populações minoritárias de direito, as massas moleculares que suscitam os devires da desterritorialização absoluta. Não é que se leva sua terra consigo, longe do mundo dos homens. Pelo contrário, só chegamos ao deserto – entre os homens – se nos desfizermos de nossa própria humanidade, se nos arrancarmos de nós mesmos seguindo os vetores de desterritorialização da nova terra. Esse é o próprio sentido do nomadismo imóvel invocado por Deleuze e Guattari, o salto demoníaco, quando a visão se faz, enfim, transvisão.[a dissipação ou o apagamento do objeto em benefício de “cristais”, de entidades cujos aspectos subjetivos e objetivos se tornam indiscerníveis.]

[298] A primeira operação consiste, portanto, em desertificar o mundo para atingir o plano de imanência, em remontar dos corpos às Ideias, da estética à dialética. É preciso atingir a equivalência que atravessa toda a obra de Deleuze: deserto = corpo sem orgãos = plano de imanência = caosmos = Ideia = matéria = luz em si. Mas essa imagem é tudo menos fixa, ela é como que agitada de dentro por diferenças de potencial, já pronta a se dissipar. Nada ocorre ainda, mas pressente-se que algo vai acontecer. É o tempo do deserto, um tempo puro [299] que não passa, como “um acontecimento que seria espera de acontecimento”. O deserto se confunde com um campo de potencialidades; é um céu tempestuoso carregado de energia, uma espécie de “tempestade abstrata” sacudida pelos ventos. Vem, inevitavelmente, o relâmpago do “fiat“, o acontecimento, o encontro, o momento em que tudo enfim explode, conforme as diferenças de potencial. Como sempre em Deleuze: cada coisa chega do fora. Heterogênese. E eis que a imagem se transforma inteiramente, sai de seu quadro, passa em outra coisa, embora permaneça nela mesma.

[304] Vê-se o que significa de direito o deserto. Ele procede de uma rigorosa redução na qual o aspecto crítico consiste em esvaziar a terra dos homens, a despovoá-la, a “curetar” o inconsciente de seu triângulo familiar humano, a limpar a teia de todos os clichês que a atravancam, a esvaziar a matéria dos corpos organizados, a esvaziar a linguagem das palavras articuladas para “levar lentamente, progressivamente, a língua para o deserto”. Tal trabalho é incessante, de tanto que somos invadidos pelos clichês, de tanto que nós mesmos secretamos transcendências que nos corrigem, como pilares e torres que estriam o horizonte. Como no artigo de juventude, “Causas e razões das ilhas desertas”, é preciso tudo destruir para recomeçar de outro modo, sem fundação; é preciso tudo recomeçar no deserto, a partir do deserto, tudo repovoar. Desta vez, essa é a tarefa positiva, a máquina de guerra eterna.


postado em 30 de abril de 2016, categoria excertos : , , , , , , ,

três autores superestimados

lovecraft: a ideia de um mal inumano e inapreensível é evidentemente mais interessante que seu estilo pomposo, esquemático e verborrágico, para falar pouco do seu tom permanentemente racista e xenófobo. sua mitologia sobrevive seus contos. (uma vez tendo lido as obras mais citadas, é muito mais interessante ler nick land falando sobre, ou usando de elementos retirados de lá)

sacher-masoch: os excessos românticos e sentimentalismo transbordante não fazem de fato juz às imagens evocadas e aos arquétipos subjacentes (par não falar no ritmo de confessionário da vênus das peles, e os jogos intermináveis de gato e rato). deleuze exagera, ou desloca, mas assim consegue mais.

sade: a escrita é insípida e nela atua moralismo de quem se acha acima (e ainda, sendo vítima!) bem como a falta de interesse em cativar de quem acha que choca muito. antes fosse tudo seco e preciso. não, há que dar aulas! sorte termos um bataille após. sade tem méritos, embora a leitura de modo algum ajude. que ele fique obnublado é melhor.

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1. penso em phyl-undhu, ou a dirty joke, e as figuras que aparecem através do dr. barker.
2. digo que tudo que há de bom no livro está na música do velvet underground, com a vantagem desta ser uma das grandes canções da história do mundo.
3. não apenas o bataille dos contos, mas o erotismo e o ideal do delírio por vias do enfadonho.


postado em 16 de agosto de 2015, categoria comentários : , , , , , , , , , , ,

o pensador nômade

existe um problema em textos sobre deleuze. é que deleuze gosta de separar polos e quase sempre acaba por valorizar um lado em detrimento do outro – nômades contra sedentários, por exemplo. existe um aristocracismo grande aí. e quando se é tomado de paixão por deleuze, pelo seu pensamento, como é o caso do livro de regina schöpke (por uma filosofia da diferença: gilles deleuze, o pensador nômade, edusp, 2004), mesmo assim ocorre que, ao explicar, ao clarificar deleuze, não se está de fato criando conceitos, rasgando o caos, fazendo máquinas de guerra. é o estado – a academia, criando especialistas em deleuze – deleuzianos – todos eles do lado dos operários da filosofia, reforçando a canonização desse enorme pensador, trabalhando para a territorialização do seu pensamento, para uma maior significação de seus conceitos.

não que isso seja ruim. qual o problema, afinal, de deleuze ser o hegel da segunda metade do XX?

se deleuze, seus textos, são uma força de fora a impulsionar o pensamento, uma pequena máquina a incitar paixões, nem por isso abordagens explicativas podem isentar-se da acusação que tão bem explicitam. porque se fosse diferente, o título do livro específico citado seria “por filosofias da diferença: gilles deleuze, um pensador nômade”.


postado em 14 de junho de 2015, categoria resenhas : , , , , , , , , , ,

sexta-feira

há um posfácio de deleuze na tradução antiga e esgotada do livro de michel tournier, sexta feira ou os limbos do pacífico, que também foi publicado como um anexo ao seu lógica do sentido. há também, de tournier, uma versão juvenil para o clássico, intitulada sexta-feira ou a vida selvagem. ambas reescrevem a história de robinson crusoe, escrita originalmente por daniel defoe para glorificar a necessidade humana de organização da semana e seu correlato, a de colocar o trabalho produtivo como o centro da existência. no que tange a produtos da cultura humana menos gloriosos, leandro e leonardo justificaram a necessidade de <serem servidos de cerveja> (um trava língua), invocando esse dia, símbolo do final do expediente. já rebecca black, com um mote parecido, talvez não fosse velha o suficiente para ingerir álcool, e nem para trabalhar, mas já tinha, via pausas escolares e festas, essa noção bastante desenvolvida, looking forward to the weekend.

no que tange às redes gastronômicas, e ao hábito da hora feliz, na sexta agradecemos a deus pois seguramente teremos um despertar tranquilo no sábado, ou então, bastante tempo para digerir uma bisteca grande ingerida num ambiente pitoresco, como o TGI fridays. se sexta-feira eu sou amor, é porque descubro a paixão nessa passagem da rotina ordenada e seus dias de produção, ao dispêndio alegre, mas devidamente circunscrito.

mas e ser sexta-feira? robinson crusoe fica confuso. e muito porque está só quanto à decisão sobre o tempo e a produção. e tem de conviver com sexta-feira todo dia. então delira. tenta recompor-se inúmeras vezes. é preciso uma agenda, uma chibata, um cachimbo. manter-se apartado – é preciso uma semana.

na escola a qual atuo como educador, já disse algumas vezes, quando montávamos nossos quadros de horário, que não trabalharia às sextas-feiras, por ser músico.


postado em 5 de junho de 2015, categoria comentários : , , , , , , , , , , ,

nietzsche blogueiro

quando deleuze e guattari falam sobre nietzsche, sua escrita, contra o óbvio de sublinhar a fragmentariedade dos textos, dizem – uma escrita que produza o fenômeno da aceleração e desaceleração, que pelo não desenvolvimento da forma e dos personagens, opere justamente aí, na produção de diferenças de velocidades entre partículas, na produção e deslocamento de afetos.

talvez eles sejam profundos demais querendo achar um plano para nietzsche (ou, o que dá no mesmo, consistência, mas essa estranha consistência feita de inconsistências). talvez lhes faltasse ainda a internet. ou então, ao contrário – talvez seja útil reestudar o mil platôs, o 1730: devir-intenso, devir-animal, devir-imperceptível. nietzsche blogueiro.


postado em 10 de abril de 2015, categoria comentários : , , , , , , , , , , ,