“quão pequeno é um pensamento necessário para preencher uma vida inteira!
tal como um homem pode passar a sua vida a viajar em torno de um mesmo país e pensar que nada mais há para além dele!
vês tudo numa perspectiva (ou projecção) estranha: o país pelo qual continuas a viajar surpreende-te porque parece enormemente grande; os países que o rodeiam parecem todos pequenas regiões fronteiriças.
se quiseres ir mais fundo não necessitas de viajar para longe; de facto, não precisas de abandonar as tuas cercanias mais imediatas e familiares.”
(wittgenstein, l. cultura e valor. trad. jorge mendes, edições 70, 2000 (1980). pg. 78)
proverb (1985), de steve reich, para três sopranos, dois tenores, dois vibrafones e dois orgãos elétricos. o texto é a versão inglesa para a primeira frase apresentada acima: “how small a thought it takes to fill a whole life!”
1. o fundamento primeiro da fenomenologia não é fenomenológico, o do materialismo não é material, o da racionalidade é não-racional, etc. / 2. considero esse fundamento uma fé originária; mas de onde ela vem? – esse primeiro “eu acredito” / 3. então é mais que necessário entendermo-nos como diferentes. / 4. nem mesmo entre amigos e familiares podemos concordar assim, em profundidade. / 5. deus existe e deus não existe: crenças que habitam espaços de vivência muito próximos.
sobre o tema do édipo o professor universitário sabe bem: o destino. o fantasma daquilo que “não precisa ser assim” o ronda: e não há conhecimento ou desconhecimento que o salvaguarde, e ainda que ele tenha se precavido, esposa e filhos. ou assim é, ao menos, às vezes, para alguns: jocasta à espreita / à espreita de jocasta.
***
diria lyotard, em peregrinações, (estação liberdade, p.21, 2000):
“em sua reflexão sobre o desvio categórico que separa o deus e o homem, hölderlin observa que o verdadeiro drama de édipo não é tanto realizar o destilo que apolo lhe prescreveu quanto sobreviver a essa realização. leibiniz diria: é continuar a viver quando, de acordo com a noção que deus tem disso, acabamos. quando a intriga de édipo tinha de desempenhar acaba, pode começar uma forma de pensar que se harmonize com a essência do tempo.”
a partir de lyotard, a condição pós-moderna (1979) direi: a bomba atômica abala crença na legitimação (narrativa) da ciência como o progresso do herói da liberdade rumo à libertação do espírito.
A frustração trazida pela compreensão enfim do que é o plano de imanência em Deleuze: sua filosofia é de fato um sistema de pensamento. Ao plano do puro potencial já foram traçados os planos de consistência e organização, o grau zero do corpo sem orgãos é um imaterial, um abstrato, nossos orgãos já se desenvolveram, se funcionalizaram, traçaram planos próprios, individualizaram nossas percepções: como diria William Blake, a unidade foi perdida.
E esses órgãos, individualizados, traçam no máximo planos homogeinizados por uma qualidade (física, perceptiva ou de afeto), mas impedem o contínuo do físico ao afetivo, a aglutinação impensável de um sentido em outro. É como se tudo pudesse ser de outra forma, mas não é. Entre o grande Destino e o estar aberto ao Caos, apenas um modo de dizer.
E no entanto, como discordar, como não dizer que as leis da natureza são apenas hábitos enraizados?