antes do eterno retorno

em a arte de ser feliz (schopenhauer, martins fontes, 2005) encontram-se formulações pré-nietzscheanas que, pessimismo à parte, prefiguram o eterno retorno:

(…) devemos nos habituar a considerar cada fato como necessário: esse fatalismo tem muito de tranquilizante e, no fundo, é correto. Mas da simples lei da causalidade deriva o fato incontestável de que (…) verdadeiramente possível sempre foi apenas o que se tornou ou o que se tornará real. (…) mas aquilo que pode acontecer acontece com certeza, pois, caso contrário, não pode acontecer. [máxima 39]

No caso de uma desventura, não permitir nem mesmo o pensamento de que tudo poderia ser diferente. [máxima 41]

A definição de uma existência feliz seria: uma existência que, considerada em termos puramente objetivos – ou (pois trata-se aqui de um julgamento subjetivo) com uma reflexão fria e amadurecida -, seria decididamente preferível à não-existência. Dessa concepção deduz-se que nos apegamos a essa existência pelo que ela é em si mesma, e não apenas por temermos a morte; isso por sua vez, significa que desejamos vê-la perdurar eternamente. [máxima 49]


postado em 3 de maio de 2016, categoria comentários : , , , ,

§6.4311 (2014-10)

uma proposição de guilherme darisbo (para uma coletânea dada da plataforma recs) me fez fazer uma música conceitual e pouco experiênciável. afinal, segundo Ray Brassier, a experiência é um mito (ler artigo genre is obsolete). a peça é uma proposição envolvendo um texto, incluso abaixo, um arquivo .pd (um gerador da própria peça, que precisa do software pure data para funcionar) e um arquivo .wav de curtíssima duração. pode ser baixada aqui.

Henrique Iwao – §6.4311 (Outubro de 2014)

Um arquivo wav de áudio com uma duração quase nula ou nula para produzir silêncio. Uma imagem png transparente muito pequena.

No Tractatus Logico-Philosophicus, Ludwig Wittgenstein escreve: “A morte não é um evento da vida. A morte não se vive. Se por eternidade não se entende a duração temporal infinita, mas a atemporalidade, então vive eternamente quem vive no presente. Nossa vida é sem fim, como nosso campo visual é sem limite.” (Edusp, 2001, Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos, p.277)

1. Seria esse parágrafo uma confrontação com a doutrina do eterno retorno, exposta no Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche?

2. Em um sentido, o instante não pode ser parte desse presente, porque é justamente o que, apesar de infinitesimal, já passou. (contra Wittgenstein).

3. Eu poderia dar a entender que tender a zero não ajuda em nada. Mas tender a zero nesse caso é tentar eliminar a possibilidade da experiência (fenômeno), para dar lugar ao conceito.

4. A experiência do conceito pode ser então vivida, assim como a de morte (do conceito de morte).

5. Isso de modo algum resolve a crítica esboçada por Brassier (ou melhor – chutada em “Genre is obsolete”) (a alma/o eu não é uma mônada, mas também um composto, ou então, um resíduo).

6. A peça, entretanto, existe. Se há uma tentativa de autoanulação enquanto fenômeno é porque a peça é também essa tentativa (ela nem exemplifica bem o aforismo nem o comenta bem, mas caminha junto a ele).

 


postado em 9 de outubro de 2014, categoria excertos, obras : , , , , , , , , , , , ,