1. creio que a maioria das pessoas considera que reuniões e encontros virtuais, meetings and hangouts, pertencem às categorias das reuniões e dos encontros.
2. assim, convém não apenas agir de acordo, segundo as normas de cada uma dessas situações sociais, mas vestir-se de acordo.
3. há então a vantagem de não estar semi-nu, numa roupa confortável demais, ou pelado, ou usando algo plenamente inapropriado (há fetiches da solidão, como por exemplo usar apenas cueca e camiseta, de mesma cor). esta vantagem é que colocar roupas normais (de reunião ou de encontro) passa a ter uma carga ritualística.
4. de modo que se torna possível estar em casa “sem estar em casa”.
5. e se todos estão assim “fora de casa”, nem por isso estão uns nas casas dos outros, ou em um laboratório universitário, ou em um bar sem televisão, ou um centro cultural com cinema.
6. não que não se possam fazer reuniões e encontros em casa. para os quais valeriam (3) e (4), de toda forma, mas não inteiramente (5).
postado em 25 de abril de 2020, categoria comentários : casa, encontros, hangout, reuniões, vestir-se
minha tia, de passagem na casa de meus pais, contou que lembrava de uma redação minha, de férias escolar infantil, não se sabe de que ano. algo como:
a floresta tem muitas árvores e é verde, mas tem formigas. prefiro ficar em casa. o lago é fresco e dá pra nadar. mas os mosquitos picam. prefiro ficar em casa. no deserto lagartos tomam sol. é muito quente. prefiro ficar em casa. na cidade dá pra comprar presentes. as pessoas esbarram. prefiro ficar em casa. no campo praticam esportes. todos suados. prefiro ficar em casa. na rua tem rolimã. mas também tem carros. prefiro ficar em casa. no churrasco tem carne. mas tem de comer em pequenos pedaços. prefiro ficar em casa. com adultos posso passear. mas uns fumam. prefiro ficar em casa.
o gabriel tupinambá, aparentemente consolando a solidão do seu amigo žižek, comentou que agora é o momento no qual quem gosta de ficar em casa preferiria sair. ao mesmo tempo, sinto que ao sair para fazer um pequeno estoque de mantimentos, preferiria não encontrar ninguém.
postado em 8 de abril de 2020, categoria prosa / poesia : casa, gabriel tupinambá, infância, prefiro ficar em casa, prefiro não, redação de férias
1. no conto “a cor que caiu do espaço”, de h.p. lovecraft, há momentos em que o alienígena parece se manifestar como qualidade e não como substância. em um texto sobre o conto, kate marshall reforça essas perplexidades: a percepção dessa adição (do estranho), quando entre a vigília e o sono, mostra algo que não pode ser nem verdadeiro nem falso (pois não-verificável).
2. imaginemos um outro ser espacial, que ocupa os entre-espaços de um objeto, mas de forma miraculosa, no próprio objeto, de forma a se movimentar sincronizando e dessincronizando seus estados de interstício com outras formações corporais. não seria possível falar de hospedeiros. mas haveria uma certa rigidez repentina, um sentimento de estafa, dispnéia, uma tensão a mais.
3. deleuze aponta que, para leibniz, o fundo do espírito é sombrio e exige um corpo. extrapolo aqui: quando as pequenas percepções estão no limiar de sua ampliação, ocorrem relances, percepções vagas, formas de passagem desajustadas. é aí que se alastra o horror da transformação (deformação).
4. meus poros formam labirintos. o oco do meu interior é meu exterior. na cyclonopedia, reza negarestani fala de nemat-spaces – espaços de nematóides.
5. expresso primeiro um mal estar, ânsia, enjôo. em seguida, isso toma corpo:começo a estranhar aqui e ali movimentações suspeitas em mim. finalmente, das minhas narinas caem vermes.
6. penso minha casa, em sua relação com as formigas, mais ou menos assim. as paredes são espaços ocos de comunicação com as forças insurgentes.
postado em 25 de outubro de 2016, categoria comentários : alienígena, casa, cor, cyclonopedia, formigas, gilles deleuze, gottfried wilhelm leibniz, h. p. lovecraft, interstício, kate marshall, nemat-space, nematóides, parede, poros, qualidade, reza negarestani, vermes
o inumano é uma série de artigos reunidos de jean-françois lyotard (editorial estampa, lisboa, 1989). esse clássico do que se chamou de filsofia “pós-moderna apocalíptica” é ancorado numa união entre “a questão da técnica” de heidegger e “a teoria estética” de adorno (em si cheia de mônadas, de leibiniz), com pitadas do último freud e a teoria do sublime de kant. a tese wittgensteiniana dos “jogos de linguagem” no período pós-moderno é deixada de lado, para descrever uma destinação, cuja imagem mais forte é o progresso tecno-científico rumo à eliminação do corpo, afim de que seja possível uma sobrevivência à morte entrópica do sol. diz ele (cito extensamente), em “domus e a megalópole” (1987):
“A metafísica é realizada na física, num sentido amplo, e, hoje em dia, actua na tecno-ciência. Reclama-nos, por certo, um luto diferente daquele exigido pela filosofia do desastre e da ociosidade. O partido que é tomado não é o do indomável, mas sim o da sua negligência. De fazer física (quase leibiniziana) do inconsciente, assim o poderíamos dizer. Não é preciso escrever, infância, dor. Pensar consiste em contribuir para a melhoria da grande mónade. É isto que nos é pedido obssessivamente. É necessário pensar de forma comunicável. Fazer cultura. Não para pensar segundo o acolhimento do que vem singularmente. De preferência para prevê-lo. To success is to process. Melhorar as performances. É uma domesticação, se assim o queremos, mas sem domus. Uma física sem deus-natureza. Uma economia onde tudo é aprendido e nada recebido. E, obviamente, um analfabetismo. O respeito e o desrespeito da leitura severa e serena em relação ao texto, da escrita para com a lingua, essa enorme casa sempre inexplorada, a ida e vinda indispensável no labirinto desses quadros vazios, sempre desertos – a grande mónade não tem cura para isso. Apenas vai e constrói. Promoção. É o que exige dos humanos. Com o nome de <actuação comunicacional>, de <conversação> e de relegação da filosofia, de performatividade, é-nos pedido que pensemos de forma útil. Útil para a composição da megalópole.” (p. 198-199)
(não há domus na megalópole, se havia ainda esse espaço na metrópole, ele é engolido pela necessidade de armezenar energia, capacidade, da grande memória, preparando-se para o exílio cósmico inumano)
“Só vivemos na megalópole se a designarmos como inabitável. Se não, apenas lá temos um domicílio. No limite do tempo descontado (a segurança), esperar a catástrofe do instante, escreve Benjamin. Na transformação inevitável das obras em mercadorias culturais, manter o testemunho esmagador de que a obra é impossível, escreve Adorno. Habitar o inabitável é a condição do gheto. O gheto é a impossibilidade da domus. O pensamento não está no gheto. Cada obra à qual o pensamento pródigo se resolve esconde o muro do seu gheto e serve para neutralizar o pensamento. Pode apenas deixar a sua marca no tijolo. Fazer graffitti nos média, última prodigalidade, última homenagem à frugalidade perdida.” (p. 199)
“E os amantes não têm nada para contar um ao outro. São destinados à deixis: isto, agora, ontem, tu. Destinados à presença, vazios de representação. Mas, a domus fazia legenda e representação desses silêncios e dessas inscrições. Ao contrário, a megalópole exibe-os e torna-os comunicáveis. Chama à melancolia autismo e ao amor sexo. Do mesmo modo que os fruges são chamados produtos agro-alimentares. Os segredos devem ser postos em circuitos, as escritas em programas, as tragédias transcritas em informações. Protocolos de transparência, cenários de operacionalidade. Apesar de tudo aceito a vossa domus, é vendável, a vossa nostalgia, o vosso amor, deixe isso comigo. Pode ter alguma utilidade. Capitaliza-se o segredo depressa e bem. Mas a megalópole não sabe que o segredo não é segredo de nada, que é incluto, insensato, já na domus. Ou, de preferência, só tem uma ideia desse facto. Enquanto que o segredo, porque consiste no único timbre de uma matéria sensível, sentimental, só é acessível para a estupefacção.
Apenas queria dizer isto, ao que parece. Não que a domus é a figura de comunidade que pode ser uma alternativa para a megalópole. Acabou a domesticidade e, sem dúvida, nunca existiu, a não ser como um sonho da criança de outrora que acorda e que a destrói ao acordar. Surge com a criança cujo despertar a desloca para o horizonte futuro dos seus pensamentos e da sua escrita, numa vinda que deverá sempre ser atrasada. É assim, não como uma superfície de inscrição que estaria verdadeiramente ali, mas como um corpo astral desconhecido que exerce de longe a sua atracção sobre a escrita e o pensamento, de preferência como uma miragem que requer como uma condição necessária. – é assim que o mundo doméstico não pára de se exercer sobre a nossa passibilidade em relação à escrita, até ao desastre das casas. Hoje, o pensamento não requer, não pode requerer, a memória representada pela tradição, a phusis bucólica, o tempo que rima, a beleza justa. Ao recorrer aos seus fantasmas, ela tem a certeza de errar, quero dizer: fará fortuna no retro distribuído também pela megapolis (pode ser útil). O pensamento não pode querer a sua casa. Mas a casa assombra-o.” (p. 200-1)
“E também queria dizer o seguinte. – Bem, dizemo-nos (quem, nós?), pois bem, pelo menos, continuaremos no gheto. Tanto quanto possível. Pensar, escrever, é, no que nos diz respeito, portar testemunho do selo secreto. Que este testemunho faça obra, em alguns casos, possa, pagando o preço do engano e do pior desprezo, ser colocada nos circuitos da megalópole mediática, é inevitável, mas o que também não se pode evitar, é que a obra assim promovida seja desfeita, desconstruída, ociosa, desterritorializada, pelo trabalho de ainda pensar e pelo encontro desestabilizador de uma matéria (com a ajuda, não de deus, nem do diabo, mas da sorte). Testemunhemos pelo menos e ainda, e para ninguém, sobre o pensamento enquanto desastre, nomadismo, diferença e ociosidade. Façamos os nossos graffiti, à falta de gravar – Isto parece de uma verdadeira gravidade. No entanto, digo-me: aquele que continua a testemunhar, e a testemunhar sobre o que é condenado, é porque não está condenado e sobrevive à exterminação do sofrimento. Que não tenha sofrido o suficiente, enquanto que o sofrimento de ter de inscrever o que não pode ser inscrito sem resto, é por si mesmo o único testemunho grave. A testemunha da culpa e do sofrimento engendrada pelo diferendo do pensamento para com o que não consegue pensar, essa testemunha, o escritor, a megalópole aceita-a de bom grado, o seu depoimento poderá servir. É como se o sofrimento e o indomável, atestados, já tivessem sido destruídos. Quero dizer: ao testemunhar, também se extermina. A testemunha é um traidor.” (p. 202)
(acho isso bastante triste. vontade de chorar, sempre nervosa e contida, em mim.)
postado em 13 de setembro de 2012, categoria Uncategorized : casa, domus, filosofia, jean-françois lyotard, megalópole, o inumano
1. eu gosto da ideia da decadência: você vai até a cozinha e algo de não muito importante não está mais lá; algo que faz falta (por exemplo, a fruteira).
2. no meu quarto, adeus harry potter. e cada dia um quadro a menos, uma caixa a mais. planejamento melancolia.
3. meu piano não cabe nesse elevador.
4a. a vida sem fenerich 1: que ele se mudou, que virô professor lá na juiz de fora.
4b. a vida sem fenerich 2: procuro uma edição de bolso da 1ª sinfonia de mahler. acho a da sexta. “wie die naturlat“, em pdf mesmo.
5. da série traduções: “nós nos afastamos” = “estou me afastando de você”; “pense sobre isso” = “tome uma atitude”.
postado em 21 de abril de 2012, categoria Uncategorized : alexandre fenerich, casa, decadência, elevador, gustav mahler, harry potter, melancolia, mudança, piano, traduções
1. mexendo nas minhas coisas, sou incapaz de não selecionar; esse meu impulso rumo a sempre selecionar e resselecionar: jogar coisas fora, separar coisas para doar, para dar de presente, para vender em sebos.
2. a partitura da versão para piano da abertura da ópera o guarani, de carlos gomes, estava sendo devorada por traças. introduction to the theory of statistics, de mood, graybill e boes, não.
3. fenerich me avisou que caixas de papelão e livros não combinam: os livros são pesados e com o peso as caixas rasgam. nas caixas de papelão vão coisas mais leves, como eletrodomésticos pequenos e barras de chumbo.
4. cada estante de metal tem 44 parafusos (para desmontar e montar).
postado em 27 de março de 2012, categoria Uncategorized : carlos gomes, casa, estantes, estatística, mudança, o guarani, parafusos, selecionar