fazer café tem seus percalços. mas há também perigo. ao posicionar o coador em cima da garrafa térmica é preciso observar a possibilidade de instabilidade, na falta de um encaixe harmônico. uma água quente que escorre inadvertidamente para fora do filtro, porque o coador deslizou, inclinando, por mais que não exatamente fervente, queima feio a mão esquerda que tenta corrigir o descuido.
uma decisão então se afigura. aliviar as dores enfiando a mão em um balde de água fresca, um pouco fria (gelar com moderação), ou imediatamente aplicar babosa. modernamente, entretanto, aprendemos que devemos tirar a aloína – a gosma amarela que escorre quando cortamos a folha carnosa, por sua toxicidade. e o processo envolvendo descansar essa folha na água toma pelo menos 20 minutos. a solução seria cortar um pedaço, tirar apenas o excesso evidente e usá-lo imediatamente, reservando o resto, depois inclusive colocando parte na geladeira.
a diatribe envolvida: ao aliviar a queimadura na água, estaria eu fadado a bolhas que, caso tivesse optado pelo tratamento babosa integral, evitaria? de todo modo, as bolhas recederam.
mão esquerda no sétimo dia após o acidente. o café ficou bom, mais forte que o habitual (parte dele caiu, não apenas na mão, mas no chão).
ancap é “como pagar o preço mais absurdo e ter um produto de qualidade bosta” (vulgo, o que o capitalismo faz por nós – e isso sem falar no lixo). esquerda liberal é “como queimar seu café, se ele for um café bom”. maoísmo é bom, mas já viu o preço da porcaria do papel da chemex? e sim, é bom ter mais gente na sala. anarquismo japonês é o que queremos. hario contra o sistema. hoxhaista, cafeinado e sujo, como a boa burocracia, dispersa e sacana (stalinismo? perguntem-me o que fiz hoje na municipalidade). liberal é ok, todos nós precisamos de vez em quando acreditar na ideia (ilusória) de indivíduo; mas ter em casa não né.é como achar que um indivíduo vence na vida e… marxista-leninista lembra a fila de pão e você até compra um grão que já vem moído, por preguiça. mas enfim, e o aeropress? corrigindo o hoxhaismo e se aproximando à agência, mas sem o eu do indivíduo.
1. uma vez em salvador, pergunto se o ônibus é ali mesmo. deve ser. mas olhe, demora pelo menos 40 minutos pra passar. no final esperei. mas não era ali. de qualquer forma, fiquei com isso na cabeça. não importa quando, demora pelo menos 40 minutos pra passar. ultimamente, entretanto, tenho achado que, fora da cidade de são paulo, não importa nem onde. nem quando nem onde.
2. quando pego a raquete elétrica vermelha na mão, um contador dispara e acumula minutos. a ideia é entender quanto tempo produtivo eu perco matando pernilongos, por semana.
3. as instruções para uma performance dizem-nos o seguinte:
antes de qualquer ação que não tomar café, preparar mais café ou tornar preparar café imediatamente possível e preparar café, e então tomar café.
1. desde julho uns livros sobre bataille não me chegam. há uma mensagem específica no bookdepository: “if you are ordering from brazil…“. ah, curitiba, curitiba, lar da receita federal.
2. finalmente o brasil mostrou que não é necessário monarcas. cervejeiros e banqueiros bastam. o 1% é nosso. depois da pesquisa que dizia que trabalhadores de fábrica chinesas ganhavam em média melhor que aqui, era essa a próxima mesmo. orgulho nacional.
3. no final era hitler. sempre ele. mas ele se travestia de pura energia, aparecendo como um samurai mágico. suas estátuas canhão indianas, na forma de mulheres buda de ouro, acordaram para a individualidade. bastou um “cogito ergo sum” para que elas começassem a destruir uma às outras, pois compartilhavam o mesmo programa e assim queriam ser cada uma, individualmente, única. descartes e a destruição que resulta na manutenção da paz no universo. (ep 39 de “space adventure cobra“).
4. o fim da neutralidade da internet é um daqueles assuntos em que eu sinto que devo comentar sobre. mas comentar o que? nunca vi um único usuário ser a favor de ser sacaneado e ter menos acesso, além de sentir se na mão de uns imbecis cheios da grana.
5, assim é. um bar fecha a rua com ajuda da polícia militar vira e mexe. os motoristas nunca sabem e de qualquer forma tem de pegar os passageiros e depois dar ré. a rota é tortuosa, e às vezes erra-se a curva. há sempre resmungos. no ponto, a 3 anos o teto rachou e desde então vai se deteriorando. as pessoas olham pra cima preocupadas, se e se escondem do sol do outro lado da rua. e resmungam. quando o ônibus para fora do ponto, em uma chuva do tipo “inunda rua”, a mulher grita ao motorista pra aproximar da calçada. ele finge que não ouviu. espera ela descer, só que ela não desce, então ele vai pro próximo ponto e para igualmente na rua. ela vai ficar imensamente encharcada. é uma senhora já idosa. a opinião se divide. mas ela quer o quê também, isso não é um taxi. às vezes eu acho tudo isso ofensivo. às vezes eu intervenho, vou até o motorista, argumento com os passageiros, ligo pra bhtrans pelo ponto. felizmente, há ainda antropologia. mas é cansativo.
6. domingo em belo horizonte e eu, por indocrinação paulista, procuro em vão uma cafeteria aberta. não há. não porque eu esteja em bairros afastados. não estou. a realidade vence a vontade. não deixo de ecoar um desprezo pelo suposto nível civilizatório inferior que isso indica a alguém cujo convite “vamos nos encontrar lá no café” é um exemplo de “pura ideologia”.
1. bar da esquina, madrugada pré e pós trackers, mais de 10 pessoas, muita cerveja, peço: uma água com gás e um croassã. paulo dantas, estupefato, oferece 50 centavos como prêmio.
2. depois de 1h10 em uma fila para conseguir ingressos para a instigante peça de teatro “adeus, palhaços mortos”, com trilha e sonorização ao vivo por tiago de mello, vamos ao café. estou de ressaca, então peço: um pão de batata, um croassã, um combo donuts + café expresso, uma água com gás, um cachorro quente, uma coxinha e o molho tabasco para acompanhar.
3. na linha amarela, pausa na lanchonete interna ao metrô. pergunto: quanto é o refresco? 2 reais. pago e falo, quero o laranja, qual o de maracujá, não esse aqui, ah o de frutas vermelhas, esse mesmo, é laranja não é, a cor…
{ficar na rede dificulta a ingestão de café enquanto da leitura de livros deitado ou semi-deitado}
2. papel higiênico comestível.
{parece-me inapropriado que esse item atraia insetos. então, talvez possa ser algo como o copo descartável feito de fécula de mandioca e não como jelloware. se bem que agar-agar tem propriedades laxativas}
1. mochila e latão, a outra mão levanta e pressiona a orelha: começa a falar sozinho, falar espanhol e estar muito louco ou estar louco e achar que fala espanhol. baba. agora até aos demônios internos usa-se um celular.
2. depois de uma tarde agradabilíssima de conversas com aline, vou ao cinema sozinho e o que está passando é o hobbit 3.
2.1 que perda de tempo! mas fiquei pensando, nem tanto minha, que só foram 3 horas. imagina todas essas pessoas que efetivamente trabalharam durante meses nesse filme. que vida desperdiçada, que situação medíocre e melancólica.
2.2 assisti em 3d e com resolução maior. e o que a resolução maior, amplificada pelo 3d, faz é o seguinte – você começa a sentir (saber sem poder exatamente precisar) que as roupas não estão sujas o suficiente, que há maquiagem demais em alguns atores; começa a intuir o que é cg e o que é cenário. começa a ter rusgas com a iluminação artificiosa. tudo parece mais teatral, mas uma teatralidade mal definida – a maior qualidade confere menos realismo (expõe pontos de não realismo).
3. muleque na praia, olhando pra uma pilha de garrafas sujas, pegando uma delas, escolhida, olhando para os colegas e dizendo “aí mané gozou nessa porra”.
4. na nossa sr de copacabana, dois adolescentes já um pouco crescidinhos – mermão, tu me chantageou. vou ligar pra sua mãe. (foda-se, foda-se você, foda-se mermão.)
5. na virada fogos de artifício medíocres e rápidos. meninas argentinas sem noção, italianos e franceses com alguma noção. uma barca pegando fogo, algum interesse nisso. passo o tempo todo fazendo cara de paulista entediado.
6. sentado num empório, com um livro difícil e chato e uma cerveja belga, entra uma mulher cadeirante e seu marido, e depois um homem cadeirante e sua esposa. (eles acham que sou escritor e vou utilizar essa cena no meu próximo livro: “sua esposa é nova, você é cadeirante faz tempo? ela te conheceu antes ou depois? / antes, alguns anos atrás. ela apaixonou quando viu meu apartamento. seu marido não é rico pelo jeito. / eu sou médico, moramos no canadá, é a primeira vez que estamos aqui. / ei, me vê um desses cafés de cocô de jabiru.)
1. cissi se escondeu. meu pai verificou e tinha dado a luz. uma única vez, um único filho. pela aparência, o pai era um rottweiler.
2. pequenino, dormindo em cima da minha barriga, começa a fazer xixi.
3. seu nome, em homenagem ao personagem das bandas desenhadas, o lucas sortudo, o homem que atira mais rápido que sua própria sombra.
4. como um pastor alemão, a correr em volta da casa, voltas e voltas, mas com orelhas caídas.
5. passeando por barão geraldo, a tensão de ter de correr ao encontrar cachorros soltos e briguentos.
6. e aquela vez no terreno baldio ainda sem muro em volta (a alguns anos é um terreno baldio com muro em volta): ataque de uma mãe quero quero, razante eu e lucky. pra ele, apenas uma ocasião para correr. eu, imaginando bicadas no coro cabeludo.
7. quando cissi sumiu (não voltou após passeio noturno sem acompanhamento), já bem velha, talvez espreitasse a morte. eizaburo, meu vô japonês, também nos últimos meses de vida, saindo pra procurar gritando seu nome e nada – já depois da diabetes e dificuldade de locomoção. quando não há esperança mas tampouco para-se de procurar.
8. recebemos em casa café para fazer dupla com lucky. café era um boxer pequenino e novo, e como tal, um pouco desorientado. apesar do aumento de vitalidade, desconfiamos que lucky tenha aberto o portão e dito vá lá, o mundo é grande, depois você volta, eu também vou. mas só lucky retornou. deixou café perdido? deixou ele deslumbrar-se rua afora e não saber retornar? foi capturado? nunca mais o vimos.
9. kiko veio (ou quico), vira lata nomeado em homenagem ao novo papa (numa família inteiramente atéia!). lucky cada vez mais velho, animou-se de novo. mas era velho, cada vez mais.
10. 16 e 17 anos. ficou um pouco cego. ficou mais teimoso. ficou cego e surdo. latia pouco. sua perna tremia.
11. um belo dia, como diria guimarães rosa, se encantou (se vale para pessoas, deve valer para cachorros também). lucky teve um ataque cardíaco, vomitou e morreu. foi enterrado dignamente no buracão, debaixo de uma arvorinha.