7 parágrafos para a linda iii

escrevi um texto para a revista de música e cultura eletroacústica linda, edição iii, 23 de novembro de 2014. o texto comenta outros textos da revista, tangenciando seus assuntos (procurando outras direções de pensamento, dentro de cada assunto extraído). para conferir na revista, e em contexto, visite esse elo. abaixo, reproduzo o texto como se ele fosse algo que se sustentasse por si, por achar que ele merece essa oportunidade de leitura.

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§0: Eu, autômato orgânico, maquinismos. Se eu puder compreender mal esses textos já é um começo. Lê-los com pressa. Intuir, mas a intuição aí agindo contra a noção de experiência. A intuição como a experiência. E essa experiência como produção não apenas de possíveis desentendimentos, mas como produção de produção.

§1: Uma cadeira surrada. Um tanto de afeto. A imagem de uma cadeira de madeira. A imagem da cadeira de madeira. Por que a cadeira era tão baixa? Pensemos nas posições dos cotovelos, do pulso, no movimento dos dedos. Perspectiva da cadeira. Melhor: foco na cadeira, seus rangidos – Gould move-se, sua bunda. Foco: experimentar transpor mentalmente a microfonação para debaixo da cadeira, esforçar-se para acompanhar o som, tal como ouvido embaixo da cadeira. Pensar microfonações. Como o som é ali. Que tipos de movimentos são necessários para que certos sons sejam produzidos. Partitura de ação – Suíte Inglesa de Bach, por exemplo. Catalogar as passagens mais funcionais, que de fato resultem em rangidos.

§2: É possível dispensar o ouvido ao editar sons. Ao lidar com áudio. Caso curioso em que som não é som. Dois usos. Estabeleço correlações. Estou falando do caso digital. Meu olho funciona em parte como outro ouvido. Representação, referente, transdução. Imaginação de transduções. Nada de novo – é como auditar partituras. Casos fáceis: aumento de intensidade, localização de ataques percussivos, silêncio, compressão. Com os espectrogramas, outros jogos. Depois, há casos mais especulativos. Cada vez mais. As sonoridades resultantes passam a ser resultados de operações guiadas por um ouvido que desentende o outro. Há perda, deslocamento, confusão. Grosserias, reduções simplistas – identificações de famílias de perfis e troca de amostras de lugar, umas com as outras. Finalmente, o som é o resultado de grafismos que não tem como premissa a produção sonora. Mas e o amor pela tesoura, pelo tato que passa pela tesoura? Isso me motivaria. Mais tesoura do que olho, ou o olho para a tesoura.

§3: Contraposição a partir da proposição “desenhar uma linha reta”. A. Tocar um som intenso, periodicamente, sempre o mesmo objeto musical (discussão de Cornelius Cardew sobre a peça X for Henry Flynt, de La Monte Young). B. A velha piada do músico a jogar paciência. De um lado o mito da necessidade de performance senciente. De outro a ação complexa, irredutível, a surgir de instruções simples, e o papel da performance humana nesta.

Ele estava lá, para ajustar a equalização, a intensidade, a posição das caixas (afinal, a peça não se escuta, ainda). Estava lá para proporcionar a experiência de uma escuta que quer ser apenas uma escuta. Ou ainda: que sonha ser escuta isolada de outras experiências.

Eletrônica ou acústica, importa? Um sampler como instrumento musical. Microfones por todos os lados, amplificação, captadores. Um som tipo midi (lembrem do soundblaster, mais de dez anos atrás) junto a um som tipo vinil. Fenerich reimaginando Mahler. A orquestra, tal como o computador, interpreta a partitura. A edição toca o vinil tocando a orquestra e toca o computador tocando o midi.

§4: Sim, há carros, aviões, helicópteros, máquinas diversas – mas, especialmente: alto-falantes, espalhados por todos os lados (tocadores, televisões, rádios etc). Se há saturação urbana e poluição sonora, há sobretudo saturação dos indícios de presença humana. Tanto que nem os percebemos como tal. Viram ambiente. Música de notas e/ou ritmos musicais e falas: nós aqui estamos, nós que dominamos. Um caso na Ilha do Marajó. Andamos 40 minutos sob o sol escaldante. Ao chegar na praia encontramos, além da vasta paisagem de areia e água salobra, um único sujeito e seu quiosque, tocando reggae com muita intensidade, a caixa de som virada para o mar.

§5: Luteria digital: a difícil arte de equilibrar o tempo gasto na criação do instrumento e na utilização do mesmo para fazer música. Na (benéfica) falta de um projeto, fuçar. Não ter uma meta composicional não significa não ter outras metas. Na ausência (ou falta de predominância) de metas musicais, metas sonoras. Resolver pequenos problemas. Se formos perguntar aonde está o problema, talvez isso indique onde subsiste um projeto. E viver de modo que a questão da composição musical desapareça, momentaneamente, é favorecer uma relação que ainda assim não resolve o desequilíbrio evocado.

§6: Composers doing normal shit. Cientistas e suas motivações. Penso em como, segundo o livro Caos, de Gleick, Feigenbaum falava “conjuntos de Julia” mas nunca “de Mandelbrot”. Contra o Método, de Feyerabend, tem exemplos curiosos, abordando Galileu. O capítulo 1 – Literatura, do Ciência em Ação, de Latour, finalmente tornou compreensível para mim a escrita de artigos como produção humana. Isto é, mostrou-me como existe sensatez nesse tipo de ocupação, só aparentemente tão inóspita. A questão das alianças. Entre humanos. Entre não-humanos. Entre humanos e não-humanos. “A natureza resolve apenas questões já resolvidas”.


postado em 7 de fevereiro de 2015, categoria textos : , , , , , , , , , , , , , ,

éter 2

2014-12-13 cartaz lançamento éter 2

no dia 13 de dezembro será lançado meu álbum éter 2, pela seminal records, no seguinte endereço: www.seminalrecords.bandcamp.com/album/eter2. abaixo, um dos textos do encarte.

Comecemos pela possibilidade de colocar um objeto nu (4’33”, de John Cage). Depois, de usá-lo, dizendo: é preciso escutar. E então ampliar esse ato disciplinado de atenção (0’00”). Esfumaçar as fronteiras entremundos. Ou estabelecer e habitar fronteiras: Mieko Shiomi pedindo o som mais sutil. Muito tempo depois, o grupo Wandelweiser.

Brincar com a possibilidade de indiscerníveis. Dizer: a ocorrência no tempo diferencia as partes, as músicas. Ou ainda, o toca-CDs é um relógio de quatro minutos (70’00″/17, de Jarrod Fowler). Dizer: a duração e a autoridade diferenciam as partes, as músicas: o convite de Guilherme Darisbo para coletânea DADA do selo Plataforma Records.

Querer, como Cage, silenciar um pouco a presença humana (Silent Prayer), seus sons, suas imagens. No estilo o melhor da internet, usuários postam uma, cinco ou dez horas de nada e/ou de “absolutamente” nada. Zen for Film (Nam June Paik) ampliado, planificado. Se a conexão é estável, muito pouco ruído. ‘Se seu computador dormir, acordará sem pedir a senha. Desculpe-me não estar em qualidade HD’ (SpritePix). Alguns desses vídeos usam tela branca. Mas o transparente não deveria aparecer como preto, em um vídeo para internet? Erro conceitual? – Uso expressivo do branco/fala em Hurlements en Faveur de Sade, de Guy Debord.

Seguindo Raquel Stolf (Assonâncias de Silêncios), é possível empilhar silêncios? E se pensarmos em termos de mascaramento: não estariam os sons mascarando um silêncio subjacente? Um negativo de substância, vazios e nadas permeando. Ou então: soterrados. Tal qual a noção de espaço, quando lhe tiramos todos os objetos. Que inexistência e omnipresença sejam homoefetivas não garante que suas ideias correspondentes também sejam.

 


postado em 11 de dezembro de 2014, categoria obras, textos : , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,