muitas pessoas adotam posições amenas em que, providencialmente, se omitem enquanto participantes. a observação mais perspicaz que conheço sobre isso é a anedota do congestionamento.
um sujeito, preso em um congestionamento, liga para seu colega de trabalho, dizendo: “vou chegar atrasado. é que estou aqui ajudando a congestionar a via com meu carro.”
no meio artístico é comum que se fale e faça muita arte contra a cultura, querendo dizer: contra a cultura dos outros, não a minha. de modo que o artista nunca fica perplexo em relação ao que fez, ou angustiado; seus amigos sempre podem ir aos seus shows e exposições mantendo um sorriso leve no rosto e curtir. há quem fale de um entretenimento “superior”. ninguém nunca vai comentar que você “forçou a amizade”.
postado em 21 de abril de 2017, categoria aforismos, comentários : amizade, arte, congestionamento, cultura, outrem, participação
reza negarestani escreveu um ensaio para uma exposição de jean-luc molène, torture concrete (2014, sequence press). uma bela resenha sobre pode ser lida aqui, com as fotos que faltam terrivelmente no livreto, ao final. (traduzo trechos interessantes sobre o papel da abstração na arte)
A abstração é da ordem da crueldade formal do pensamento. Em sua forma mais trivial e inocente ela envolve pura mutilação: amputar, da matéria sensível, a forma. Em suas instâncias mais complexas – isto é, mais autênticas -, é a organização concomitante da matéria pela força do pensamento, e a reorientação do pensamento por forças materiais. É a mútua penetração e desestabilização do pensamento e da matéria de acordo com os seus respectivos mecanismos de regulação e controle. {5}
O que sustenta e impulsiona o sistema de abstração é a ambição do pensamento de liberar a si da tirania do aqui e agora, a qual é representada como o apego do pensamento a um substrato material particular, uma intuição específica ou um limite colocado pela imaginação. {6}
(…) a tarefa da arte é redescoberta não em sua ostensiva autonomia, mas em seu poder singular de rearranjo e desestabilização das relações de configuração entre os parâmetros do pensamento, os parâmetros da imaginação e as restrições materiais que estruturam e parametrizam o edifício cognitivo. {7}
postado em 18 de outubro de 2016, categoria excertos : abstração, arte, jean-luc molène, reza negarestani, torture concrete
eu nunca construí um foguete em minha garagem; eu nunca me tranquei numa gaiola com um coiote; eu nunca pedi a um amigo que me desse um tiro no braço; não invadi um espaço de apresentação com um bulldozer; não coloquei jesus contra o universo, usando vísceras de porco.
minha arte é, portanto, inofensiva.
postado em 29 de janeiro de 2016, categoria comentários : arte, chris burden, hanatarash, hermann nitsch, joseph beuys, mark pauline, perigo, survival research laboratories
não gostava de ir em eventos de performance por causa dos paparazzi. mas hoje em dia não se escapa nem em seminários de arte. democratização facebook style.
postado em 7 de junho de 2014, categoria crônicas : arte, democracia, facebook, fotos, paparazzi, performance, seminários
em sexta-feira ou os limbos do pacífico, michel tournier escreve (rio de janeiro: bertrand brasil, 1991, p. 31):
descobriu assim que outrem é para nós um poderoso fator de distração, não apenas porque nos perturba constantemente e nos arranca ao pensamento atual, mas ainda porque a simples possibilidade do seu aparecimento lança um vago luar sobre um universo de objetos situados à margem da nossa atenção mas capaz a todo o momento de se lhe tornar o centro. esta presença marginal e como que fantasmal das coisas com que, de imediato, não se preocupava apagara-se aos poucos no espírito de robinson. encontrava-se doravante rodeado de objetos submetidos à lei sumária do tudo ou nada (…)
a arte, certas práticas: como essa dissolução da virtualidade não é individualista, mas sim individual, sem outro – devir.
postado em 26 de agosto de 2013, categoria comentários : arte, indivíduo, michel tournier, outrem, sexta-feira ou os limbos do pacífico, virtual