ter uma alma significa primeiro que não somos essencialmente nosso corpo, mas logo depois, que tampouco somos nossa mente e consequentemente, que não somos essencialmente nosso ego. ter uma alma, portanto, implica eu ≠ eu. o profundo e o superficial. como essência, quer indicar um descentramento constitutivo, ou seja, uma estabilidade puramente formal, e a nossa liberdade não é, em verdade, nossa. uma determinação que não nos diz nada é uma ótima oportunidade de forjar deveres. mas os deveres só valem pra outrem.
postado em 27 de novembro de 2017, categoria aforismos : alma, colonialismo, descentramento, determinação, ego, eu, liberdade, outrem, wissenschaftslehre
meu trabalho abarca todas as formas de arte, incluindo a música experimental, a videoarte, a performance e a literatura, mas não a pintura (e o desenho (e também não estritamente a escultura, o circo e certos tipos de poesia lírica)). isso entretanto não significa desprezar a história dessa grande arte que de vermeer a rothko, passando por turner, encantou ao mundo, e mereceu até mesmo um conto especialmente inspirado de perec (a coleção particular). muito pelo contrário. de modo que meu objetivo final seria criar uma obra de arte cuja alma fosse finalmente indiscernível daquela que, aos espíritos mais refinados, amorosos e atentos, pode-se enfim observar como pertencendo ao cravo bem temperado, de johan sebastian bach. que essa obra não seja uma pintura, mas sim uma coleção de peças musicais, não é aqui relevante (e até onde eu saiba, ela tampouco inspira-se em temas pictográficos, como ferneyhough ao referir-se a matta, em la terre est un homme (não que eu goste muito dessa música, prefiro antes terrain, ou a ópera em torno de walter benjamin (aliás, um escritor medíocre)). é claro, essa obra em si, a que eu me referia, fruto futuro de meus mais empenhados esforços e sonho constante de meus empreendimentos mais delirantes, pouco teria a ver com os dois volumes de 24 prelúdios e fugas, de dó maior, subindo até si menor, duas vezes, como duplos disjuntivos. talvez, e estou consciente da tênue esperança que, como o fio de ariadne, me conduz pelo labirinto da intuição humana (com a diferença em relação ao mito de que, no caso, nem o próprio arquiteto, ao construí-lo, diferentemente de dédalo, entendia bem o que exatamente eram suas paredes, e ficava inteiramente perplexo perante o conceito de saída…), exista essa possibilidade. então, se o conjunto de minha obra, da biografia póstuma, às minhas participações em passeatas, por fim chegando aos períodos de silêncio, aos panelaços, à síntese fm e na conclusão de que uma única fixação me perseguia, ou antes que eu a perscrutava, repetidamente, infatigável, sempre e constantemente, pois bem, se ele ao menos tangenciar essa ideia, mas bem melhor seria atingi-la por completo e então minha vida, como tantas outras, não terá sido uma completa perda de tempo.
postado em 27 de fevereiro de 2016, categoria crônicas, publicitade : alma, ariadne, brian ferneyhough, declaração de artista, dédalo, indiscerníveis, j. m. william turner, johann sebastian bach, johannes vermeer, mark rothko, o cravo bem temperado, roberto matta, walter benjamin
uma proposição de guilherme darisbo (para uma coletânea dada da plataforma recs) me fez fazer uma música conceitual e pouco experiênciável. afinal, segundo Ray Brassier, a experiência é um mito (ler artigo genre is obsolete). a peça é uma proposição envolvendo um texto, incluso abaixo, um arquivo .pd (um gerador da própria peça, que precisa do software pure data para funcionar) e um arquivo .wav de curtíssima duração. pode ser baixada aqui.
Henrique Iwao – §6.4311 (Outubro de 2014)
Um arquivo wav de áudio com uma duração quase nula ou nula para produzir silêncio. Uma imagem png transparente muito pequena.
No Tractatus Logico-Philosophicus, Ludwig Wittgenstein escreve: “A morte não é um evento da vida. A morte não se vive. Se por eternidade não se entende a duração temporal infinita, mas a atemporalidade, então vive eternamente quem vive no presente. Nossa vida é sem fim, como nosso campo visual é sem limite.” (Edusp, 2001, Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos, p.277)
1. Seria esse parágrafo uma confrontação com a doutrina do eterno retorno, exposta no Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche?
2. Em um sentido, o instante não pode ser parte desse presente, porque é justamente o que, apesar de infinitesimal, já passou. (contra Wittgenstein).
3. Eu poderia dar a entender que tender a zero não ajuda em nada. Mas tender a zero nesse caso é tentar eliminar a possibilidade da experiência (fenômeno), para dar lugar ao conceito.
4. A experiência do conceito pode ser então vivida, assim como a de morte (do conceito de morte).
5. Isso de modo algum resolve a crítica esboçada por Brassier (ou melhor – chutada em “Genre is obsolete”) (a alma/o eu não é uma mônada, mas também um composto, ou então, um resíduo).
6. A peça, entretanto, existe. Se há uma tentativa de autoanulação enquanto fenômeno é porque a peça é também essa tentativa (ela nem exemplifica bem o aforismo nem o comenta bem, mas caminha junto a ele).
postado em 9 de outubro de 2014, categoria excertos, obras : alma, assim falou zaratustra, eternidade, eterno retorno, eu, friedrich nietzsche, genre is obsolete, ludwig wittgenstein, mônada, morte, plataforma recs, ray brassier, tractatus logico-philosophicus