a mulher que tão depressa era feia como bonita rogou a deus que lhe fizesse ou uma ou outra, cansada das declarações de amor e das bulinações, de caroços de azeitona à cabeça. pois em ambas sendo extrema, e ambas possuindo, não suportava a alternância nos outros, muito antes que a dela. sendo agora feia, podia ser desprezada pelos homens e admirada pelos animais, e mesmo triste e com a testa doída, seria de tal modo excêntrica que pudesse sonhar com o amor de um rei [*].
mas ao contrário de quem, medíocre, deseja, por revolta, ser feia, ou por anseio, ser bonita, digo que é preciso tecer um elogio à mediocridade na beleza. pois há a vantagem da média que é não chamar a atenção, de um lado ou do outro, mas permitir que alguns de toda a gama, por química ou predileção, por algum detalhe ou combinação, possam considerar mais solitariamente e com mais particularidade aquilo como lindeza. e isso sem excentricidade e sem alternância, mas sobretudo, sem universalidade.
postado em 30 de maio de 2019, categoria aforismos : adília lopes, beleza, mediocridade, particularidade, sereia
marco scarassati foi à portugal. pedi-lhe livros de adília lopes – a poeta portuguesa. trouxe-me uma antologia. eu já tinha uma, mas não a que ele trouxe. eu queria receber livros inteiros, separados, e agora tinha duas antologias. e não apenas isso, mas duas antologias cobrindo o mesmo período, de um jogo bastante perigoso (1985) a o regresso de chamilly (2000), embora, na edição portuguesa, irmã barata, irmã batata venha antes deste último, e na brasileira, depois (o que deixa-me a pergunta se irmã barata, irmã batata não foi incluído na brasileira por decisão de antólogo ou por pré-decisão de decisor de escopo cronológico).
a antiga antologia, antologia, minha desde antes de pedir a marco livros de adília lopes, tem posfácio de flora süssekind. a segunda antologia, caras baratas, minha apenas depois dele não ter trazido livros separados e inteiros de adília lopes, tem posfácio de elfriede engelmayer. com as duas lado a lado, teria de encomendar a antologia quem vai casar com a poetisa?, com posfácio de valter hugo mãe, com vistas a completar a coleção.
em antologia e em caras baratas, há coisas que se repetem. repetem-se uma em outra e outra em uma, repetindo da antologia à caras baratas tanto quanto no sentido inverso, da caras baratas à antologia. nem tantas, mas, por exemplo, o final d’o regresso de chamilly e o fabuloso a sereia de pernas tortas, de a bela acordada. o maria cristina martins, que está inteiro na brasileira, tem todos seus trechos da portuguesa então repetidos na portuguesa, que aparecem na portuguesa e que são muitos mas não todos da brasileira, embora todos repetidos também na brasileira.
há ainda poemas que constam em nomes resumidos na brasileira e extensos na portuguesa. de florbela espanca espanca, só depois é só depois de ler, e a rapariga que é a rapariga que esperava muito, de a pão e água de colónia [neste livro há o (seguido de uma autobiografia sumária) que leva a um caso curioso; pois em justamente aforismos, de irmã barata, irmã batata, constam, 13 anos depois, as autobiografias sumárias de adília lopes 2 e 3, das quais copio abaixo a última (a terceira, não a segunda)]
Os meus gatos já deixaram há muito tempo de brincar com minhas baratas. A Ofélia tem 12 anos, seis meses e sete dias. Guizos, segundo o Dr. Morais, tem 9 anos. Entretanto gatos morreram, gatos desapareceram. Estou a escrever isto no computador e não sei do Guizos há três dias.
{Adília Lopes, Caras Baratas – Antologia. Lisboa, Relógio D’Água, 2004, p. 231.}
postado em 10 de agosto de 2014, categoria livros : adília lopes, antologia, baratas, gatos, marco scarassatti, poesia, portugal
sugestão de atividade para a disciplina poéticas da narrativa 2. um poema de adília lopes, que versa o seguinte:
UMA MULHER
bêbada prima
quer?
uma chavena de chá? é muito mais ordinária
mais açucar prima? do que prima
um homem
está bem assim? bêbado
mas e se colorirmos em duas cores? e desentrecortarmos visualmente o texto?
UMA MULHER
bêbada prima
quer?
uma chavena de chá? é muito mais ordinária
mais açucar prima? do que prima
um homem
está bem assim? bêbado
como é o procedimento? é um poema machista? etc.
postado em 10 de agosto de 2013, categoria oi kabum bh : adília lopes, poesia, poéticas da narrativa 2, sugestão