gabrielle blair, “mormon e mãe de seis”, escreveu esses dias sobre responsabilidade e aborto. o texto é bastante interessante, de modo que o rescrevi, abaixo:
Para conter abortos, é necessário parar com as gravidezes indesejadas. Os homens são 100% responsáveis pelas gravidezes indesejadas. É necessário um homem e uma mulher para uma gravidez intencional. Mas para uma indesejável, basta uma ejaculação irresponsável de um homem. As mulheres podem ficar grávidas 2 dias por mês e por um número limitado de anos. Os homens podem causar gravidez 365 dias por ano, da puberdade à morte, e alguns mais de uma por dia.
Controle de natalidade via contraceptivos químicos é extremamente danoso, por seus efeitos colaterais. As pílulas masculinas não são aprovadas porque também possuem efeitos colaterais. Mesmo que em quantidade muito menor, estes fazem com que seja inaceitável para os homens usa-las. Para as mulheres, entretanto, tudo bem. Em geral, nós não nos importamos tanto com o sofrimento das mulheres.
Ainda assim, a pílula foi e é importante, e muitas mulheres se dispõe a usa-la. Os medicamentos são caros, precisam de receita médica e há quem tente torna-los ainda mais caros, inacessíveis ou sem possibilidade de cobertura de seguro em relação aos possíveis danos causados devido à sua ingestão. Exigem agendamento e controle de uso constante e frequente, perfeito aliás. Mas e as camisinhas? São comparativamente baratas, fáceis de usar, convenientes e não precisam de receita.
Os homens, entretanto, não gostam delas e pressionam as mulheres a não utiliza-las, as removem durante o sexo, fazem chantagem. Por alguns minutos de um pouco mais de prazer, quando do sexo sem camisinha, os homens colocam uma gravidez em risco. Por um pouco mais de prazer os homens apostam a vida, saúde e status social das mulheres com as quais transam.
E aqueles que não usam de jeito nenhum nem se dão o trabalho de ejacular fora, algo cuja eficácia estudada é de 96%, porque também, é um pouco melhor gozar dentro da vagina. Então os homens se dispõe a arriscar a vida da mulher por um pouco mais de prazer, durante os segundos em que ejaculam.
Para eles, não há nada mais importante que seu prazer individual. E se um homem precisa ter prazer e ejacular para engravidar uma mulher, uma mulher pode ficar grávida sem prazer algum. Pode até ficar grávida tendo dores horríveis. Mas também pode ter muito prazer e orgasmos, sem engravidar. Gravidezes estão ligadas apenas a orgasmos masculinos. Homens tendo prazer fazendo sexo e ejaculando irresponsivelmente é o que causa gravidezes não desejadas e abortos.
Homens não sabem, não perguntam e não pensam em perguntar se eles causaram a gravidez. Eles podem nem pensar em associar sexo e bebês. Porque eles não sofrem as consequências de sua irresponsabilidade. Se uma mulher decide abortar, ele pode inclusive não saber que causou a gravidez com sua ejaculação irresponsável.
postado em 20 de novembro de 2018, categoria reblog : aborto, ejaculação, gabrielle blair, gravidez indesejada
para aqueles que tem uma queda por lógica, como eu, é estranho que as discussões sobre aborto e suas posições omitam as opções em favor e contra o não-aborto. em termos de posicionamentos duros, descontextualizados (el contexto soy yo), teríamos 4 opções:
- multiculturalista (a favor do aborto e a favor do não-aborto);
- misantropo (a favor do aborto e contra o não-aborto);
- cristão (contra o aborto e a favor do não-aborto);
- nihilista (contra o aborto e contra o não-aborto).
na última opção, incluiria a ética negativa (e assim o cristianismo pró-suicídio) do julio cabrera. a fórmula do nascimento de erewhon (samuel butler), também se encaixa nessa última categoria, mas com um viés completamente outro – pois para um ser não nascido, a viver com todas as regalias no reino fantasmático, nada mais estúpido que a decisão de se desfazer e nascer a um mundo cheio de infortúnios (para não falar da etapa em que este molesta um casal até que eles sejam obrigados a aceitar a função de meios de transmutação).
postado em 6 de dezembro de 2016, categoria comentários : aborto, birth formulae, erewhon, ética negativa, julio cabrera, lógica, nascimento, samuel butler
ultramorte, megamorte, multimorte, nanomorte, nove mihões de maneiras de morrer (nine million ways to die); qual a morte mais mortal? mas não seria essa pergunta justamente descabida? pois não era a morte que estava do lado da diferença e se bifurcou, dando origem à vida, esta sim, com suas inúmeras variações de grau?
lendo land (the thirst for anihilation: georges bataille and virulent nihilism, routledge, 1992), capítulo 9, “abortando a raça humana”, são figurados outros tantos bergsonismos: matéria e espírito, natureza e cultura, caos e ordem, zero e plenitude, forças ativas e reativas, inorgânico e orgânico, guerra e indústria.
To set up the question of difference as a conflict between the one and the many is a massive strategic blunder – the Occident lost its way at this point – the real issue is not one or many, but many and zero. [147]
se esses dualismos remetem a monismos, esses monismos devem remeter ao grande e imenso zero (o próprio zero também), à diferença diferenciante.
{de um modo bastante ingênuo eu esperava que land fosse um deleuzeano que descontaminasse o deleuzianismo de seu bergsonismo}
postado em 16 de junho de 2014, categoria excertos, livros : aborto, bergsonismo, diferença, gilles deleuze, henri bergson, morte, nick land, the thirst for anihilation, zero
1. a vida e obra. escolher compor ou não compor: ‘seria melhor não compor uma obra’. a violência do nascimento, tanto quanto da morte; da criação, tanto quanto da destruição. porque eu deveria preferir produzir a não produzir?
2. jogos mortais: “A morte por gás e morte nuclear são maneiras de fazer que o horrível da morte seja coisa nossa, esteja, de alguma maneira, sob nosso controle. É possível imaginar alegria mais intensa que do controle da morte? Pareceria como se o projeto, consciente ou inconsciente, do homem fosse fazer deste mundo um mundo socialmente horrível, para não perceber que ele é horrível.” [88]
3. camiseta com os dizeres ‘PELA APOLOGIA ACRÍTICA DA VIDA’; outra, menos efetiva, com ‘PELA MORTE {suicídio, abstenção, aborto}’.
4. para serem consistentes as éticas afirmativas não poderiam ser afirmativas. contra nietzsche e sua gritaria em pról da vida, cabrera indica o caminho de uma ética negativa e autodestrutiva. (um cristianismo ético-crítico, deve abarcar a possibilidade do suicídio, da abstenção, e eventualmente dos pequenos assassinatos)
5. “O suicida seria perdoado se ele partisse com algum rumo. Mas o que o suicida radical quer é, simplesmente, sair daqui. / O suicida é um viajante kafkaniano.” [57]
{cabrera, julio. a ética e suas negações. rocco, 2011}
postado em 29 de abril de 2014, categoria resenhas : a ética e suas negações, aborto, abstenção, cristianismo, ética negativa, filosofia, franz kafka, jogos mortais, julio cabrera, nascimento, suicídio, violência
tem tanta gente desejando ter abortado, sonhando secretamente com a supressão dos filhos, que é como na causa gay: tem de impedir os outros. essa é a grande tentação dos fracos.
***
david lynch, eraserhead, de 1977. o excerto não mostrado, e mais sugestivo é o que o corre aos 48 minutos do filme, no mesmo cenário.
postado em 3 de agosto de 2013, categoria aforismos : aborto, david lynch, eraserhead, friedrich nietzsche, homossexualidade