leituras recentes, 2019-07

1. fábio fernandes: de a a z: coisas que você deveria saber antes de escrever seu livro (2017). um punhado de verbetes curtos com dicas de escrita (a principal – não jogue informação na cara do leitor. muito menos tudo de uma vez). rápido e divertido.

2. fausto fawcett: santa clara poltergeist (1991). tudo o que queríamos de copacabana, fusão cyberpunkpornô, enredo estapafúrdio em linguagem delirante, velocidade e imersão sensual, violência e saúde… um enclave do amor, improviso e caos. obra prima (sério). leiam o excerto abaixo ouvindo isso.

Essas manifestações poltergeistianas em massa começaram a fazer parte do cotidiano do bairro, e aumentavam a capacidade de vários doadores de orgasmo. Todo mundo tinha um ou dois minutos de suprassensorialidade todos os dias. Copa virou uma Cubatão psíquica, poluída por espectros, fantasmas de radiação, reverberações cerebrais e sensoriais, magnetismos e mentalizações repentinas. Ambiente de plena obscenidade metafísica e promiscuidade quântica. Uma espécie de Disneylândia Geiger, que acabou sendo invadida por hordas de cientistas…

3. h. p. lovecraft: the complete chtulhu mythos, narrated by ian gordon (1921-1935 / 2018). certo, eu sei que é duvidoso incluir audio-livro num post de leituras. mas e se eu disser que sou uma pessoa de concentração bastante baixa para ouvir pessoas falando, e tenho de ficar consultando o livrinho eletrônico no kindle? de qualquer forma, tinha um objetivo em mente: ter certeza de não ter escrito besteira num artigo, no prelo, comparando o hiper-caos do meillassoux, o deus de descartes e o demônio sultão azathoth, o deus idiota cego no centro do caos pulsante. o artigo mesmo comenta sobre a entidade (?) a partir da novela “the quest for unknown kadath”, de 1927.

4. rené descartes: princípios da filosofia (1644). um manual de conhecimentos gerais, e por isso numa linguagem “do conhecimento”, em formas de tópicos e parágrafos explicativos. a primeira parte é basicamente uma versão chata das meditações metafísicas (que é um livro divertido). as partes 3 e 4, em que pese a teoria dos turbilhões, realmente interessante e inovadora para a época, está entre as coisas mais insuportavelmente monótonas que já li na minha vida. de qualquer forma: os planetas são como navios e o espaço sideral é líquido, pois não existe vácuo. eles geram turbilhões, que geram movimentos de partículas e tendências de movimento. esses turbilhões se estabilizam e geram o movimento dos planetas. mas como o movimento é sempre relativo, a terra não se move (por si). sei. (descartes tenta jogar um caô para a igreja mas é bastante descarado). de qualquer forma, impressionante o quão anti-escolástico tudo isso é.

5. jaime azevedo: tudo que ama e rasteja (2017). um bom livro de terror bizarro, com uma amarração final e desfecho que decepciona por, ao meu ver, evocar a eterna repetição de arquétipos, o ciclo imemorial das histórias e essas coisas que eu geralmente acho que deveriam ser evitadas (e que me parece fazer alguns personagens, um em especial, se comportarem de modo não muito convincente). mas vale bastante pelos episódios vívidos: a tarântula que emerge do saco escrotal do sujeito quando este se excita; a mulher do coveiro, infestada de cupins na vagina; o magnetismo sedutor do lupanar da cidade etc.


postado em 25 de julho de 2019, categoria resenhas : , , , ,

crônicas da municipalidade #1

tenho horário marcado no bhresolve. é a segunda vez que vou. na primeira, apenas solicitei a data. fui tudo bem, exceto que não levei envelope. precisa sempre levar o envelope não se esqueça, está anotado no site, vou quebrar seu galho, mas precisa, pra colocar os documentos dentro viu? então, esperei a aprovação da solicitação. aprovada a solicitação, fui ao primeiro batalhão da pm, solicitar, dessa vez, policiamento. mesmo sendo evento mínimo, você deve solicitar policiamento. lá, a delegada (?) me perguntara, é praça 7 né, e eu distraído sim, mas não, não é, o evento é praça 6, a localização é que é praça 7 (aquela coisa da “minoração”). enfim, não, não risque o nome do evento no documento de solicitação de policiamento, por favor, e ela rabisca de volta 6 em cima do 7 rabiscado em cima do 6. depois, guias gam e comprovantes de pagamento das guias gam. sim, pra prover arte pro município a gente tem de pagar e enfrentar a prefeitura, cuja tarefa aparente é cobrar e dificultar o fornecimento de arte e cultura ao município. agendamento e aqui estou, já confirmei minha senha na fila para atendimento de confirmação de senhas. agora é só esperar (costuma ser rápido). srr09 guichê 11, uma loira cara de seleta (terceiro reich mineiro). entrego papéis, por que não deixou já tudo organizado e separado? e também dou-lhe o envelope pra colocar todos os documentos dentro. olha, são dois eventos e não um, precisa de duas documentações, você não trouxe, agende outra data e venha com duas, pera lá, mas eu não entendi isso, é um evento, praça 6, 17 e 24 de agosto, um evento em duas datas. rapaz, leia as informações, praça 6 #5 um evento, o outro praça 6 #6, esse é o significado de evento,volte quando estiver tudo lido e preenchido (eu li e preenchi, ao meu ver), então sem duas cópias do rg, do autocad da praça, da solicitação de policiamento, e os formulários e gams e comprovantes de pagamento gam, esses estão aqui mas as cópias não. precisa de dois envelopes também? não. então você vai colocar coisas duplicadas num envelope só. é, então você agende de novo e no próximo dia traga todos os documentos. mas moça, por favor, por favor etc, só vou até ali e xeroco, e ela reluta mas diz que sim, vai abrir uma exceção, mas olhe lá e preencha e separe absolutamente tudo antes de voltar no guichê dela (de modo algum seria impertinente de sugerir que ela use a foto-copiadora logo atrás dela, não sou louco). eu desço e é claro, especulação foto-copista, três páginas, a 1$50 ou no mínimo 90 centavos, é o quarteirão do esqueci a cópia disso e daquilo, no entorno do bhresolve, muita demanda, mas saco a moeda grande pago e subo, separo com um clips e entrego. ela aponta, isso aqui não tá preenchido, é o maldito x do “não temos gerador de energia”, espero muito que não tenhamos de ir ainda à cemig, pra eles, como diz meu colega, cobrarem caro pra fazerem um “gato legal” e assim liberar um ponto de energia, gosto muito mais da ideia da banquinha. ok, x, e agora bom humor, já é outra pessoa, seria a dose de sadismo burocrático diária necessária, já passou a cota, agora é só um trabalho, pegar, digitar, fazer piadas com as colegas, que bom, eu penso, se bem que ser mal humorado num ambiente daqueles é ruim pra mim mas eticamente correto, não? e enquanto pego os protocolos olho que ela usou um outro envelope, não o meu.


postado em 18 de julho de 2019, categoria crônicas : , ,

memética: política e extração do café

ancap é “como pagar o preço mais absurdo e ter um produto de qualidade bosta” (vulgo, o que o capitalismo faz por nós – e isso sem falar no lixo). esquerda liberal é “como queimar seu café, se ele for um café bom”. maoísmo é bom, mas já viu o preço da porcaria do papel da chemex? e sim, é bom ter mais gente na sala. anarquismo japonês é o que queremos. hario contra o sistema. hoxhaista, cafeinado e sujo, como a boa burocracia, dispersa e sacana (stalinismo? perguntem-me o que fiz hoje na municipalidade). liberal é ok, todos nós precisamos de vez em quando acreditar na ideia (ilusória) de indivíduo; mas ter em casa não né.é como achar que um indivíduo vence na vida e… marxista-leninista  lembra a fila de pão e você até compra um grão que já vem moído, por preguiça. mas enfim, e o aeropress? corrigindo o hoxhaismo e se aproximando à agência, mas sem o eu do indivíduo.


postado em 12 de julho de 2019, categoria comentários : , , ,

a regra de não ter regras

quando digo que a improvisação livre não tem regras, alguns acham que estou dizendo que a regra da improvisação livre é a de que não tem regras. o problema de pensar assim, entretanto, é o seguinte. temos primeiro uma frase imprecisa mas bem definida no que precisa, isto é, no fato de que no gênero em questão há uma negação do aspecto regrado de outras práticas. já na segunda temos um problema. porque ter regra nenhuma passa a ter uma regra, a regra do regra nenhuma. pra complicar, isso também deveria implicar que algo com uma regra, na verdade, teria duas regras: a regra mais a regra de ter uma regra. e então temos essa situação em que começamos a pensar: talvez a palavra regra esteja sendo utilizada em mais de um sentido. e então somos mergulhados na perplexidade; encontramos um problema do uso da palavra? acho que quando fazemos isso queremos forçar no uso da palavra uma consistência que ela não possui. isto é, que queremos alterar o significado da palavra pra dar lugar àquela transparência “lógica” que gera obscuridade e mistificação. o budista não deseja ter nenhum desejo, ele busca não desejar nada. ele deseja buscar não desejar nada? é uma pergunta estranha e não é absolutamente a mesma coisa que antes. imaginem, por exemplo, se eu resolver a questão e disser: na improvisação livre só há esta regra. (qual? esta.)


postado em 9 de julho de 2019, categoria aforismos : , ,

sonhos banais

entretanto, quando fui sonhar, sonhei que estava editando um áudio no computador quando, de repente, caiu a energia. minha placa de som desligou e eu fiquei contrariado, mas logo a energia voltou. só que o programa travou, e eu fiquei me perguntando se ele tinha salvo minhas últimas alterações, pois detestaria fazê-las de novo.

antes de dormir dei uma bronca no amigo de meu colega de casa, que estava a fazer xixi de porta semi aberta. como a bronca foi dada à distância – estava irritado e indo dormir, e ninguém quer ouvir a urina pingando de outrem, foi um pouco grosseira. no sonho, era de manhã e eu me desculpava com o rai. desculpe ter dado bronca daquele jeito ontem.

chego no meu quarto e penso – vou trocar de cueca – apesar de não ir tomar banho agora, esta está suja, e eu ainda posso aproveitar pra usar uma vestimenta de baixo de cor igual a da calça, um pequeno gracejo. mas quando abro a gaveta, vejo que não há sequer uma peça lá. todas as cuecas estão sujas. penso: preciso urgentemente lavar a roupa.


postado em 24 de junho de 2019, categoria sonhos : ,

não necessariamente simples

a arte sonora e a arte conceitual não precisam ser simples. a simplicidade não é exigência para consistência artística nem para existência conceitual. você pode ter de explicar a ideia de algo conceitual em várias páginas, ao invés de em um breve parágrafo. pode haver uma constelação conceitual, um arquipélago, ao invés de uma unidade isolada. e não é por que há uma relação de elementos intrincados que algo deixa de ser arte sonora e vira música. “a partir daqui, me perco, então só escuto”. talvez por esse efeito, em que o inteligível dá lugar à experiência estética, ao recusar o enigma, tenha-se buscado o pontual, sóbrio, o anedótico, o criptografado, o abstêmio, íntegro, elementar… contra isso, uma arte de detetive, e que usa os sentidos como tema para as elaborações da ideia e vice versa. então, contra meramente fornecer uma chave que bastaria para resolver a interpretação e uma limpidez que resolveria a fruição, movendo do estético e em parte o anulando, em direção ao conceitual.


postado em 17 de junho de 2019, categoria comentários : , , ,

ideinha

chamo de ideinha algo que poderia ser bom mas é ruim (e sempre será).


postado em 13 de junho de 2019, categoria comentários : , , , ,

poemas bobos

1.

a: “eu vou dormer”
b: “e eu, comir”

2.

a: fan-filo-fiction
b: fan-fiction filô

3.

não tem ego, só tem eu
não tem id, só tem isso


postado em 31 de maio de 2019, categoria prosa / poesia : , , , ,

a sereia de pernas tortas e a mediocridade

a mulher que tão depressa era feia como bonita rogou a deus que lhe fizesse ou uma ou outra, cansada das declarações de amor e das bulinações, de caroços de azeitona à cabeça. pois em ambas sendo extrema, e ambas possuindo, não suportava a alternância nos outros, muito antes que a dela. sendo agora feia, podia ser desprezada pelos homens e admirada pelos animais, e mesmo triste e com a testa doída, seria de tal modo excêntrica que pudesse sonhar com o amor de um rei [*].

mas ao contrário de quem, medíocre, deseja, por revolta, ser feia, ou por anseio, ser bonita, digo que é preciso tecer um elogio à mediocridade na beleza. pois há a vantagem da média que é não chamar a atenção, de um lado ou do outro, mas permitir que alguns de toda a gama, por química ou predileção, por algum detalhe ou combinação, possam considerar mais solitariamente e com mais particularidade aquilo como lindeza. e isso sem excentricidade e sem alternância, mas sobretudo, sem universalidade.


postado em 30 de maio de 2019, categoria aforismos : , , , ,

esportes que o infinito menos apoia com entusiasmo

(lista de 2018. foto de dorothé depeauw)


postado em 21 de maio de 2019, categoria fotografia, miscelânia : , ,