a esperar o vôo para santarém, das 0h30 às 4h30 no aeroporto de manaus, depois de um vôo de 9h (de são paulo a manaus, com escalas em fortaleza e belém). uma das piores logísticas de todos os tempos: de belém a manaus justamente não se passa por cima de santarém?! de qualquer forma, para contornar o sono, cansaço e calor (o ar condicionado estava “em conserto”), resolvi conferir se minha mala não seria colocada por engano na esteira errada.
na casa de kandyê medina. ela me hospedou numa casa confortável, com alguns probleminhas, mas ainda assim, confortável. no vídeo, participação involuntária e especial de julia salaroli, que aliás, fez questão de não desmentir o fato de que eu teria de dormir em uma rede (havia uma cama para mim, na realidade).
fomos à parte religiosa e tradicional do sairé, que se deu de manhã. mais interessados nos detalhes, filmei esse fogo, com o qual esquentavam o tarubá, bebida fermentada de mandioca.
após um ensaio aberto com julia e kandyê, no espaço alter do chão, morcegos e mosquitos beira rio. lembrei de conversa com marcelo muniz, na praia de ipanema, da quinzena anterior. meu projeto de igualar o estatuto da visão (que vê luzes e fixa imagens visuais) e o da audição (que ouve sons e fixa imagens sonoras) passaria supostamente por entender como o morcego fixa o mundo através das reflexões sonoras.
programa de rádio, parte da programação da mobile radio bsp. aos sábados, das 16h às 17h: 29 de setembro, 06, 13 e 20 de outubro de 2012. coordenação minha, contará com diversas participações, a confirmar.
2. excerto de “causas e razões das ilhas desertas”, de gilles deleuze, trad. de luiz b. l. orlandi. em: a ilha deserta e outros textos: textos e entrevistas (1953-1974). são paulo, iluminuras, 2010.
sonhar ilhas, com angústia ou alegria, pouco importa, é sonhar que se está separando, ou que já se está separado, longe dos continentes, que se está só ou perdido; ou então, é sonhar que se parte de zero, que se recria, que se recomeça. havia ilhas derivadas, mas a ilha é também aquilo em direção ao que se deriva; e havia ilhas originárias, mas a ilha é também a origem, a origem radical e absoluta.
(…) já não é a ilha que se separou do continente, é o homem que, estando sobre a ilha, encontra-se separado do mundo. Já não é a ilha que se cria do fundo da terra através das águas, é o homem que recria o mundo a partir da ilha e sobre as águas. então, por sua conta, o homem retoma um e outro dos movimentos da ilha e o assume sobre uma ilha que, justamente, não tem esse movimento: pode-se derivar em direção a uma ilha original, e criar numa ilha tão-somente derivada.
ela é origem, mas origem segunda. a partir dela tudo recomeça. a ilha é o mínimo necessário para esse recomeço, o material sobrevivente da primeira origem, o núcleo (…) que deve bastar para re-produzir tudo.
a alguns dias a sra. suplicy assumiu o ministério da cultura, como informa a página do minc. dizem (no facebook e em blogues) que essa carta foi a ela entregue, pelo “movimento social das culturas”. segue abaixo aos interessados.
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Prezada Ministra Marta Suplicy,
Sua posse significa para nós a possibilidade de recuperar a grandeza e relevância na ação do Ministério da Cultura. Sua trajetória política como prefeita, ministra e senadora nos abre enormes possibilidades de avanço. Oportunidade de recuperar, na área cultural, o sentido de mudança que marcou a eleição de um operário e uma mulher como presidentes. Sentido de uma nova importância estratégica para a cultura que redefiniu a ação do Estado, desde a eleição do ex-presidente Lula – e que tem no governo da presidente Dilma a possibilidade ir além.
Em todas as áreas sociais, mas na cultura em especial, o governo Lula ampliou a ação do poder público, tornando-a abrangente e complexa. E também definiu um novo lugar da sociedade. Envolvendo-nos a todos na co-responsabilidade de formulação e gestão das políticas, deu um salto nas relações entre governo e sociedade civil. Em especial na cultura, o governo passou a se relacionar com dezenas de milhares de projetos, grupos e movimentos culturais. Os mais de 4000 pontos, pontões e pontinhos são apenas 10% das parcerias estabelecidas. Acreditamos que esta amplitude é um dado positivo não apenas para nós, do campo cultural, mas para a qualidade do desenvolvimento que queremos para o Brasil.
Consideramos que a gestão de Ana de Hollanda (e sua equipe de Secretários e presidentes) foi marcada por ausência de diálogo, interrupção de política públicas, omissão frente aos grandes temas e conservadorismo político. Focado na indústria cultural tradicional, nas belas artes, o MinC perdeu significado social, político e cultural. Regredindo para uma ideia elitista de cultura, a gestão Hollanda dedicou-se surpreendentemente a negar o que havia sido contruído em oito anos. A nova gestão herda agora muitos destes nós e desafios.
No vácuo deixado pelo MinC, os movimentos culturais ocuparam o vazio não apenas para resistir, mas para levar adiante a agenda da cultura. Desse ponto de vista, muito avançamos em lucidez e na capacidade de defender agendas que unem a maior paret do setor cultural.
Acreditamos que sua posse encerra este ciclo. E por isso defendemos que os programas e ações precisam não apenas ser retomados, mas fortalecidos, ampliados e atualizados. A sociedade quer voltar a formular junto ao MinC, sobretudo, para abrir novas portas e caminhos não desbravados.
O Ministério da Cultura que queremos precisa ter as portas abertas, ser republicano, posicionando a cultura acima de interesse partidários, armadilhas tecnocráticas ou lobbies (muito oriundos do próprio mundo da cultura) que tentam minar a ação pública.
Assim ouvimos com alegria o chamado da Ministra ao diálogo e à construção de uma agenda. Respeitosamente, nós, movimentos da cultura, artistas, produtores culturais, intelectuais, grupos culturais, pontos de cultura, povos de terreiro apresentamos algumas propostas. Agendas que encontram base no Plano Nacional de Cultura (2010), na II Conferência Nacional de Cultura.
1- É preciso destravar agenda da modernização da Lei de Direitos Autorais e da fiscalização da gestão coletiva, em especial do ECAD. Se de um lado, artistas são fragilizados pelo atual sistema. De outro, o compartilhamento do conhecimento, a internet e a inovação são ameaçadas por uma legislação anacrônica de direito autoral.
2- A lei Rouanet continua gerando enormes distorções e concentrações de recurso público. Por isso, é fundamental a reforma imediata no financiamento da cultura, com a tramitação e posterior sanção do Procultura e do Vale-Cultura. É preciso recuperar a presença do MinC no Congresso Nacional: seja para o acompanhamento do MinC na tramitação dos projetos de lei da cultura, seja para garantir o mínimo de 20% de investimento privado em cada projeto cultural. É preciso retomar a parceria com as Estatais, para editais mais democráticos e transparentes.
3 – É preciso garantir o apoio do MinC à Internet Livre, ao Marco Civil da Internet, às redes sociais e culturais, a retomada do espaço de promoção da cultura digital, ativamente, por meio de políticas que já foram desenhadas nas edições dos Fóruns de Cultura Digital.
4- Retomar o fomento à diversidade cultural, com especial atenção aos indígenas, aos pontos de cultura, quilombolas, povos de terreiro, griôs, e seus projetos culturais. Estudar a possibilidade de reverter o decreto de desmantelamento (em 2012) da Secretaria de Diversidade Cultural, responsável por esta agenda. Com Lula, ultrapassamos o redutor modelo da Identidade (herdeiro do positivismo, do nacionalismo e do militarismo). Hoje nossa grande pauta internacional é a Diversidade Cultural, no qual a identidade não é percebida como conjunto homogêneo, mas como rico agrupamento de signos. Desejamos a retomada vigorosa de políticas para indígenas, ciganos, GLBT, infância, terceira idade.
5- É necessário urgentemente destravar e ampliar o Programa Cultura Viva. Os pontos de cultura estão há dois anos em permanente asfixia administrativa promovida pelo MinC. É preciso interromper o interminável ciclo de “avaliação” do programa, iniciado em 2011, que não levou a lugar algum e desmobilizou a sociedade.
6- As artes precisam de políticas mais efetivas. É preciso desprovincianizar a Funarte, dando a ela um caráter nacional, plural, e capaz de desenvolver políticas fundamentais na área de música, artes visuais, cênicas. É preciso mudar a sede para Brasília. A Funarte não pode ser apenas uma gestora de equipamentos, mas comandar as políticas nacionais de artes. As políticas do MinC precisa ter alcance nacional e buscar combater as desigualdades regionais. Suas instituições devem ter sede em Brasília, na capital federal.
7- É fundamental a mudança de rumo da Secretaria do Audiovisual e sua reorientação para trabalhar em todas as suas dimensões criativas, técnicas e de preservação do audiovisual. Retomar a agenda das TV públicas, e a interface com a agenda da comunicação. É necessário recuperar programas que foram interrompidos de forma arbitrária, como o DOC-TV Brasil.
8- Recuperar a capacidade articulação do MinC com outros ministérios da áreas social. Educação sem cultura é ensino, saúde sem cultura é remediação, segurança sem cultura é repressão, desenvolvimento social sem cultura é assistencialismo. A ação da praças de esporte e cultura tem sido conduzidas sem qualquer transparência.
9- Distanciar o MinC de lobbies privados que agenciam a Lei Rouanet e operam a partir do ECAD. Promover uma política de fomento sem atendimento prioritário de partidos, clientelas ou dos grandes operadores de incentivo fiscal. As reformas da Lei Rouanet e do Direito Autoral, devem ser feitas a partir de uma visão de conjunto .
10 – Sanear a Biblioteca Nacional, garantindo que essa importante instituição cumpra sua missão de guarda e disponibilidade do acervo. Sugerimos um novo locus de coordenação da política de leitura, dentro do MinC, para que a política seja a mais ampla. Sanear a política de livro e leitura de lobbies de editoras e livreiros.
11- Garantir transparência na gestão do IBRAM e atualizar o Iphan. As políticas para museus não podem ignorar a demanda de acervos de artes visuais no Brasil.
12- A Ancine se transformou numa mega agência de regulação de conteúdo. Manter a agência reguladora equidistante de lobbies de produtores cinematográficos, garantindo sua eficiência e interesse público.
A partir desses considerandos, o movimento social das culturas se dispõe a construir conjuntamente uma agenda de trabalho como o #NovoMinC.
Brasília, 20 de setembro de 2012.
postado em 21 de setembro de 2012, categoria Uncategorized : marta suplicy, minc, movimento social das culturas, política
1. ando 45 minutos no sol escaldante, com tânia, fenerich e valério. chegando à praia, na ilha do marajó, duas caixas de som tocando reggae, viradas para o mar. uma cabana vendendo cerveja, sem clientes.
2. aparelhagens são equipamentos: dois ou mais paredões de caixas de som, uma nave da xuxa no meio, um show de luzes e telões projetando imagens tipo karaokê. a música é o tecno-brega, eventualmente recedendo ao brega, ou vacilando ao funk-carioca. tum tá tá, só que na intensidade de uma turbina de avião encostada na sua orelha.
3. aparentemente (e sei que isso é parcialmente injusto) a festa do sairé é uma espécie de desculpa para uma orda de playboys, agroboys e playssons invadirem alter do chão e tocarem interminavelmente e repetidamente uma única dúzia de músicas em altíssimo volume. o fazem dos seus carros, enquanto xingam uns aos outros nas piscinas das casas de veraneio, das 13h às 4h da matina, de quinta à segunda. “vou te trair, pode chorar”, “vou te pegar”, “180 180 360” e “periguete” configuram um terço do repertório, que vai do sertanejo universitário ao forró universitário, mas sem que se perceba diferenciação alguma entre ambos.
o inumano é uma série de artigos reunidos de jean-françois lyotard (editorial estampa, lisboa, 1989). esse clássico do que se chamou de filsofia “pós-moderna apocalíptica” é ancorado numa união entre “a questão da técnica” de heidegger e “a teoria estética” de adorno (em si cheia de mônadas, de leibiniz), com pitadas do último freud e a teoria do sublime de kant. a tese wittgensteiniana dos “jogos de linguagem” no período pós-moderno é deixada de lado, para descrever uma destinação, cuja imagem mais forte é o progresso tecno-científico rumo à eliminação do corpo, afim de que seja possível uma sobrevivência à morte entrópica do sol. diz ele (cito extensamente), em “domus e a megalópole” (1987):
“A metafísica é realizada na física, num sentido amplo, e, hoje em dia, actua na tecno-ciência. Reclama-nos, por certo, um luto diferente daquele exigido pela filosofia do desastre e da ociosidade. O partido que é tomado não é o do indomável, mas sim o da sua negligência. De fazer física (quase leibiniziana) do inconsciente, assim o poderíamos dizer. Não é preciso escrever, infância, dor. Pensar consiste em contribuir para a melhoria da grande mónade. É isto que nos é pedido obssessivamente. É necessário pensar de forma comunicável. Fazer cultura. Não para pensar segundo o acolhimento do que vem singularmente. De preferência para prevê-lo. To success is to process. Melhorar as performances. É uma domesticação, se assim o queremos, mas sem domus. Uma física sem deus-natureza. Uma economia onde tudo é aprendido e nada recebido. E, obviamente, um analfabetismo. O respeito e o desrespeito da leitura severa e serena em relação ao texto, da escrita para com a lingua, essa enorme casa sempre inexplorada, a ida e vinda indispensável no labirinto desses quadros vazios, sempre desertos – a grande mónade não tem cura para isso. Apenas vai e constrói. Promoção. É o que exige dos humanos. Com o nome de <actuação comunicacional>, de <conversação> e de relegação da filosofia, de performatividade, é-nos pedido que pensemos de forma útil. Útil para a composição da megalópole.” (p. 198-199)
(não há domus na megalópole, se havia ainda esse espaço na metrópole, ele é engolido pela necessidade de armezenar energia, capacidade, da grande memória, preparando-se para o exílio cósmico inumano)
“Só vivemos na megalópole se a designarmos como inabitável. Se não, apenas lá temos um domicílio. No limite do tempo descontado (a segurança), esperar a catástrofe do instante, escreve Benjamin. Na transformação inevitável das obras em mercadorias culturais, manter o testemunho esmagador de que a obra é impossível, escreve Adorno. Habitar o inabitável é a condição do gheto. O gheto é a impossibilidade da domus. O pensamento não está no gheto. Cada obra à qual o pensamento pródigo se resolve esconde o muro do seu gheto e serve para neutralizar o pensamento. Pode apenas deixar a sua marca no tijolo. Fazer graffitti nos média, última prodigalidade, última homenagem à frugalidade perdida.” (p. 199)
“E os amantes não têm nada para contar um ao outro. São destinados à deixis: isto, agora, ontem, tu. Destinados à presença, vazios de representação. Mas, a domus fazia legenda e representação desses silêncios e dessas inscrições. Ao contrário, a megalópole exibe-os e torna-os comunicáveis. Chama à melancolia autismo e ao amor sexo. Do mesmo modo que os fruges são chamados produtos agro-alimentares. Os segredos devem ser postos em circuitos, as escritas em programas, as tragédias transcritas em informações. Protocolos de transparência, cenários de operacionalidade. Apesar de tudo aceito a vossa domus, é vendável, a vossa nostalgia, o vosso amor, deixe isso comigo. Pode ter alguma utilidade. Capitaliza-se o segredo depressa e bem. Mas a megalópole não sabe que o segredo não é segredo de nada, que é incluto, insensato, já na domus. Ou, de preferência, só tem uma ideia desse facto. Enquanto que o segredo, porque consiste no único timbre de uma matéria sensível, sentimental, só é acessível para a estupefacção.
Apenas queria dizer isto, ao que parece. Não que a domus é a figura de comunidade que pode ser uma alternativa para a megalópole. Acabou a domesticidade e, sem dúvida, nunca existiu, a não ser como um sonho da criança de outrora que acorda e que a destrói ao acordar. Surge com a criança cujo despertar a desloca para o horizonte futuro dos seus pensamentos e da sua escrita, numa vinda que deverá sempre ser atrasada. É assim, não como uma superfície de inscrição que estaria verdadeiramente ali, mas como um corpo astral desconhecido que exerce de longe a sua atracção sobre a escrita e o pensamento, de preferência como uma miragem que requer como uma condição necessária. – é assim que o mundo doméstico não pára de se exercer sobre a nossa passibilidade em relação à escrita, até ao desastre das casas. Hoje, o pensamento não requer, não pode requerer, a memória representada pela tradição, a phusis bucólica, o tempo que rima, a beleza justa. Ao recorrer aos seus fantasmas, ela tem a certeza de errar, quero dizer: fará fortuna no retro distribuído também pela megapolis (pode ser útil). O pensamento não pode querer a sua casa. Mas a casa assombra-o.” (p. 200-1)
“E também queria dizer o seguinte. – Bem, dizemo-nos (quem, nós?), pois bem, pelo menos, continuaremos no gheto. Tanto quanto possível. Pensar, escrever, é, no que nos diz respeito, portar testemunho do selo secreto. Que este testemunho faça obra, em alguns casos, possa, pagando o preço do engano e do pior desprezo, ser colocada nos circuitos da megalópole mediática, é inevitável, mas o que também não se pode evitar, é que a obra assim promovida seja desfeita, desconstruída, ociosa, desterritorializada, pelo trabalho de ainda pensar e pelo encontro desestabilizador de uma matéria (com a ajuda, não de deus, nem do diabo, mas da sorte). Testemunhemos pelo menos e ainda, e para ninguém, sobre o pensamento enquanto desastre, nomadismo, diferença e ociosidade. Façamos os nossos graffiti, à falta de gravar – Isto parece de uma verdadeira gravidade. No entanto, digo-me: aquele que continua a testemunhar, e a testemunhar sobre o que é condenado, é porque não está condenado e sobrevive à exterminação do sofrimento. Que não tenha sofrido o suficiente, enquanto que o sofrimento de ter de inscrever o que não pode ser inscrito sem resto, é por si mesmo o único testemunho grave. A testemunha da culpa e do sofrimento engendrada pelo diferendo do pensamento para com o que não consegue pensar, essa testemunha, o escritor, a megalópole aceita-a de bom grado, o seu depoimento poderá servir. É como se o sofrimento e o indomável, atestados, já tivessem sido destruídos. Quero dizer: ao testemunhar, também se extermina. A testemunha é um traidor.” (p. 202)
(acho isso bastante triste. vontade de chorar, sempre nervosa e contida, em mim.)