alain badiou diz em uma bela palestra sobre sua magistral versão da república de platão, que ele teria realizado uma tradução que é mais verdadeira que o original. eu completamente concordo e recomendo a todos a leitura de a república de platão recontada por alain badiou. o que me incentiva a publicar aqui a minha inédita, mas desde já vilipendiada teoria da tradução, que apesar de tudo guardo no coração.
uma tradução, se bem feita, sempre pode ser melhor que o original (versão forte: sempre é melhor que o original). isso se explica: o tradutor atualiza a linguagem, reconectando elos que teriam se desfeito no decorrer dos anos; retira-a do período histórico que, com suas limitações e pressões contextuais, mancha o texto com obscuridades. O texto, assim, torna-se mais claro e como que mais composto de palavras, e não de acenos e expressões de uma época e local perdido.
abrir um campo de possibilidades não garante acontecimento. mas há acontecimentos não-garantidos por vir. e houve.
(são ponderações feitas após organizar alguns eventos em que ninguém compareceu. bem, eu compareci. mas então deveria dançar sozinho? dançar sozinho é manter a possibilidade aberta?)
***
ps: é difícil defender o acontecimento contra o evento de sucesso, mesmo porque nada impede que no evento de sucesso existam acontecimentos. uma das maneiras de não desanimar é pensar na ideia de resistência. mas o quanto resistir não é ouro de tolo? o quanto não faria parte das estratégias de auto-engano, como aquelas que envolvem considerar-mo-nos moralmente superiores?
(não tenho grandes convicções sobre nada, aqui, exceto que é preciso pensar sobre essas coisas)
[dos rascunhos, novembro de 2014; organizava jams de contato improvisação na georgette zona muda]
wittgenstein: não há solução então eu estou mais uma vez chegando a lugar nenhum.
[dos rascunhos, agosto de 2014; fico em dúvida se concordo]
***
[em 2017, eu e matthias koole apresentamos algumas vezes uma versão 落語 / stand up comedy com música experimental do dito livro, mas infelizmente não há registros disponíveis, exceto essa foto]
uma coisa entretanto, me fez pensar: o exemplo enxertado do bartleby. bom, o que representa o bartlebly, aquela personagem que diz i rather not (eu prefiro não), do melville?
o bartebly que não faz nada gera artigos e livros inteiros: deleuze e agamben, mais todos artigos de comentadores (no congresso que fui tinha pelo menos um, e muitos artistas que eu conheço se inspiram nele para produzir obras). pra mim ele representa o mundo encantado do outro, daquele que contrariamente ao escritor, ao pensador, ao artista, não está produzindo. ele é para mim a representação da idealização da não-produção. e é uma maneira de assim expurgar a não-produção e usá-la para combater a má consciência por produzir tanto.
quando lyotard, no inumano, fala de melancolia, ele está já falando também, na década de 80, de uma resignação, de viver no grande hotel abismo [como adorno, um workaholic], e articula esse problema: escrevo isso como poesia-filosofia, mas ao escrever, não posso estar melancólico, posso apenas assumir essa posição de aceitar mal a boa maneira de se expressar, aceitar melancolicamente – isto é, sem me engajar contra minha própria produtividade.
1. como mário havia perguntado sobre si, quem era, entre outras coisas, e o bot havia respondido com um monte de baboseiras, embelezadas com lorotas, eu coloquei na minha cabeça que gpt era uma abreviação de gepetto e que, tal como o pinocchio, aquele chat mentia muito.
2. quando carol me informou que estava rolando uma modinha nas redes de pov, por algum motivo eu achei que se trataria de uma tendência videográfica de filmagem em primeira pessoa – person observation view. mas isso não era de modo algum o que eu encontrara, pouco tempo depois. talvez todos pontos de vistas sejam subjetivos, mas não subjetivas.
era um prazo que se apresentava como absurdo para nós. um prazo final ainda para esse ano. um prazo de final de ano, verdadeiramente. um prazo cuja data era 31 de dezembro.
(o prazo em si não parecia absurdo, mas sim a data. trabalhos possuirem prazos é algo da ordem do aceitável. alguma hora o fruto do trabalho deve amadurecer. marcamos uma data para nos impedirmos de postergar esse amadurecimento indefinidamente).
é que o ano vai aos poucos terminando. e nesse processo, a soma das expectativas de que termine aumenta. os dias acumulam e o final se aproxima. o acúmulo de expectativas então contagia. torna-se impossível não levá-lo em conta. torna-se impossível realizar qualquer tarefa produtiva sem levar esse acúmulo em conta.
(trabalhar levando em conta a expectativa de que o ano acabe é extenuante. se ela o é para aqueles que anseiam cada vez mais pela pausa, fadigados que estão de tanto trabalhar, ela também o é para aqueles que, desocupados, se veem contagiados por essa ânsia)
acontece que o que terminaria com o ano não seria apenas o ano, mas também o prazo. e o prazo indicaria que haveria algo a fazer: trabalho.
(resultado: estenderam o prazo para 15 de janeiro).
quando estudava na unicamp, andava muito com lucas araujo e mário del nunzio. inventamos, na época, uma tabela de conversões monetárias com duas unidades apenas: (1) salário do neymar (SN); (2) cachê do chico buarque (CB). assim, quando fosse pedir uma coxinha com suco na cantina, poderia, ao invés de dizer: “tá aqui, 5 reais”, você poderia dizer, “estou a pagar 625 dez-milhonavos de cachês do chico buarque por este lanche” (0.0000625 cbs). o que seria, obviamente, muito mais unidades do que se a conversão se desse em SNs.
há algo de profundamente romântico na visão de william gibson sobre uma certa categoria de personagens. o artista como acontecimento precisa estar tão imerso no fazer a ponto de não se importar com a obra, com as conexões, com a difusão. ele é um agente da vontade, uma força da natureza: um robô lixeiro, uma menina cataléptica. ali, há uma confluência entre imagens do inconsciente, outsider art e o capital. é como se nise da oliveira tivesse de operar clandestinamente; teríamos acesso apenas a raros quadros misteriosos, aqui e ali. mas não temos o ponto de vista do artista – apenas do capitalista que quer caçar esse tesouro vivo – a intencionalidade cujo elemento humano é sublime – ao mesmo tempo nosso e estranho. sedutoramente estranho. pois haverá muitos a sonhar com a esquizofrenia, o robô lixeiro, a catalepsia.
em teoria, poder-se-ia fazer pão de queijo acrescentando outros elementos: cúrcuma, pimenta calabresa, fermento, cominho etc. mas talvez fosse melhor só colocar mais queijo mesmo.
quando falamos de teoria e não fazemos os pães de queijo, pode ser que sonhemos com novos sabores. ainda assim, ao final, o importante será: o queijo, o leite, o polvilho, os ovos.
toda teoria tem um momento de duvida: será que a tradição nos cega para a inovação? ainda assim, ao final do dia, o que queremos é comer uma boa iguaria.