Não é apenas a apreensão do conhecimento humano e o horizonte relativo do pensável, mas uma revelação enigmática do impensável, ou realmente, o que podemos chamar de iluminação negra.
A iluminação negra não leva à afirmação do humano dentro do inumano, mas ao contrário, abre-nos para a indiferença do inumano (Lovecraft, em suas cartas, faz referência à sua posição como “indiferentismo”.) O inumano não existe para nós (o humanismo do inumano), mas tampouco contra nós (a misantropia do inumano). A iluminação negra leva ao pensamento enigmático da imanência da indiferença.
Nosso estoque comum de sons compreende todas as distinções que os músicos descobriram que valia a pena esboçar e as conexões que descobriram que valia a pena fazer, durante a vida de muitas gerações: estas são provavelmente mais numerosas, mais consistentes, já que passaram pelo longo teste da seleção do mais belo – e, mais sutil, pelo menos em todas as questões comuns e razoavelmente benfazejas – do que você ou eu estamos propensos a imaginar em nossas poltronas ao cair da tarde.
{Austin, J. L., “A Plea of Excuses” – palavras em itálico apócrifas, mas sem mudar a estrutura do texto}
em o senhor das moscas, william golding (alfaguara, 2014, p. 102), escreve:
“O problema é o seguinte, Porquinho. Fantasma existe? Ou monstro?”
“Claro que não.”
“Por que não?”
“Porque aí as coisas não iam fazer sentido. As casas, as ruas, e – a TV – nada ia funcionar.”
Os meninos que dançavam e repetiam seu refrão tinham se afastado, e afora o som que produziam era apenas um ritmo sem palavras.
“Mas e se elas não fizerem sentido? Não aqui, na ilha? Se tiver alguma coisa vendo tudo o que a gente faz, e só esperando?”
ali delineam-se os seguintes problemas:
o problema de não dominar a técnica.
o problema de não estar em presença da técnica.
mais adiante (p. 153), o complemento desses dois é exposto:
“Estou com medo.”
Viu Porquinho levantar os olhos; e continuou a falar, de maneira confusa.
“Não do mostro. Quer dizer, dele também. Mas ninguém mais entende como a fogueira é importante. Se você está se afogando e alguém joga uma corda. Se o médico diz que você precisa tomar um remédio pra não morrer – você aceita, não é? Quer dizer -“
o problema da alienação.
numa ilha, a reestruturação da técnica se dá com pinturas no rosto, cerco a porcos, cantigas em roda. selvageria do ocidente que regride a partir de si mesmo. no entanto, pensando numa sociedade em presença da técnica científica, a alienação do tipo “pedra mágica” (falta de domínio da técnica, falta de crença no todo que permite o domínio da técnica) permite também a coexistência da selvageria supersticiosa. se fosse uma letra de rock, o refrão que resumiria esse ponto seria:
seguindo leibniz, cuja visão de mundo comentei nessa postagem, bruno latour, em irreduções, escreve:
3.6.3 Somente na política as pessoas estão dispostas a falar sobre “testes de força”. Os políticos sãoos bodes expiatórios, os cordeirossacrificiais. Nós os ridicularizamos, desprezamoseodiamos.Nós competimos denunciando suavenalidadee incompetência, sua visãomíope,seus esquemase concessões, os seus fracassos,o seu pragmatismooufalta de realismo, suademagogia. Apenas empolítica os testes de forças sãopensados comodefinidores da forma das coisas(1.1.4). Apenasos políticos são pensados como sendo desonestos, são tomados como a tatear no escuro.
É precisotercoragem para admitirque nunca vamosfazer melhor do queum político(1.2.1). Nóscontrastamossua incompetênciacoma perícia dos especialistas, o rigordo erudito, a clarividênciado vidente, a visãodogênio,odesinteressedo profissional, a habilidade do artesão, o bom gosto do artista, o evidente senso comumdohomem comumnas ruas, o farodo índio, a destrezado vaqueiro quedisparamais rapidamente do quesua sombra, a perspectiva e o equilíbrio superior dointelectual.No entanto, ninguémfazmelhor do queo político. Essesoutros simplesmentetêm um lugarpara se esconderquando cometem seuserros.Eles podemvoltar e tentarnovamente.Somenteo políticoé limitado aum único tiro,edeve atira-loem público.Eudesafio qualquer um afazer melhor doqueisso, a pensarcom mais precisão ou vermais longe do queocongressistamaismíope(2.1.0, 4.2.0).
Senós desprezamos a políticadevemosdesprezara nós mesmos.Peguyestava errado.Ele deveriater dito: “Tudo começa com políticae, infelizmente, degenera emmisticismo.“
{o original francês é de 1984, e intitulado Les Microbes: guerre et paix, suivi de Irréductions. como não leio francês, traduzi do inglês, the pasteurization of france, de 1988, por sheridan e law}
sacrifício pela nulidade que ele sabia ser a fundação de sua arte
ser chance, fazer-se infinito, difuso ao leitor como uma eucaristia mental
2.
pois se o número é de fato gerado pelo lance e infinitizado pela incerteza no código, então deve ter retroagido nas suas condições iniciais. e essa retroação precisa consistir na indecidibilidade quanto ao jogar dos dados – na impossibilidade de saber se o lance tomou ou não lugar.
{quentin melliassoux, the number and the siren: a decipherment of mallarme’s coup de dés, urbanomic, 2012 – selecionado depois traduzido com algumas alterações da tradução do francês para o inglês de robin mackay, p. 125, 127+152; 155+156}
alfred north whitehead, em modes of thought, escreve (the free press, (1968) 2013, p.24):
“In the case of vegetables, we find bodily organizations which decisively lack any one centre of experience with a higher complexity either of expressions received or of inborn data. A vegetable is a democracy; an animal is dominated by one, or more centres of experience.”
a maneira com a qual um vegetal é comida é diferente da maneira pela qual um animal o é. o próprio oferecer-se como comida difere.
(trecho de the hitchhikers guide to the galaxy, série de tv de 1981, BBC londres)