aquele empurrãozinho
escolho viajar na segunda-feira, na perspectiva de um ônibus vazio, então silencioso e uma estrada vazia, então tranquila – pela internet só mais 3 pessoas reservaram lugares. chegando lá, ao entrar no ônibus, vejo um jovem rapaz, de uns 25 anos, óculos escuro, malandragem-do-bem, sentado no assento 30. eu lhe informo: minha passagem é no 29 (a sua é no 30 mesmo? ele faz que sim). indignado, mas sempre cético, levanto o olhar pros lugares de novo: não há nem mesmo metade deles ocupados; por que raios alguém escolheria um lugar ao lado de um ocupado?! não aguento e dou bronca, inutilmente; contrariado, ocupo o 25 e minha mochila o 26.
passados dois terços da viagem o motorista avisa: olha, tem um acidente na estrada, vamos ficar parados, certo? (que bom ele avisar, mas o tom de “a culpa não é minha” irrita, chega a perguntar “o que vcs acham?” bom eu acho ruim, mas é melhor esperar na estrada do que esperar no gral, certamente). olho para os dois assentos logo do outro lado do corredor, aquela loira que esbarrou em mim na parada, estabanada, passados 40 anos, com jeito de carente, meio perdida e ansiosa, semi deitada na diagonal. um pensamento vem, intuído: ela está procurando alguém, ela quer sexo, aquele rapaz gostaria de ter seu lugar sorteado ao lado dela, como quem pensa “vai que eu sento do lado da mulher de meia idade carente, eu, jovem ingênuo e otimista”. imediatamente solto um “pqp” mental. isso vai acontecer. adeus viagem agradável, eles vão escolher sentar atrás de mim e ficar interminavelmente falando sobre a vida (dela).
20 minutos depois o ônibus para e a primeira coisa que faço é olhar para o lado. em instantes, de fato, eles começam com o básico, um para o outro: “será que vai demorar muito?” “ainda faltariam 3 horas de viagem, estava tão tranquilo, que azar” e “bom meu nome é”. fico me perguntando por que não iniciariam a conversa com “que bom que o ônibus parou, acidentes são como empurrãozinhos não é mesmo, posso agora falar de como eu estou finalmente me afastando da minha família e procurando outros relacionamentos, da história com meu ex-marido, minha filha, os ciúmes, beijo no ombro dele, é, você é charmoso etc”. mas no fundo, tanto faz. tiro meus protetores auriculares, que não são suficientes e escolho ouvir música, tentando mascarar a conversa (similarmente, mais um homem e uma mulher começaram a conversar, mas mais à frente, com um tom menos promissor).
saio do ônibus e espero lá fora, até ele dar a partida. sento e 30 minutos depois, eles ainda estão animadamente conversando, mas, e nisso me enganei, mantiveram seus lugares. falam alto, um de cada lado do ônibus. desisto e vou sentar no último assento, logo à frente do banheiro. melhor amônia, xixi do que humanos. ah… 人間だ.
postado em 4 de março de 2017, categoria crônicas : acidente, comportamento, estrada, ônibus, sedução