indiscernível bolo

o que nos fornece ainda mais uma figura para a dificuldade de, no que concerne ao tema da aproximação entre arte e vida, ter e comer o bolo: não tratamos algo sonhado como de fato ocorrido. adicionalmente, não calçamos um bolo indistinguível à distância de um tênis esportivo (mas nesse caso é duvidoso se tampouco o comeríamos. a graça parece estar em mostrar como ele pode ser indistinguível ao tênis, mesmo sendo um bolo – tê-lo e não comê-lo. posso pensar inclusive que a não-determinação quanto a tratar-se ou não de bolo seja justamente a graça).

às vezes a não determinação quanto a ser ou não arte é como o caso do bolo indiscernível de um tênis, na qual basta cortar o tênis para dispersar qualquer dúvida. (não há grandes vantagens em nos treinar a olhar para objetos como possíveis bolos indiscerníveis deles. bolos bons de comer não precisam desse caráter hipermimético e há até mesmo nele uma suspeita de que o bolo em questão seja medíocre ao paladar, tal como muitos cakes de um vermelho brilhante, muito vistoso).


postado em 27 de fevereiro de 2023, categoria aforismos : , , , ,

ainda sobre reggae

o que eu não gosto dessa coisa do adams é que eu realmente não consigo pensar alguém dizendo “meu compositor predileto é john adams”
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tipo, por qual motivo alguém preferiria adams a bartók
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acho que as pessoas deveriam ler adams como o momento em que música clássica contemporânea se confirma como um gênero
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e por isso abdica de ser um bastião histórico
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de qualquer tipo de desenvolvimento
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assim, conciliamos as duas posições
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adams continua sendo “algo” ligado a uma ideia de “pós-modernismo”, só a aplicação que se torna local
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ele confirma que uma região da música contemporânea virou reggae e que de lá não devemos procurar para falar sobre características “críticas” da música


postado em 19 de fevereiro de 2023, categoria comentários : , , , ,

o humano como envolvendo regras e inconcebível sem elas

escreve sellars, em linguagem, regras e comportamento:

dizer que humanos são animais racionais é dizer que o humano não é uma criatura de hábitos, mas sim de regras. quando deus criou adão, sussurrou em seu ouvido: “em todos contextos de ação, você reconhecerá regras, ainda que apenas a regra para tatear em busca de regras de reconhecimento. quando deixar de reconhecê-las, andará sobre quatro patas”.


postado em 5 de fevereiro de 2023, categoria tradução : , ,

por vezes, homem, por vezes, lobisomem

lembro do antigo mau hábito de meu pai, a bradar já deu vou embora, em encontros sociais festivos. não que ele fosse um lobo das estepes, como o quarentão niilista do livro de herman hesse (steppenwolf). é que há algo dessa natureza que surge como possível efeito adverso de uma orientação humanista. afinal, a arte não existe contra a cultura? contra a mediocridade pequena-burguesa. quem dispensa de imediato tal noção, junto à ideia do autêntico, mergulhou cedo ou profundamente demais nas piscinas de plástico do pós-modernismo. certamente não é meu caso. se o humano é composto por uma miríade de impulsões, ainda assim, quando estas se integram na figura do lobo e sentimos já os dentes despontando, antes da tentação a me expressar, sei que é hora de ir embora.


postado em 4 de fevereiro de 2023, categoria aforismos : , , , , ,

esculpir com fogo

a tese é como a hidra. e se o prazo que se aproxima lança-se como o fogo que cauteriza a proliferação, é no embate que, decepando da forma que podemos, acabamos ao final com um oponente diferente.


postado em 30 de janeiro de 2023, categoria comentários : , ,

positividade

tal como o infame personagem, jim aprendeu a ser positivo. inicialmente, apenas pensava em voz alta, sempre proferindo o que lhe ocorria. logo aprendido o operador da negação, passou a empregá-lo frequentemente. amadurecendo, aprendeu a inibir-se. isso é o que dizem que é pensar, auditou. e assim, nenhum som ocorreu. queriam que fosse menos negativo. a solução era então clara: inibir a disposição de falar em voz alta operadores de negação, quando tais disposições ocorressem. pois o melhor sim é a ausência do não. (não).


postado em 29 de janeiro de 2023, categoria histórias : , , ,

música e palavra #1

existe algo de verdadeiramente desconcertante no fato de que, em geral, tudo fica mais arrastado em óperas e não apenas somente mais lento. concentrando-nos nas frases e deixando de lado a ação, depois de ver como la bohème de puccini, a excessão da primeira cena, acaba por assassinar o espírito leve e sagaz da obra original de murger (scènes de la vie bohème), perguntamo-nos, por contraposição, se não seria o caso da música possibilitar uma maior velocidade na transmissão de informações. há algo disso em alguns raps, mas é notório que os refrões cantados desaceleram tudo, investem em sentimento. e para ser justo com puccini, ele tenta compensar o ritmo retesado com incursões polifônicas onde dois diálogos ocorrem ao mesmo tempo.

(lembro vagamente de alguma cena de ópera de mozart onde há quatro linhas de texto simultâneas, que garantiriam sua inteligibilidade por ser música. mas ser inteligível como contraponto musical, entre quatro linhas melódicas, não é ainda transmitir a informação dos textos)


postado em 27 de janeiro de 2023, categoria comentários : , , , , ,

há coisas que são muito difíceis

como por exemplo, saber qual o recheio do salgado. de fato, é preciso primeiro não saber para poder cutucá-lo com a espátula. observá-lo com desdém, como se este não respondesse por capricho. e só então virar preguiçosamente e perguntar a outrem, com a boca quase fechada, como quem sente-se obrigado a perder tempo.

como por exemplo, fotocopiar um livro. pois o livro em questão é um livro mesmo, isto é, um objeto físico, com páginas físicas, páginas que são efetivamente folhas. e fotocopiar não é simplesmente imprimir. e é quase impensável que se tenha de fotocopiar e também procurar preservar o livro. não que se pense assim, de modo teórico, mas afinal, não se pode depois baixar um pdf desse livro e pronto? se não for para dobrar apertadinho um lado contra o outro, então não vou nem tentar. e a dona da papelaria olha compreensivamente pra jovem e diz, deixa que eu faço.


postado em 19 de dezembro de 2022, categoria crônicas : , , , ,

crédulos

é claro que existem maus-universais. a obra de fanon, por exemplo, mostra como eles podem possuir força. mas há também os crédulos que, descobrindo o mau-universal, desencantam-se, agora tomando universalmente os universais como maus. nisso, continuam idênticos, em espírito.


postado em 17 de dezembro de 2022, categoria aforismos : , ,

teste da copa

a copa do mundo testa a hipótese de que cancelamento é uma questão de pequenos poderes.


postado em 1 de dezembro de 2022, categoria comentários : , , , , , , ,