olhar de esguelha
1. estou com um monte de equipamentos: mala de rodinhas média, mochila abarrotada, tripé de fotografia. paro o ônibus no ponto e pergunto: vai pra bahia com a augusto de lima, ou perto? o motorista, olhando de esguelha pra mim, parece ter mexido a cabeça para baixo num gesto que poderia dizer sim. peço pra entrar por trás e ele abre a porta. que bom, deve ter me ouvido. entro. o ônibus não vai pra lá.
2.vou ao banheiro do arcangelo no maletta. desconfio pela demora, adentro o corredor que leva à porta fechada e pergunto, tem alguém aí. tem. certo. ao tentar voltar pra fora, descubro uma garota de saia curta frisada óculos de armação preta e celular, infernalmente teclando, vidrada nele. oi moça, quero ir ao banheiro mas preferiria não esperar no corredor. ela olha pra mim de esguelha, em seguida voltando ao luminoso mensageiro que segura em mãos. repito, moça, vou esperar ali fora, um pouco mais alto. ela parece se virar um pouco e eu passo. pequeno tempo depois o banheiro se abre e uma outra garota, conhecida, sai. sorri amigavelmente pra mim, mas não posso vacilar, porque tenho de dizer moça, firmemente. ela para, meio decepcionada por não poder burlar a ordem da fila, o banheiro é unissex. eu, licença o corredor é estreito, ela e o maldito celular, passo apertado mas acabo esbarrando com o ombro nos óculos, virados como estão pra baixo, e entro, pessoa mais sem noção.
postado em 9 de abril de 2016, categoria crônicas : banheiro, comunicação, esguelha, ônibus
Eu simplesmente criei uma obsessão pela maneira como você consegue fazer situações tão pequenas e supostamente banais do cotidiano, se tornarem uma diversão enorme e um tomarem proporções de interesse magnânimas. Me sinto boba por me divertir tanto lenda a história de pessoas passando por corredor, mas acredito que uma visão avulsa da maneira como as pessoas interagem sempre foi uma espécie de fetiche pra mim. Analisar a situações do lado de fora, te traz um poder quase inumano em relação a percepção do cotidiano, um êxtase mais interessante, a mim, do que qualquer droga.
lisonjeado.
sobre o lado de fora: é de fora, mas é porque é temporalmente de fora. o eu de horas atrás como meu personagem.