escreve giorgio agamben em um livro interessante, sobre o qualquer (algo entre o particular e o universal, o individual e o genérico), qual seja, a comunidade que vem (autêntica, belo horizonte, 2013, p. 77-79):
Qual pode ser a política da singularidade qualquer, isto é, de um ser cuja comunidade não é mediada por nenhuma condição de pertencimento (o ser vermelho, italiano, comunista) nem pela simples ausência de condições (comunidade negativa, tal como foi recentemente proposta na França por Blanchot), mas pelo próprio pertencimento? Um mensageiro vindo de Pequim traz alguns elementos para uma resposta.
O que mais impressiona nas manifestações do mês de maio na China [1989] é, de fato, a relativa ausência de conteúdos determinados de reivindicação (democracia e liberdade são noções genéricas e difusas demais para constituírem o objeto real de um conflito e a única demanda concreta, a reabilitação de Hu Yao-Bang, foi prontamente [78] concedida). Tanto mais inexplicável parece a violência da reação estatal. É provável, todavia, que a desproporção seja apenas aparente e que os dirigentes chineses tenham agido, do ponto de vista deles, com maior lucidez que os observadores ocidentais, exclusivamente preocupados em trazer argumentos à sempre menos plausível oposição entre democracia e comunismo.
Pois o fato novo da política que vem é que ela não será mais a luta pela conquista ou pelo controle do Estado, mas a luta entre o Estado e o não-Estado (a humanidade), disjunção irremediável entre as singularidades quaisquer e a organização estatal. Isso não tem nada a ver com a simples reivindicação do social contra o Estado, que, nos anos recentes, encontrou muitas vezes expressão nos movimentos de contestação. As singularidades quaisquer não podem formar uma societas porque não dispõem de nenhuma identidade para fazer valer, de nenhum laço de pertencimento para ser reconhecido. Em última instância, de fato, o Estado pode reconhecer qualquer reivindicação de identidade que seja – até mesmo (a história das relações entre Estado e terrorismo, no nosso tempo, é sua eloquente confirmação) a de uma identidade estatal no interior de si mesmo; mas que singularidades façam comunidade sem reivindicar uma identidade, que homens copertençam sem uma condição representável de pertencimento (mesmo que seja na forma de um simples pressuposto) – eis o que o Estado não pode em caso algum tolerar. Pois o Estado, como mostrou Badiou, não se funda no laço social, do qual seria expressão, mas na sua dissolução, que ele interdita. [79] Por isso, relevante não é jamais a singularidade como tal, mas somente a sua inclusão em uma identidade qualquer (mas que o próprio qualquer seja retomado sem uma identidade – essa é uma ameaça com a qual o Estado não está disposto a compactuar).
(…)
A singularidade qualquer, que quer se apropriar do próprio pertencimento, do seu próprio ser-na-linguagem e recusa, por isso, toda identidade e toda condição de pertencimento, é o principal inimigo do Estado. Onde quer que essas singularidades manifestem pacificamente o seu ser comum, haverá um Tienanmen e, cedo ou tarde aparecerão os carros armados.
O mais belo trecho da primeira parte do livro, na página 61: para resolver o problema da comunicação há de se portar de tal forma que o problema da comunicação desapareça…
(…) se os homens, em vez de procurarem ainda uma identidade própria na forma imprópria e insensata da individualidade, conseguissem aderir a essa impropriedade como tal, fazer do próprio ser-assim não uma identidade e uma propriedade individual, mas uma singularidade sem identidade, uma singularidade comum e absolutamente exposta – isto é, se os homens pudessem não ser-assim, nesta ou naquela identidade biográfica particular, mas ser o assim, a sua exterioridade singular e o seu rosto, então a humanidade teria acesso pela primeira vez a uma comunidade sem pressupostos e sem sujeitos, a uma comunicação que não conheceria mais o incomunicável.
postado em 22 de outubro de 2013, categoria resenhas : a comunidade que vem, giorgio agamben, manifestações, política, qualquer, qualqueridade, singularidade, tienanmen
1. ontem como não fui às manifestações e estava cansado do facebook resolvi recorrer a outro meio para me informar – o rádio. ouvi a hora do brasil. pelo que entendi:
i. o ministro das relações exteriores chama: antonio patriota.
ii. a dilma foi numa formatura de alunos de diplomacia.
iii. defender a vida em qualquer estágio é muito importante, por isso deve-se ser contra o aborto.
iv. muitos deputados criando ainda mais leis estão tendo ideias pra mais leis ainda, principalmente leis que anulam outras leis e leis que beneficiam ainda mais o estado e leis que transformam os benefícios para o estado em benefícios para o brasil (são leis linguísticas, pelo que parece).
v. o judiciário não está com nada.
vi. é importante votar ainda uma outra lei revolucionária, junto com a pec37. assim, ao invés de um progresso, obtém-se dois.
vii. criando-se uma lei que cura os gays, os gays serão então curados (embora a lei que realize a equivalência entre ser e legislar ainda não tenha sido também aprovada).
viii. são as leis que levam o brasil para frente. por isso os políticos ficam criando leis, para levar o brasil ainda mais pra frente.
ix. o maracanã novo é uma maravilha. o policiamento é muito bom.
2. compadecendo-me ao colega marcelo muniz, que animado foi tomar gás lacrimogênio no largo da batata, pensei: ora, já que estou aqui, ainda meio gripado, em casa, ao menos o gás que sai do soldador, aquele cheiro atóxico e inebriante do estanho.
descobri que brinquedos de criança de hoje em dia, outrora bendables (curcircuitáveis), não são mais. tudo se resume a uma bola preta, horrorosa, na placa. sem ter o que fazer, sem ter como penetrar aquela massa eletrônica alienante, oprimido pela idiótica ideologia da compressão da microeletrônica. meu tecladinho em forma de morango, só o que consegui foi colocar uma saída extra, p10, e uma chave.
3.resolvo encontrar pedro durães. ele vai discotecar músicas glitch na savassi, no café com letras. paragdimaticamente, o ônibus não passa. vou à padaria comprar coisas para comer, fazer um lanche. aproveito e assisto a 8 minutos de datena. dá pra sacar claramente uma coisa sobre essa cara. ele é aquele sujeito que ama reclamar, julgar, criticar. mas, na verdade, gosta das coisas do jeito que estão (eu diria, principalmente porque apegado ao seu modo de reagir a elas, mas também porque ganha muito dinheiro com isso).
postado em 18 de junho de 2013, categoria crônicas : antonio patriota, circuit bending, dilma rouseff, estanho, gás lacrimogênio, hora do brasil, josé luiz datena, marcelo muniz, microeletrônica, ônibus, pec37, política
a alguns dias a sra. suplicy assumiu o ministério da cultura, como informa a página do minc. dizem (no facebook e em blogues) que essa carta foi a ela entregue, pelo “movimento social das culturas”. segue abaixo aos interessados.
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Prezada Ministra Marta Suplicy,
Sua posse significa para nós a possibilidade de recuperar a grandeza e relevância na ação do Ministério da Cultura. Sua trajetória política como prefeita, ministra e senadora nos abre enormes possibilidades de avanço. Oportunidade de recuperar, na área cultural, o sentido de mudança que marcou a eleição de um operário e uma mulher como presidentes. Sentido de uma nova importância estratégica para a cultura que redefiniu a ação do Estado, desde a eleição do ex-presidente Lula – e que tem no governo da presidente Dilma a possibilidade ir além.
Em todas as áreas sociais, mas na cultura em especial, o governo Lula ampliou a ação do poder público, tornando-a abrangente e complexa. E também definiu um novo lugar da sociedade. Envolvendo-nos a todos na co-responsabilidade de formulação e gestão das políticas, deu um salto nas relações entre governo e sociedade civil. Em especial na cultura, o governo passou a se relacionar com dezenas de milhares de projetos, grupos e movimentos culturais. Os mais de 4000 pontos, pontões e pontinhos são apenas 10% das parcerias estabelecidas. Acreditamos que esta amplitude é um dado positivo não apenas para nós, do campo cultural, mas para a qualidade do desenvolvimento que queremos para o Brasil.
Consideramos que a gestão de Ana de Hollanda (e sua equipe de Secretários e presidentes) foi marcada por ausência de diálogo, interrupção de política públicas, omissão frente aos grandes temas e conservadorismo político. Focado na indústria cultural tradicional, nas belas artes, o MinC perdeu significado social, político e cultural. Regredindo para uma ideia elitista de cultura, a gestão Hollanda dedicou-se surpreendentemente a negar o que havia sido contruído em oito anos. A nova gestão herda agora muitos destes nós e desafios.
No vácuo deixado pelo MinC, os movimentos culturais ocuparam o vazio não apenas para resistir, mas para levar adiante a agenda da cultura. Desse ponto de vista, muito avançamos em lucidez e na capacidade de defender agendas que unem a maior paret do setor cultural.
Acreditamos que sua posse encerra este ciclo. E por isso defendemos que os programas e ações precisam não apenas ser retomados, mas fortalecidos, ampliados e atualizados. A sociedade quer voltar a formular junto ao MinC, sobretudo, para abrir novas portas e caminhos não desbravados.
O Ministério da Cultura que queremos precisa ter as portas abertas, ser republicano, posicionando a cultura acima de interesse partidários, armadilhas tecnocráticas ou lobbies (muito oriundos do próprio mundo da cultura) que tentam minar a ação pública.
Assim ouvimos com alegria o chamado da Ministra ao diálogo e à construção de uma agenda. Respeitosamente, nós, movimentos da cultura, artistas, produtores culturais, intelectuais, grupos culturais, pontos de cultura, povos de terreiro apresentamos algumas propostas. Agendas
que encontram base no Plano Nacional de Cultura (2010), na II Conferência Nacional de Cultura.
1- É preciso destravar agenda da modernização da Lei de Direitos Autorais e da fiscalização da gestão coletiva, em especial do ECAD. Se de um lado, artistas são fragilizados pelo atual sistema. De outro, o compartilhamento do conhecimento, a internet e a inovação são ameaçadas por uma legislação anacrônica de direito autoral.
2- A lei Rouanet continua gerando enormes distorções e concentrações de recurso público. Por isso, é fundamental a reforma imediata no financiamento da cultura, com a tramitação e posterior sanção do Procultura e do Vale-Cultura. É preciso recuperar a presença do MinC
no Congresso Nacional: seja para o acompanhamento do MinC na tramitação dos projetos de lei da cultura, seja para garantir o mínimo de 20% de investimento privado em cada projeto cultural. É preciso retomar a parceria com as Estatais, para editais mais democráticos e transparentes.
3 – É preciso garantir o apoio do MinC à Internet Livre, ao Marco Civil da Internet, às redes sociais e culturais, a retomada do espaço de promoção da cultura digital, ativamente, por meio de políticas que já foram desenhadas nas edições dos Fóruns de Cultura Digital.
4- Retomar o fomento à diversidade cultural, com especial atenção aos indígenas, aos pontos de cultura, quilombolas, povos de terreiro, griôs, e seus projetos culturais. Estudar a possibilidade de reverter o decreto de desmantelamento (em 2012) da Secretaria de Diversidade Cultural, responsável por esta agenda. Com Lula, ultrapassamos o redutor modelo da Identidade (herdeiro do positivismo, do nacionalismo e do militarismo). Hoje nossa grande pauta internacional é a
Diversidade Cultural, no qual a identidade não é percebida como conjunto homogêneo, mas como rico agrupamento de signos. Desejamos a retomada vigorosa de políticas para indígenas, ciganos, GLBT, infância, terceira idade.
5- É necessário urgentemente destravar e ampliar o Programa Cultura Viva. Os pontos de cultura estão há dois anos em permanente asfixia administrativa promovida pelo MinC. É preciso interromper o interminável ciclo de “avaliação” do programa, iniciado em 2011, que não levou a lugar algum e desmobilizou a sociedade.
6- As artes precisam de políticas mais efetivas. É preciso desprovincianizar a Funarte, dando a ela um caráter nacional, plural, e capaz de desenvolver políticas fundamentais na área de música, artes visuais, cênicas. É preciso mudar a sede para Brasília. A Funarte não pode ser apenas uma gestora de equipamentos, mas comandar as políticas nacionais de artes. As políticas do MinC precisa ter alcance nacional e buscar combater as desigualdades regionais. Suas instituições devem ter sede em Brasília, na capital federal.
7- É fundamental a mudança de rumo da Secretaria do Audiovisual e sua reorientação para trabalhar em todas as suas dimensões criativas, técnicas e de preservação do audiovisual. Retomar a agenda das TV públicas, e a interface com a agenda da comunicação. É necessário recuperar programas que foram interrompidos de forma arbitrária, como o DOC-TV Brasil.
8- Recuperar a capacidade articulação do MinC com outros ministérios da áreas social. Educação sem cultura é ensino, saúde sem cultura é remediação, segurança sem cultura é repressão, desenvolvimento social sem cultura é assistencialismo. A ação da praças de esporte e cultura tem sido conduzidas sem qualquer transparência.
9- Distanciar o MinC de lobbies privados que agenciam a Lei Rouanet e operam a partir do ECAD. Promover uma política de fomento sem atendimento prioritário de partidos, clientelas ou dos grandes operadores de incentivo fiscal. As reformas da Lei Rouanet e do Direito Autoral, devem ser feitas a partir de uma visão de conjunto .
10 – Sanear a Biblioteca Nacional, garantindo que essa importante instituição cumpra sua missão de guarda e disponibilidade do acervo. Sugerimos um novo locus de coordenação da política de leitura, dentro do MinC, para que a política seja a mais ampla. Sanear a política de livro e leitura de lobbies de editoras e livreiros.
11- Garantir transparência na gestão do IBRAM e atualizar o Iphan. As políticas para museus não podem ignorar a demanda de acervos de artes visuais no Brasil.
12- A Ancine se transformou numa mega agência de regulação de conteúdo. Manter a agência reguladora equidistante de lobbies de produtores cinematográficos, garantindo sua eficiência e interesse público.
A partir desses considerandos, o movimento social das culturas se dispõe a construir conjuntamente uma agenda de trabalho como o #NovoMinC.
Brasília, 20 de setembro de 2012.
postado em 21 de setembro de 2012, categoria Uncategorized : marta suplicy, minc, movimento social das culturas, política