a ontologia de feyerabend: pluralista, diacrônica, apofântica, empírica e democrática

tradução minha para a postagem de 02 de fevereiro de 2016, por terence blake, no seu blogue agent swarm.

Eu tenho examinado a filosofia continental recente em termos de 5 critérios de avaliação: pluralismo, diacronicidade, apofatismo, testabilidade e democracia. Para complementar essa análise eu gostaria de considerar o caso da filosofia última de Paul Feyerabend, como esboçada na sua correspondência, livremente disponível, com Isaac Ben-Israel, que ocorreu por um período de dois anos, se estendendo de setembro de 1988 a outubro de 1990.

(1) Pluralismo: Feyerabend é bastante conhecido por sua defesa de um pluralismo prático e teórico.

Mas poder-se-ia objetar que Feyerabend é um relativista e que a “pesquisa empírica” para ele poderia resultar em qualquer resultado que se deseje, porque no seu sistema “tudo vale” [anything goes]. Entretanto a melhor formulação para esse slogan polêmico é “tudo poderia funcionar (mas geralmente não funciona)” [anything could work (but mostly doesn’t)].

a realidade (ou o Ser) não tem estrutura bem-definida mas reage de modos diferentes a diferentes abordagens. Se abordado ao longo de décadas, por experimentos de uma complexidade cada vez maior, ele produz partículas elementares; se abordado de um modo mais “espiritual”, produz deuses. Algumas abordagens não levam a nada e colapsam.

(2) Diacrônica: por este motivo que Feyerabend às vezes recusa o rótulo de “relativista”, pois, de acordo com ele, “o relativismo pressupõe um quadro de referências fixo”. Para Feyerabend, a existência difundida de comunicação entre pessoas pertencentes a estruturas aparentemente incomensuráveis mostra que a noção de um quadro de referências que é fixo e impermeável tem uma aplicação apenas limitada:

pessoas com diferentes modos de vida e diferentes concepções da realidade podem aprender a comunicar umas com as outras, muitas vezes sem mesmo uma virada-gestáltica [gestalt-switch], o que significa, no que me concerne, que os conceitos que eles usam e as percepções que eles tem não estão resolvidas de uma vez por todas mas são ambíguas (32).

(3) Apofântica: Feyerabend distingue entre o Ser como realidade última, o qual é tanto indizível quanto incognoscível, e as realidades manifestas múltiplas que são produzidas através de nossa interação com ele, que são elas mesmas cognoscíveis. Aborde o Ser de um modo, ao longo de décadas de experimentos científicos, e ele produz partículas elementares, aborde-o de outro modo e ele manifesta os deuses homéricos:

Eu então distingo entre uma realidade última, ou Ser. O Ser não pode ser conhecido, nunca (eu tenho argumentos para tal). O que nós sabemos são as várias realidades manifestas, como o mundo dos deuses gregos, a cosmologia moderna etc. Estas são o resultado da interação entre o Ser e uma de suas partes relativamente independentes (32).

(4) Empírica: a diferença entre o pluralismo de Feyerabend e o relativismo é que nem todas as abordagens aos modos de existência são viáveis. Não há garantia que qualquer abordagem vá funcionar. O Ser é independente de nós e pode responder positivamente, o que frequentemente não é o caso.

Algumas abordagens não levam à nada e colapsam. De modo que eu diria que diferentes sociedades e diferentes epistemologias podem revelar diferentes aspectos do mundo, desde que o Ser (que tem mais de um aspecto) reaja apropriadamente (31).

(5) Democrática: Feyerabend conclui que a determinação do que é real e o que é simulacro não pode ser prerrogativa para uma ontologia abstrata e então de intelectuais que a promulguem.

Não há um quadro de referências fixo (diacronia), as realidades manifestas são múltiplas (pluralismo), o Real ou o Ser é incognoscível (apofantismo), e a experiência não pode preescrever nossa visão de mundo, mas pode excluir muitas cosmologias propostas (testabilidade).

Assim, a determinação do que é real depende da sua escolha em favor de uma cosmologia, de uma forma de vida ou outra, isto é, de uma decisão política. Isso leva Feyerabend a concluir:

uma epistemologia (mas o mesmo vale para a ontologia) sem política é incompleta e arbitrária (22).


postado em 15 de fevereiro de 2016, categoria reblog, tradução : , , ,

o problema da adição, #1

1. 2+2 ≠ 5: dois mais dois resulta diferente de cinco, a despeito do que uma canção do radiohead possa insinuar, ou um romance de george orwell. sinto uma leve irritação quando ouço thom yorke cantando (the lurkewarm). penso: isso está errado, e nem chega a ser algo que verdadeiramente representa um isolamento da sociedade, ou uma perda da capacidade de raciocinar.

2. agora, lembremos do empirismo (por exemplo, john stuart mill – que conheço via feyerabend): coloco uma batata do lado da outra, tenho duas batatas. junto outra dupla de batatas, tenho quatro batatas.

3. se vivessemos em um mundo em que toda vez que junto quatro objetos de um tipo específico, um quinto aparece. nossa matemática seria outra. mas mais ainda: nossa ontologia também (colocando 4 objetos juntos e vendo um quinto surgir, teríamos certeza de que aqueles objetos são realmente aqueles objetos – isto é, se não aparece um quinto, certamente uma das ‘batatas’ não era uma batata).

4. agora, por mais descondicionado / desconfabulado / desdisposicionado que um sujeito esteja, big brother grande irmão, sujeito não vai prestar atenção e confundir um mundo com outro (inexistente)? não, não vai. mas ele pode treinar para esvaziar o significado das palavras; mesmo aí não se tratará mais da operação de adição (continua valendo, 2+2 ≠ 5, mesmo que se diga o contrário; pode-se dizer um monte de coisas; mas pode-se significa-las?).

5. pois aprendo a operar a adição adicionando. tenho uma tabela: 0+1, 0+2, …, 0+9, 1+0, 1+1, 1+2, 1+3, …, 1+9, 2+0, 2+1, 2+2, 2+3, …, 2+9, 3+0, …, 9+1, …, 9+9. repito e repito. alguém me corrige quando erro, ou eu mesmo, a consultar as respostas. pego objetos, espalho, junto.


postado em 16 de outubro de 2012, categoria Uncategorized : , , , , , , , , , , , , ,