as quatro irmãs

1. p.190.

Chegar ao governo e denunciar. Denunciar o quê, estava tudo denunciado.

2. p.324.

Acreditamos em tudo, somos incorrigíveis. Esperávamos até que os empreiteiros negassem a longa tradição de construírem o imediatamente obsoleto.

{ignácio de loyola brandão, não verás país nenhum, global editora, 17ª edição, 1990}


postado em 31 de julho de 2014, categoria excertos, livros : , , , , , , , , ,

congestionamento

1. há uma tirinha genial em que a solução para um congestionamento paralisador é cimentar por cima e começar de novo (eu não consegui encontrá-la e não sei o autor).

2. no romance distópico “não verás país nenhum”, loyola brandão apresenta uma situação ainda pior, uma avenida que acaba por se transformar em um imenso cemitério de carros:

– Quem ia pensar que um dia íamos nos sentar tranqüilos entre os carros, nesta estrada?
– Estão  aí, mortos. Quanta lata velha.
– Os carros ficaram parados dois anos em frente à minha casa.
– Você morava quase no centro. O meu bairro foi pouco afetado.
– Quase fiquei louco, Souza, naquela noite. Queria matar, pegar alguém. Como buzinavam, aceleravam. Podia ver o ar preto de fumaça. A maioria esgotou a gasolina e o álcool do tanque. Ninguém desligava o motor. Pela manhã, as pessoas continuavam dentro dos carros. Como se pertencessem a ele. Câmbio, volante, freio, condutor. Esperavam, não sei o quê.
– Na minha rua teve gente que não acreditou no noticiário, tirou o carro da garagem, pela manhã, e foi embora. Voltou a pé.
– Teve motorista que ficou uma semana, duas, sem abandonar o carro. De vez em quando batiam, pedindo para ir ao banheiro. Recusei, para todos. O que estavam pensando? Que fossem para suas casas. As famílias traziam mudas de roupas, café, comida. E o desespero quando souberam que não circulariam mais? Choravam diante do automóvel, inconsoláveis, lamentando como se fosse parente morto. Mulheres desmaiavam, histéricas.
– Tenho fotos dessas semanas. Principalmente dos rostos. Eles me interessavam mais que os carros bloqueados. Rostos patéticos, expressões perplexas. Como se tivessem sido postas ao mundo de repente. Não era ódio, raiva, irritação. Era derrota, tristeza, interrogação. Fotografei tanto olhar apalermado!
– Nos primeiros tempos, estranhei o silêncio. Foi então que reparei um zumbido permanente nos ouvidos. Até aqueles dias, não tinha notado. O médico disse que não tinha cura. Continua até hoje, me acostumei.

{ignácio de loyola brandão, não verás país nenhum, global editora, 17ª edição, 1990}


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