xylowavepoderes

segundo gx jupitter larsen: “uma xylowave ocorre sempre quando um efeito não tem uma causa, ou uma causa não tem um efeito”.

[uma onda de madeira?]: na antiga sede do ibrasotope, em são paulo, mário del nunzio estava a utilizar seu superxylowavepoder, ao esquentar, com suas mãos, a água que estava dentro da panela sob o fogo. jean-pierre caron, sentado na escada, ficava entrando e saindo da atitude natural, e reduzindo objetos ao redor de fenerich. quando menos esperavam, eu mesmo fiquei invisível (mas só consigo quando estou envolto em escuridão total).

alguns elos interessantes:

outros exemplos de xylowavepoderes. nunca se sabe quando se tem um, é preciso estar atento:

  • paralisar o tempo, mas também para si mesmo.
  • fazer viagens astrais. o problema é que, ao sair do corpo, perde-se a consciência.
  • preencher o espaço com espuma imaterial.

etc. a filosofia dá inúmeros destes poderes. e não só husserl. a dialética de hegel também.


postado em 25 de junho de 2012, categoria Uncategorized : , , , , , , , , ,

Improviso em Branco e Preto e Vermelho, uma entrevista com Mário Del Nunzio

Por Henrique Iwao. Realizada na sede 1 do Ibrasotope, São Paulo, 28 de março de 2012, 21h.

Improviso em Branco e Preto (carta às videntes), 2004

Qual o critério para escolha do material? Todo ele advém de gravações?

Existem dois momentos, relativamente sutis, que são de sínteses, mas a maior parte do material vem de gravações. De modo similar ao que acontece em O Chá, o material provém de gravações que se faziam presentes na minha coleção de Cds. Entretanto, diferentemente da peça supracitada, o material aqui passou por uma seleção bastante criteriosa.

É mesmo?

As fontes principais são de dois tipos: solos de bateria de bandas de rock; e excertos de percussão de música contemporânea. A partir desses dois tipos de material eu trabalhei com a suposição de que os excertos escolhidos de bandas de rock contêm uma gestualidade e tipos de articulação bastante próximos, mas com características sonoras advindas de escolhas timbrísticas e processos de gravação que as tornam bastante individualizadas.

Uma anotação que eu tenho aqui da época diz o seguinte: ‪”[Gesto padronizado versus timbres individuais; ênfase na preocupação com som (seguida pela preocupação com a realização virtuosística da performance); performance voltada à demonstração de domínio em determinados padrões realizados de modo altamente energético com grande velocidade].”

E essas características das bandas de rock se contrapõem ao que ocorre no âmbito da “percussão contemporânea”, nas quais os tipos de articulação e gestualidade são bastante diversos, mas não está presente, por exemplo, a preocupação com os tipos de gravação ou o que isso influencia na característica sonora da obra.

Nessa peça buscou-se a manutenção de um nível de energia bastante alto durante sua maior parte – exceto os momentos de síntese, mais ou menos -, e isso foi determinante para a escolha dos trechos que entraram na peça. Ou seja, são matérias que advêm de momentos com uma atividade bastante alta, em que as pessoas tocam um monte de coisa.

Tem outra coisa. O solo dos bateristas de rock são majoritariamente no estilo “discos de guitarrista”.

O que isso quer dizer?

Rock instrumental com um milhão de notas por segundo. Nos meus arquivos, consta que usei as seguintes músicas:

  • Reynold Carlson (Joey Tafolla: Out of the Sun)

  • Richard Christy (Death: The Sound of Perseverance)

  • Anders Johansson (Rolf Munkes: No more Obscurity)

  • Scott Travis (Racer X: Live Extreme Volume)

  • Scott Travis (Judas Priest: Painkiller)

  • Deen Castronovo (Marty Friedman: Dragon’s Kiss)

  • Marcel Cardoso (Diablerie: The Breach of the Masquerade)

  • Gerald Kloos (Rolf Munkes: No more Obscurity)

  • Mike Portnoy (Dream Theater: Awake)

  • Mike Terrana (Mike Terrana: Shadows of the past)

São coisas que você escutava?

São coisas que tinham na minha coleção de discos. As músicas contemporâneas utilizados foram:

  • Karlheinz Stockhausen: Gruppen (Orquestra Filarmônica de Berlim, Claudio Abbado)

  • Iannis Xenakis: Pleiades (Kroumata Percussion Ensemble)

  • Iannis Xenakis: Okho (Trio Le Cercle)

  • Iannis Xenakis: Psappha (Gert Mortensen)

  • James Dillon: Ti-re-Ti-ke-Dha (Guy Frisch)

  • Bruno Maderna: Hyperion (Asko Ensemble, Peter Eotvos)

  • Marc Monnet: Le Cirque (Armand Angster)

  • Allain Gaussain: Chakra (Quarteto Arditti)

Ah, eu imaginava que era isso mesmo (quanto às músicas contemporâneas; as músicas de rock eu desconheço). Eu ouvia seus CDs. Naquela época não era tão fácil achar essas coisas. Só não lembro do Gaussain…

Agora, eu queria saber se, afora questões mencionadas de escolha, existe alguma outra que se relaciona com essa primeira de “fazer uma música usando os CDs disponíveis, com trechos de percussão”? Por que pegar CDs da sua coleção, que envolvem percussão, e fazer uma música?

Ok. Estamos no início do ano de 2004; eu estava começando a fazer coisas no computador, com eletrônica, etc. Até esse momento eu tinha feito uma única peça, Nec Spe Nec Metu, que é feita somente utilizando síntese. Se eu me lembro bem, eu tinha vontade de trabalhar com outras coisas, mas essa vontade era restringida por outros fatores, tais como, por exemplo, a falta de um local para trabalho caso eu quisesse gravar coisas. Tive uma experiência frustrada com isso, no estúdio na Unicamp, nessa época.

A falta de intérpretes para tocar música escrita, que eu fazia bastante na época – elas tinham que ficar na gaveta. Então eu me vi na situação de fazer com o material que eu tivesse à disposição. Nesse momento não existe uma razão ideológica para trabalhar com os CDs, era uma questão de possibilidade mesmo, de realização da música. E se eu tinha vontade de trabalhar um material como esse, era muito mais fácil recorrer ao que estava na mão do que lidar com uma outra situação que envolveria a cooptação de pessoas e convencimento, e que me parecia muito mais estressante e menos recompensadora musicalmente.

Quando você em fala material como esse, isso significa que você já tinha em mente uma obra a ser feita ou um material a ser trabalhado?

Nesse caso, evidentemente, sim. Como seria a articulação de um excerto para outro, sim. Na medida que eu comecei a composição da peça ficou razoavelmente clara a ideia formal.

Mas a composição de uma peça eletroacústica implica em certas coisas, certas especificidades…

No momento que eu comecei a compor, a ligação com as gravações, as diferenças de timbre se pronunciaram e isso se mostrou importante. Eu procurava similaridades gestuais e de como isso poderia se relacionar com uma peça do Xenakis, que é o que ocorre numa espécie de clímax da peça, nos 4’54-5, na qual existe uma fusão de timbres de rock e de percussão contemporânea. Pelo que me lembro foi uma das primeiras coisas que fiz nessa peça.

A ideia da colagem, de usar trechos de peças, já existia antes desse contato com as gravações?

Eu poderia pensar uma peça para percussão que teria características gestuais similares a essa peça, mas que deveria levar em consideração outros aspectos. Mas a situação prática não me permitia nem pensar nessa alternativa, se eu quisesse uma realização sonora da peça, a curto prazo.

E sobre as transições entre cada excerto?

Isso é uma coisa que ficou bastante informal nessa peça, até o meio dela especialmente. Eu ia encadeando trechos que tivessem alguma característica que permitisse encadeamento. Até o meio ela tem de fato essa característica de improviso, uma coisa segue a outra e eu tento fazer com que aquilo tenha sentido. Ou seja, entre um gesto similar ou uma articulação, às vezes, tem um pequeno ralentando, é tudo caso a caso.

Na segunda metade, depois do trecho tecno, tem umas coisas que são determinadas por interferências – joguinhos composicionais. E a outra que tinha também eram os acordes orquestrais pesados que articulavam alguns momentos de transição entre fragmentos.

Do Maderna…

Maderna, Stockhausen, Kurtag e Xenakis, eu acho.

E no trecho tecno existe algum tipo de, de certa forma, clímax; ele é um momento que se destaca. Pelo próprio fato de você chamar de tecno, há uma referência?

Na verdade meu interesse musical em relação à música tecno e de pista em geral é quase nulo. Eu suponho que esse trecho tenha um tanto a ver com uma peça que Bernardo fez na época, Frankfurt, Frankfurt. Mas era algo subjetivo, uma brincadeira, uma pequena resposta, uma outra possibilidade.

Um outro nome desse trecho tecno pra mim é trecho matriz1. Especialmente quando entram os acordes de Stockhausen.

E, assim, de modo algum eu vejo como um clímax da peça. Ele é uma espécie de intruso.

Intruso como uma dança no meio do Concerto para Violino de Mozart, o concerto.

Isso.

Há um contraste claro nesse trecho. Os ritmos periódicos, pulsantes, e finalmente os acordes. Antes, estes acordes só pontuavam. Poderia ser lido como um comentário acerca de um encontro de Stockhausen e os Tecnocratas?

A questão era puramente do material musical mesmo. Não tem nada a ver com esse artigo2.

Algum motivo especial para os acordes de Gruppen?

Os acordes que articulavam a primeira parte da peça eram mais ou menos similares a isso aí, em termo de instrumentos e sonoridade.

Certo. Uma última pergunta. Pelo que conversamos e pelo que conheço de ti, são dois períodos de escuta, o Rock que você ouvia antes, principalmente quando adolescente e a música contemporânea, a qual você se dedicou depois. Na peça, há uma tentativa, bem sucedida ao meu ver, de juntá-los, de um modo que valorize ambos. Como isso se deu?

(pausa longa) Não sei. Não sei responder a essa questão.

***

Vermelho (2008)

Em Vermelho temos, de material retirado de outras fontes, 66 excertos de bandas de música de metal violento do mal, metal do capeta. Diferentemente da outra peça, esses 66 trechos foram coisas que baixei da internet só para isso mesmo; não faziam parte de coisas que eu ouvia ou da minha coleção de discos.

A outra coisa principal são diversas versões da Internacional, nove versões iniciais que são depois misturadas, via phase vocoder (da Internacional em albanês com a em chinês, que gera uma coisa “sino-albanesa”). Uma terceira coisa relevante nessa peça é que a estrutura dela é derivada de um aspecto formal de outra peça, Il Canto Sospeso, de Luigi Nono.

Por que a estrutura?

Porque Nono é talvez o exemplo mais recorrente de compositor assumida e engajadamente comunista.

E isso se liga ao conceito, “Vermelho”?

Exato.

Pode falar sobre isso?

Provavelmente de um ponto de vista simbólico, o vermelho nessa peça se associa mais enfaticamente a comunismo e sangue.

Por que utiliza-lo como símbolo para isso?

Não tem porquê. Na minha cabeça é isso.

Qual a relação do tema com a dança?

Foi a Melina que disse que chama Vermelho; a relação é nenhuma e elas ficaram duas semanas debatendo o que era vermelho para a dança. Mas, no meu método de trabalho com a Melina na época, isso era absolutamente desconsiderável – elas iam fazer uma coisa e eu ia fazer outra. Essas duas coisas seriam eventualmente juntadas. Aí tinha essa temática: “vermelho” e em algum momento foi sugerido que eu pensasse em coisas que eu associasse à cor vermelha. Para mim são essas duas coisas que foram ditas.

Foi como um ponto de partida?

Foi um ponto de partida para a formulação da estrutura da peça, cujas proporções são derivadas da série do Nono, para a escolha desses dois tipos de material.

E sangue tem a ver com o número 66?

Sangue tem a ver com canções como Ritual dos Depravados, Sangue Nórdico, Automutilação, ou Portador do Terror; Campos de Devastação, Assassino Serial, Necrófago.

Sim, mas a temática dessas canções me parece bastante associável ao diabo, numerologicamente ligado ao número 666 e derivações.

Sim, tem.

Esta peça tem basicamente mais dois tipos de material. Coisas sintetizadas e trechos de uma peça minha que é anterior e/ou posterior, que é Fragmentos de Vermelho. Fragmentos de Vermelho é uma peça composta por 30 micropeças, cada uma com uma duração algo entre 0.5 e 2 segundos.

Também uma trilha para dança na qual Juliana França pediu “uma música com trinta músicas de um segundo cada”.

Como você usa como material? Deixa claro as referências?

Os 66 excertos de metal barulhento são ultrafragmentados e recebem diversos tipos de tratamento sonoro: distorção, equalização, modulação em anel, outros tipos de modulação, etc. A duração deles é em geral bastante curta, sendo que o menor tipo tem 17mm de segundo, entre 17ms e 0.5s. Seis deles foram escolhidos como excertos referenciais e são um pouco mais longos. O mais longo deles com duração de 18s, ou seja, estes seis são passíveis de identificação. Os outros, me parece impossível. Esses trechos são das bandas mais famosas: Burzum, Deicide, Marduk, Emperor, Dark Throne, Ulver. E aí foram elaboradas sequências desses fragmentos, relacionados à série do Nono.

O segundo tipo de material, que são trechos de Fragmentos de Vermelho tratados com extensão temporal, ou seja, aquelas coisas que duram um ou dois segundos foram expandidas para coisas como um minuto. Na Internacional tem os vocoders.

A organização da peça é toda baseada em uma estrutura do Nono, que respeita os quatro tipos de material, mas as organizações são derivadas de um tratamento serial. Essa peça é bastante estrutural, bastante formal, as coisas são usadas de acordo com o que foi pré-definido pelo pensamento estrutural.

Me lembra Hymnen, sempre me lembrou.

Certamente eu ouvi o Hymnen, mas eu não analisei, não tenho especial apreço. Mas no rascunho da peça tem escrito: “Controle de densidade e ‘serialismo'”, que são coisas que estão bastante presentes, creio que em Hymnen. Outra coisa anotada em concepções é “poliparametrização”.

Em Stockhausen tem todo um discurso sobre a utilização dos hinos.

É. Mas não, na minha não tem nada disso aí.

[fim da entrevista, Mário está cansado e quer ir, já estou ocupando muito de seu tempo!]

***

Notas

Os álbuns os quais as duas músicas pertencem podem ser baixados em http://clinicalarchives.blogspot.com.br/2009/08/ca294-bernardo-barros-henriqu…http://clinicalarchives.blogspot.com.br/2008/07/ca153-henrique-iwao-mrio-del-…

1Referência ao filme Matrix (1999), dos irmãos Wachowski; mais especificamente à trilha sonora, de Don Davis, que figuraria “acordes similares” ao d clímax de Gruppen, de Stockhausen.

2Referência a Stockhausen, Karlheinz et al. “Stockhausen Vs. the ‘Technocrats”. Publicado na antologia Audio Culture: Readings in Modern Music; COX, C.; WARNER, D. (Eds). Nova York: Continuum, 2004. p. 381-385.

postado em 9 de junho de 2012, categoria Uncategorized : , , , , ,

mário del nunzio, improvisação solo, 2006

sou bastante orgulhoso desse cartaz, mas sei que mário não gostou, por achar demasiado brincalhão, especialmente a inscrição de “herói da guitarra” (ele preferiria algo mais sério e/ou obscuro). na época, dado nosso plano de realização de 6 ou 7 concertos de formatura, mantendo algumas semelhanças gráficas entre cartazes diferentes, lembro que mário se comportou bem durante a sessão de fotos – com a objeção de que seu cabelo encobrisse seu rosto.


postado em 9 de abril de 2012, categoria Uncategorized : , , , , , ,

panótico dn, perguntas de mário del nunzio

22 de junho de 2011

1) O que significa harmônico na casa 0 (p. ex., segunda linha da página 1)?

harmônico na casa 0 é supostamente isso mesmo, a corda solta, com a mão no comecinho, um som “meio harmônico/meio abafado”. 

2) Todas as notas são isoladas (como você havia comentado em algum momento) ou onde tem sinais de ligado isso de fato aplica-se?

as notas não são mais isoladas, deve-se seguir ligaduras. quando não há, são isoladas. 

3) O que significam as indicações de frações rítmicas (p. ex., página 3, fim da primeira linha e começo da segunda)? Em relação a que elas se aplicam (qual a unidade base)?

nesse trecho inteiro (X1) a leitura rítmica é feita com semicolcheia = 120 e as figuras devem ser seguidas (note que é um trecho onde as setinhas desaparecem…).

4) O que significa “tap” (página 3, segunda linha)?

humm, significa bater com o próprio dedo da mão que está fazendo o glissando nas cordas, de forma a produzir os ataques correspondentes aos ritmos. nesse trecho a mão direita está mexendo no micro-afinador, então a esquerda tem de dar conta das posições e dos ataques.

5) Como interpreto o ritmo das cordas soltas na página 6, primeira linha?

mais rápido possível, sempre tentando o mais rápido (não se trata de definir “um mais rápido”, mas tentar a cada momento estar no “mais rápido para aquele momento”).

6) Quando há mudanças de afinação, há diferentes figuras rítmicas; na página 7, primeira linha, há “semínimas” em vez das habituais “colcheias” e no final da página 9 há semi-colcheias. Como isso se configura ritmicamente?

do modo tradicional. é uma notação rítmica para os ataques das notas. a afinação deve decorrer no tempo previsto e com os ataques previstos. caso o guitarrista sinta necessidade, logo após, existe a possibilidade de afinar normalmente a guitarra (trechos entre parênteses subsequentes).

7) A seção de tocar com duas mãos (página 6) tem uma velocidade meta?

você deve tocar tendo como meta um andamento em que cada nota corresponda à duração da primeira nota da corda II, indicada com uma seta na partitura.

23 de junho de 2011

Ok. Bom, dentre outras, tem uma coisa que tem se mostrado bastante problemática: em situações mais extremas, o posicionamento da alavanca afeta cada corda de maneira radicalmente diferente – ou seja, por exemplo, manter alavanca 6 semitons abaixo na corda 3 é uma posição bastante diferente da corda 4 ou da corda 2 (alavanca abaixada para 6 semitons em uma corda pode significar 3 semitons em uma ou 10 semitons em outra). Se eu leio de modo prescritivo um momento que a alavanca se mantém eu “acerto” a primeira nota e “erro” as demais. se eu leio de modo descritivo eu ignoro as instruções de alavanca e procuro a nota certa. Sugestões?

nossa. não tinha pensado nisso! respondendo: sempre tente acertar a nota! (exceto nos momentos X1 e X3 em que o computador fará esse trabalho por você).

 


postado em 23 de junho de 2011, categoria Uncategorized : , ,

Entrevista com Mário Del Nunzio, sobre “O Chá”

31 de março de 2011, 17h, sede do Ibrasotope. Convido Mário para falar sobre sua peça eletroacústica O Chá (2004), à partir de 11 perguntas e uma indagação. Ele lê as perguntas, deixando as de número 1 e 4 para responder por último. Antes de tudo, resmunga baixinho “assim, estamos falando de uma peça composta 7 ou 6 anos atrás…”. 

2. Como foram escolhidas as amostras que você utilizou para a composição?

Os CDs que estavam próximos, no dia em que compus a peça. Eu puxei de 30 a 40 ou 60 CDs da minha estante, não me lembro bem exatamente quantos. De cada um deles eu peguei um pequeno trecho de 1 ou 2 segundos de uma das faixas, sem aparente critério.

3. Existe algo que sinalize ou implique a idéia de “coleção” na escolha desse material / das amostras?

A coleção dos meus CDs, ou dos CDs que eu tinha em Campinas, na época, no apartamento no qual a peça foi composta.

5. Como se dá o encadeamento das amostras? Quais procedimentos foram utilizados, e com que finalidade?

Se não me engano,  a medida que as transferia para o computador, numerei as amostras. O encadeamento se dá de acordo com alguma estrutura, relacionada a essa numeração. A proveniência delas é em alguma medida neutralizada, no sentido de que, ao lidar com um material, não tenho a necessidade / vontade / capacidade de saber de onde ele veio. As amostras foram justapostas*, gerando a primeira seção da peça, que foi utilizada como material para o resto da peça. Creio que cada amostra tinha um ajuste de equalização e de panorâmico (sempre passando de um lado para o outro, em um processo gradual, do maior intervalo até o menor, de forma ao resultado ficar cada vez mais centralizado).. Na sequência de amostras utilizadas, a duração das amostras aumentava algo como que em 1 ms de uma amostra para outra. Não sei o valor inicial, talvez 10 ms…

6. Existe a construção de uma direcionalidade na obra? Existem pontos culminantes? Como essa construção se relaciona com o material composicional utilizado?

Afora essas microdirecionalidades imperceptíveis, não há construção de direcionalidade na obra. Existem seções de caráter relativamente contrastante, que se dão por diferentes processamentos desse material gerado no início.

7. Qual a relação entre a estruturação da peça e as amostras utilizadas?

A estruturação da peça independe, absolutamente, do material que é utilizado. Significa que a estrutura tem um caráter abstrato e que é de certa forma auto-suficiente. Quaisquer que fossem as amostras utilizadas, a diferença de resultado ia ser, aparentemente, irrelevante.

8. Qual a intenção no que concerne a escolha das amostras (em si) e / ou do tipo de amostra (de outras músicas)?

Existem outras peças que eu fiz nessa época na qual existe a utilização de material proveniente da mesma “coleção”, ou seja, dos CDs à disposição no momento, na qual a relação com o material é completamente diferente. Por exemplo, em Improviso em Branco & Preto (Carta às Videntes), a escolha do material é causal. Ou seja, não poderia haver nenhuma substituição, porque isso alteraria gravemente o resultado final da peça, que lida muito mais com a questão de uma construção gestual, de análise de características sonoras, etc – o que absolutamente não se faz presente em O Chá. Afora essa questão da neutralização das amostras utilizadas, já mencionada, de fato não sei se há uma intenção programática. Era só o material disponível, que me pareceu mais proveitoso do que, sei lá, fazer síntese ou o que quer que seja.

9. Como você procurou lidar com a questão referencialidade musical nessa peça?

Eu não lidei com essa questão. Agora, é bem provável de que no momento em que eu compus essa peça, eu tenha feito a lista de todos os excertos utilizados, como mero exercício de catalogação… Se for para falar de referências nessa peça, de fato, provavelmente há uma relação possível com Xenakis, no sentido de eu ter utilizado um processo similar ao utilizado em Concret PH, que é uma peça que na época eu escutei bastante.

10. Qual a relação entre o resultado sonoro da obra e os diversos processos, procedimentos? Entre esse resultado, a estrutura da obra e o material composicional utilizado?

Eu não sei. Planejei um processo. Depois que o executei precisava terminar a peça, existia uma data final, um determinado horário, a coisa tinha de durar um minuto, e eu precisava gerar algo que completasse esse tempo. Esse tempo foi completado através da manipulação do material inicial gerado nesse primeiro processo.

11. Existiu, durante o trabalho composicional dessa obra, alguma preocupação em refletir sobre as tecnologias digitais, o CD especificamente? Se sim, isso se deu de que forma?

Nessa peça não há reflexão alguma, ou sei lá, provavelmente pensei em algo, mas agora não tenho idéia do que.

1. No que compreende o material composicional utilizado em O Chá? O que foi utilizado como material?

Se fôssemos definir de modo clássico (como em Beethoven, Mozart, colocando a questão do “tema”), o material da peça seria o que foi apresentado no início, nos primeiros 8 segundos, que é o resultado da justaposição das amostras, esse seria o material. Esse material depois é transformado; tudo o que se ouve na peça depois disso é diretamente decorrente desse momento inicial. As amostras fornecem conteúdo sonoro para esse material. Agora, é muito difícil eu falar que essas amostras são o material composicional da peça, porque ao meu ver, este está muito mais relacionado ao modo como elas foram encadeadas e à estrutura utilizada para isso.

4. Como se deu o trabalho composicional a partir do material?

Essa pergunta de fato eu não me lembro. Ela está parcialmente respondida nos outros lugares.

* justapostas: colocadas lado a lado, sequencialmente.

SILVEIRA, Henrique Iwao J.; DEL NUNZIO, Mário A. O. Entrevista com Mário Del Nunzio, sobre “O Chá”. 31 de março de 2011.

Baixe o álbum virtual, que contém O Chá, além de mais três peças de Mário Del Nunzio, três de Bernardo Barros e três de Henrique Iwao.

Música Eletrônica 2004, arquivo .zip

Música Eletrônica 2004, página da gravadora Clinical Archives.


postado em 1 de abril de 2011, categoria Uncategorized : , , , ,