se o ensaios sobre de teodicéia tem 417 pontos, excursões, respostas à objeções e anexos, o monadologia tem apenas 90 pontos e é um fantástico resumo, direto ao ponto. exemplo de como a maturidade pode permitir simplificações de pensamento (as obras do final da vida de iannis xenakis vêm a mente). a única questão que não fica clara para mim é §55, da demonstração da necessidade de deus à priori.
seria ainda necessário produzir um texto proporcionalmente equivalente, ainda mais curto em 18 pontos, sem introdução, e outro ainda, lacônico, com 4 pontos, com um título tal como os quatro princípios da providência divina e imensa. se o ensaio sobre a graça humana tem 18 parágrafos, leibniz não nos forneceu a versão mínima.
como aforista, me arrisco aqui apenas a fornecer o último trabalho, e se um livro cabe em parágrafos que cabem em ainda menos parágrafos, estes devem caber em frases, que por sua vês podem ser resumidas em conceitos de uma ou duas palavras.
1. deus.
2. mônadas (harmonização).
3. razão suficiente.
4. não contradição.
como deus decorreria de 3, e disso segue a harmonização, o livro pode ser ainda resumido em “a razão suficiente se encontrou com a não contradição”.
[dos rascunhos, provavelmente 2015]
postado em 24 de maio de 2024, categoria comentários : filosofia, gottfried wilhelm leibniz, resumo
lembro do antigo mau hábito de meu pai, a bradar já deu vou embora, em encontros sociais festivos. não que ele fosse um lobo das estepes, como o quarentão niilista do livro de herman hesse (steppenwolf). é que há algo dessa natureza que surge como possível efeito adverso de uma orientação humanista. afinal, a arte não existe contra a cultura? contra a mediocridade pequena-burguesa. quem dispensa de imediato tal noção, junto à ideia do autêntico, mergulhou cedo ou profundamente demais nas piscinas de plástico do pós-modernismo. certamente não é meu caso. se o humano é composto por uma miríade de impulsões, ainda assim, quando estas se integram na figura do lobo e sentimos já os dentes despontando, antes da tentação a me expressar, sei que é hora de ir embora.
postado em 4 de fevereiro de 2023, categoria aforismos : arte contra a cultura, filosofia, herman hesse, lobisomem, lobo das estepes, steppenwolf
ficamos de marcar, camila proto e eu, uma conversa sobre filosofia e arte, dado que ela também está fazendo pesquisa em filosofia da arte. andei ouvindo audio-livros dos diálogos de platão e agora, ao frequentar os podcasts do história da filosofia sem nenhum buraco (history of philosophy without any gaps), uma das coisas que estou curioso pra saber o que outros acham é o seguinte: o sócrates platônico em mais de uma ocasião fala sobre os problemas da retórica. eventualmente, ele lança o argumento: mas não sabe um médico mais de medicina do que um palestrante sagaz? não deveríamos ouvir falar, sobre nossos hábitos alimentares, o nutricionista ao invés do padeiro, a oferecer-nos deliciosas guloseimas?
às vezes tenho impressão que a filosofia cumpre um papel similar nos discursos de artistas àquele criticado por platão no que toca a retórica. no górgias, sócrates faz o grande sofista dizer que além-retórica, seria também capaz de ensinar a seus estudantes a virtude, o que o górgias histórico provavelmente nunca diria. ao invés de ferramenta, bem ou mal usada, essa deslizada torna possível uma crítica mais veemente à sofística, que então cairia em contradição. numa fala sobre música, quando a filosofia intervêm para dar valor e elevar ao bem o conteúdo, faço questão de garantir uma boa salada na hora do almoço. (mas é estranho: é como se o próprio nutricionista fizesse uma eulogia ao croissant.)
postado em 8 de agosto de 2021, categoria aforismos : croissant, filosofia, filosofia da arte, górgias, history of philosophy without any gaps, platão, retórica, salada
1. a cidade tornara-se um labirinto global em constante expansão, enquanto nós continuávamos recolhidos. na pós-pandemia, reclusos que somos, finalmente entendíamos o valor da permanência. o apocalipse havia chegado e aceitávamos tratar-se de fim de mundo. a revelação viera da separação entre os elementos do binômio economia e saúde. Sustentabilidade enfim: maximizadores autônomos de urbanismo bricoleur nos forneciam os materiais necessários para o condicionamento paulatino rumo a circuitos de digitalização em espiral. a natureza era refeita e não precisávamos mais de sol nem pele, positivamente hikikomoris, e olhávamos para dentro. restáva-nos a infinita tarefa da construção da nova babilônia, imenso playground virtual de perpétua mobilidade daqueles que redescobriam o nomadismo verdadeiro.
2. no seu incrível conto the machine Stops (a máquina para), de 1908, e. m. forster especula uma humanidade cujos indivíduos vivem isolados em abrigos subterrâneos auto-sustentáveis, geridos por um eficiente sistema – a máquina. desdenham tanto o corpo quanto o personalismo, e sua existência toma a forma de um formigueiro cibernético, de fluxos de imagens, pra usar a expressão do vilém flusser. o problema é que não há um completo abandono da prisão de carne para uma nova liberdade. os humanos evitam contato direto, tanto visual não mediado quanto tátil, mas o fazem em uma dependência excessiva dos equipamentos que os circundam, sem entretanto fundir-se a estes. o estado de coisas, depois de um ponto ótimo, reproduz uma mecânica que degenera em atavismo, e o ressurgimento do religioso, no mecanicismo não-denominacional, é um sinal que o colapso se aproxima. a cessação de atividade finalmente dá lugar ao terror inesperado do silêncio informacional. aprender de segunda mão, tomar tudo como mediado, acaba por mostrar que sair da caverna para encontrar o sol não é tanto encontrar as ideias, mas a incorporação das mesmas em coisas. penso que seja uma forma de vida e seus problemas o que torna as articulações valiosas e vivas, em mutação contra a estagnação do puro espiritual.
postado em 23 de dezembro de 2020, categoria comentários, livros, prosa / poesia : distopia, e m forster, filosofia, hikikomori, nova babel, quarentena, the machine stops
teeteto acaba por parir sócrates parindo a impossibilidade do empirismo na epistemologia. o velho aristóteles faz listas e, conselho do pai, procura considerar todos os casos pra achar a certa medida. nem sempre suas categorias são razoáveis, entretanto. o início escravocrata misógeno da política é uma espécie de filtro, mas por fim chegamos na democracia. e na amizade, virtuosa. mas na realidade, é por interesse. há perigo, pois é possível que alguma força faça a terra sair dos trilhos. há nos sonhos, reminiscências do dia. hobbes também o acha. é nominalista, tal como goodman. mas qual a ideia desse começo, todo “tratado do humano”, para pular abruptamente no “todos contra todos”? imaginem os escritos políticos de hobbes e rosseau como simulações, que a partir de condições iniciais chegam no que chegam. hobbes leviatã, monarquia, contrato, covenant (pacto). voltando na cronologia, temos os estóicos helenistas, sêneca o estóico hipócrita, conselheiro de todos nós: viver com virtude, aproveitar o dia produtivamente, acreditar no seu caminho, responsabilizar-se pelo que pode e aceitar o cosmos. marcus aurelius, stoic on steróids, o estóico machão, a morte, tudo morre, teu irmão, aquela moça, eu, você, o cachorro, a plantinha, o imperador, o escravo, seus amores. morte e morte. tá vendo aquela pessoa que tá lendo trocentos livros à toa? vai morrer. tá vendo aquele outro que corretamente é homem de ação, embrenhado na política, pela melhoria da sociedade? vai morrer também. [sêneca: julius canus, que extendeu seu aprendizado até a morte ela mesma, foi o que levou mais longe a busca filosófica…]. por fim, temos epictetus, estóico romano raiz, ex-escravo. mas que adianta? chatice. o que me lembra os analectos de confúcio, máximas e conversa fiada (ainda estou na seção de auto-ajuda. só mudei a pratileira de origem). família, temperança de novo, os antigos. essas coisas. vocês sabiam que maquiaveli escrevia contos? descontando, na medida do possível, o machismo de época, com o tema “esposas são piores que diabos”, há lá um sarcasmo, contra a hipocrisia da igreja, que não envelhece. e giordano bruno, ah bruno menino bruno, é só o amor… que nos une. mas é claro que há todo tipo de união, pois o desejo cria e indetermina. o universo só é o todo potência-ato no sentido atemporal. no tempo toda matéria é animada, vide os necromantes. mas não temam que, não obstante a magia, aristótolo dixit: ao observar quem dorme, saberemos se é feliz, e o mais feliz dos homems é o filósofo.
postado em 8 de agosto de 2020, categoria comentários, livros : filosofia, leituras
a religião é o campo em que se insiste muito na fé, por que? é que fé e crença não são sinônimos. lembrando de descartes, pensem nisso: quando aprendo que um triângulo tem três lados e 2 + 2 são 4, adquiro a crença de que seja assim. e o faço porque não existe em mim nenhum modo contra-causal que possa decidir no que eu deva acreditar, de modo a levar-me a uma crença diferente, nesses casos. impossível um triângulo de 4 lados, ou que seus três ângulos não resultem dois perpendiculares. já em outros, quando não há razões suficientes para se decidir por algo, deveremos lembrar que a liberdade pela indiferença é o nível mais baixo desta. poderíamos indagar o motivo. é que aquele que não usa sua capacidade racional de modo produtivo, com a certeza que deus lhe proveu de poder decidir por razões, finalmente se deixa levar pelo que lhe é confuso, abandona a inclinação ao luminoso para ser navegado pela escuridão. e a indiferença, o domínio da livre escolha, provém justamente alimento a esse lúgubre movimento. o que nos preocuparia deveras, pois levaria à descrença. entretanto, é possível direcionar nosso pensar, através de exercícios e experimentos mentais, e estabelecendo regras provisórias aqui e ali, de modo a podermos ver com mais clareza aquilo que era antes confuso, ou que suspeitávamos cheio de obscuridade. se assim fizermos, conquistaremos a liberdade no cultivo e manutenção da clareira do racional.
mas e no caso da fé? seu mecanismo doxástico não seria aquele justamente envolvendo a falta de crença em algum nível, a gerar crenças confusas em outro? e essas não seriam fatalmente acompanhadas por ainda outras crenças auxiliares não declaradas, subterrâneas, a se infiltrarem sem fundamento e a lançarem trevas sobre o edifício da ação? se é verdade que deus não nos quis enganar, então por que nos inculcaria misteriosos ensinamentos obscuros? ensinamentos que, na categoria do obscuro aceitável, a fé, ainda assim, pela vontade, que é infinita, se expandiriam muito além do que podem. fé que, ligando-se à esfera do poder, a potencializar a confusão e obscuridade, interfeririam no que a liberdade alcançaria, até que seja preciso reter os ensinamentos d’o mundo, e dar inúmeras voltas a dizer que a terra move-se sem mover-se, nos turbilhões do espaço. lembremos das boas regras e direcionemos o espírito. é preciso que cada coisa fique no seu lugar. a religião organiza a falta de crença: esse é seu espaço. ou assim talvez pensasse secretamente o filósofo, de máscara no teatro do mundo.
postado em 3 de junho de 2020, categoria comentários : crença, doxástica, fé, fideísmo, filosofia, rené descartes
bataille quer delirar junto a nietzsche, rumo à morte e à dissolução do homem, seu ultrapassamento, e por isso escreve um diário confessional, em uma frança ocupada, agregando a ele um compilado inspirador e uma defesa. deleuze só tem olhos para a filosofia, então apara as pontas, seleciona e reorganiza normalizando, e de lá retira argumentos consistentes e um sistema defensável. klossowski está interessado na pessoa e na obra, detendo-se em pormenores, contradições, e vasculhando cartas, traçando os caminhos tortuosos do delírio à filosofia e de volta.
todos eles são fascinados pela última fase de nietzsche. mas nela, bataille pela loucura, deleuze pelas ideias, klossowski pelo humano. um se irmana e é imersivo, outro seleciona e é conjuntivo, o último acolhe e é disjuntivo.
postado em 28 de maio de 2020, categoria comentários, livros : delírio, filosofia, friedrich nietzsche, georges bataille, gilles deleuze, pierre klossowski
se a arte é essencialmente inefável, então não importa se falamos muito ou pouco dela, se teorizamos ou não, ela permanece como algo de fugidio, indeterminável.
se não é essencialmente inefável, mas apenas ocasionalmente, então seria bom criticarmos e refletirmos sobre as obras, a ver quais ainda permanecem misteriosas após escrutínio.
se não são nunca inefáveis, seria melhor combater as críticas como redutivas e as teorias como paralisadoras, afim de que, do vácuo das palavras surja um quase-nada, um não dizer contido, que se prolifera em nebulosidade, a ser tomada com alívio.
mas e a experiência, não pode ela, sob grades muito determinantes e referenciadas, acabar com a inefabilidade? (como evitar que esse tipo de argumento não recaia no terceiro caso?).
e vale almejar racionalmente o inefável? no caso heideggeriano, há um circundar, como que preparando as condições necessárias para sua erupção. ele, tão frágil, facilmente esmagado, soterrado, esquecido. (mas estamos então no segundo caso e há arte na qual nada floresce, ou no terceiro, mistificando). em jankélévitch trata-se de jogar a escada fora. (mas daí seria melhor estar no primeiro caso).
postado em 26 de setembro de 2019, categoria aforismos : arte, filosofia, inefável, martin heidegger, vladimir jankélévitch
assim como boa parte dos filósofos é contra a opinião/doxa, alguma parte dos artistas é contra a (auto) expressão. mas isso porque a filosofia se dá no embate com a opinião, tanto quanto a arte contra a expressão.
postado em 18 de agosto de 2018, categoria aforismos : arte, auto-expressão, doxa, expressão, filosofia, opinião
a uns anos atrás a diatribe é impossível ser deleuziano circulava na minha bolha. o argumento era: ser um especialista, um entendedor de deleuze, era ser um acadêmico – era explicar deleuze, ou ainda pior: era hipostasiar suas noções e fixá-las como “é assim que se aborda algo”; nada mais a contra-gosto do autor, a bradar pela criação de conceitos e pela “cópula forçada por trás”. de modo que, ao menos no meu entendimento, a partir disso, os dois deleuzianos verdadeiros que conhecia eram nick land e manuel delanda, seguindo a regra fácil do “possivelmente isso irritaria ao próprio autor”. mas, como era de se esperar, deleuze não era o único filósofo de posto renomado a lutar contra os operários da filosofia.
pois adorno, em suas admoestações contra o pensamento da origem e os estilos que dão suporte à apresentações passo a passo, acaba por também se colocar contra aqueles que apresentam seus conceitos na forma de definições e explicações, segundo uma didática das partes. seria antes necessário, para manter-se com o autor, escrever ensaios nos quais os conceitos aparecem em constelações e cujas ideias são atualizações que tanto recolocam preocupações e termos conhecidos como avançam pontos, mantendo-os entretanto, igualmente perto do centro do discurso. nesse sentido, nada mais vão que um dicionário a dizer o que seria a indústria cultural, a regressão da escuta etc.
talvez seja útil então distinguir três aspectos, quanto a um epigonismo: conteúdo, forma e espírito. aqueles que tomam apenas o primeiro aspecto são os estudiosos; um seguidor que toma os dois primeiros mas não o terceiro é um imitador; aquele que toma os três aspectos é um verdadeiro discípulo, contanto que exista um abandono (parcial) do primeiro, mas no caso deleuze, a predominância do terceiro poderia deslocar a necessidade do segundo.
postado em 28 de março de 2018, categoria comentários : academia, conteúdo, epígonos, espírito, filosofia, forma, gilles deleuze, theodor wiesengrund adorno