referências e discussão: éter, silêncio, vazio

a respeito do artigo éter, silêncio, vazio: experiências problematizadas, disponibilizado aqui.

(i). referências

  1. dadaforma, a de-compilation of plataforma records (PLATARECS100).
  2. henrique iwao – §6.4311 (2014).
  3. henrique iwao – éter 2 (2014).
  4. nick land sobre georges bataille – the thirst for annihilation: georges bataille and virulent nihilism, (routledge, 1992, +).
  5. ray brassier – genre is obsolete (em noise & capitalism, organizado por mattin e iles, arteleku audiolab, 2009).
  6. to live and shave in l.a.
  7. ruzelstirn & gurgelstøck (um dos nomes artísticos de rudolf e.ber).
  8. verbete da wikipedia em inglês sobre os pontos de experiência.
  9. ghost in the shell, série de mangás e animes, originalmente por masamune shirow (1989-2015).
  10. código 46, um filme de michael winterbottom (2003); matrix, um filme dos irmãos wachowski (1999).
  11. compression sound art, vídeo de johannes kreidler (2009).
  12. babylon sisters and other posthumans, coletânea de contos de paul di filippo (2002, +).
  13. exemplo de pássaros tocados mais lentamente ( contra +).
  14. james whitehead em the shortest piece of music, aborda questões muito caras e por vezes parecidas ao que eu me preocupei (especialmente em §6.4311) (também de 2014).
  15. gx jupitter-larsen – vacant lot (1981).
  16. xylowavepoderes, uma postagem desse blogue (2012).
  17. a anedota sobre terry jennings (há um erro na segunda aparição do nome no artigo) foi lida aqui, e apesar de lembrar da história, não consegui achar uma outra fonte para a mesma (mais confiável).
  18. parece que os feitos de henry flynt estão cada vez mais presentes na cultura (vídeo de uma retrospectiva, 2013).
  19. recomendo bastante a leitura do livro no medium, de craig dworkin (+, , 2013).
  20. jens brand trata de stille-landschaft em sua página (2002).
  21. christian wolff: stones (CD, editions wandelweiser, 1996 , +).
  22. ano passado escrevi um artigo sobre o álbum assonâncias de silêncio, de raquel stolf, para a revista linda.
  23. 0’00” de john cage pode ser uma peça cheia de sons (1962); silent prayer, por outro lado, não (1948).
  24. meu conhecimento das obras de jarrod fowler, como 70’00″/17, é meramente textual.
  25. henrique iwao – 13 horas de nada; 24 horas de nada (2015).
  26. a peça mencionada de mieko shiomi é boundary music (1963).

(ii). discussões.

  1. no congresso da abre, ana rita nicoliello questionou meu entendimento da noção de experiência. como ela estudava john dewey, resolvi considerar o “a arte como experiência”. lá, dewey insiste na completude: “começo, meio e fim”. seria necessário usar de modo interessante a insuficiência e incompletude, quanto a esse esquema (mesmo que estes formem totalidades estéticas). também ao vitalismo é preciso responder: a arte não procurará acentuar a vitalidade, nem ampliar a vida humana (não buscará a sinergia com “a estrutura de seu organismo”).
  2. nas minhas anotações constam observações confusas:
    1. a arte sem finalidade tem como resultado não apenas o improdutivo, mas o não-cognitivo (uma formulação negativa: cinismo; uma positiva: absurdo).
    2. o anti-cognitivo como um não-sublime (sublinhar a insuficiência).
    3. pode ser aproximado do sublime pós-moderno (brassier) [mas seria mais tornar possível intuir que podem haver outros entendimentos do que são regras do que propor que existiriam regras impossíveis]
    4. habitar a borda da arte: não-experiência como um tipo experiência (remissões)
  3. no seminário livre do sô(m), com a performance de éter 2, versão performance, 30 minutos, comentaram, mencionando john cage, que “saindo da música entra-se no teatro”. aspectos enriquecedores da experiência notados: a iluminação modula a escuta; no silêncio, o público percebe o seu próprio corpo mais (como uma experiência proprioceptiva especial), por não poder fazer barulho; o público, pela atenção do performer no palco, percebe cada pequeno movimento dele como parte de um drama; o silêncio atua às vezes como um limite da escuta – aquilo que a aguça, ou a origina; o silêncio desloca a escuta para a visão (ver os gestos, não ouvir direito o resultado sonoro, mas imaginá-lo).
  4. um rapaz lembrou da experiência de chegar em casa de madrugada, querer fazer várias coisas, mas não poder, por medo de acordar os pais. lembrou do cuidado excessivo com que se movimentava nessas ocasiões, quando jovem.
  5. no mesmo evento citou-se o buda tv, do nam june paik, porque poderia constar nos meus exemplos.
  6. pedro marra mandou-me o artigo de douglas kahn: silence and silencing (a ler); também comentou e enviou o livro, de don ihde: voice and listening (a perguntar qual trecho teria relação mais direta com o debate). acredito que tergiversando, miguel javaral mandou-nos um artigo, com um nome curioso (a ler): finishing school: john cage and the abstract expressionist ego, de caroline a. jones (“silêncio como estratégia queer“, disse ele).
  7. apontaram-se dois tipos de fracasso em relação à performance: fracasso no sentido de que era difícil ouvir o que se produziu por mim; fracasso da performance por ser demasiado dramática/rica. o seminário pode ser reouvido aqui.
  8. foi comentado que a dicotomia “experiência / não-experiência” é tanto imprecisa demais, quanto dura demais para acomodar o projeto, mas que dá o que pensar (espero que não por ser confusa, mas por ser instigante).
  9. tentei explicar, no caso de §6.4311, que a não-experiência poderia ser uma qualidade intrínseca da obra e não da fruição (a maneira como ela se organiza aponta racionalmente para uma impossibilidade).
  10. na sessão aberta do fime, após o vídeo (éter 3) comentei sobre a possibilidade de criar algo como uma não-meditação. lembramos da competição de “não fazer nada” anunciada na coréia do sul.
  11. por algum motivo, talvez lembrando dos textos de lyotard no inumano, mencionei “a melancolia como a essência da produção conjunta” (do silenciamento, espero).
  12. em um sentido o muzak e a música de mobília de erik satie não são voltadas para a experiência de escuta. mas elas rapidamente se tornam indícios de presença humana, o que eu gostaria de evitar.
  13. javier bustos mencionou a ideia de um “espaço sem conteúdo” e depois de um “conteúdo sem suporte”. a especular. (conteúdo sem suporte é uma formulação bem no estilo da xylowave).
  14. j.-p. caron gostou do texto a ponto de incluir ele e éter 2 como parte de seu módulo (v: processos de individuação e sutura arte/ciência/política)  no curso de extensão da faculdade de pedagogia da ufrj, arte e devir, arte do devir, coordenado por bernardo oliveira.

postado em 16 de agosto de 2016, categoria textos : , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

Quantidade é Qualidade, uma entrevista com Johannes Kreidler

Realizada por e-mail, entre 18 de abril e 26 de maio de 2012, por Henrique Iwao. Traduzida do inglês para o português.

Sobre Product Placements: seu vídeo documenta bem os aspectos políticos e performáticos da peça. Por isso, minhas perguntas tomarão outra direção: do material musical utilizado e da estruturação da peça. Você disse ter usado 70.200 peças de música – como diz o vídeo: “citações”. Como você escolheu estas 70.200 peças? Como você procedeu para sequenciar essa quantidade imensa de amostras, e como as estruturou?

É claro que não cortei à mão, com tesoura. Programei um programa computacional [patch] que reúne aleatoriamente todos os sons de meu HD. O que eu podia modificar era a densidade rítmica e o envelope. Então escolhi as passagens que eu mais gostava, combinando com alguns trechos feitos à mão, como o som do piano, o som de percussão e a citação ao fim. Montei uma forma com duas ondas [dois arcos] e uma coda.

Sobre seus hábitos de escuta: você disse que estes 70.200 representam a grande quantidade de acessos que arquivos de vídeo e áudio recebem na internet. Pode-se dizer então que a música em seu HD representa também a vastidão do que há disponível para se ouvir na internet?

Sim, as 70.200 citações representam os milhões de peças musicais disponíveis, e os 33 segundos são simbólicos para a compressão, a técnica que torna possível tê-las na internet.

O que você costuma escutar?

Eu tive uma formação de música clássica, mas escuto praticamente de tudo.

Você escuta tudo o que há de música no seu HD? Existe nele algo que você guardou, mas nunca escutou?

Claro que não ouço tudo que tenho no meu HD!

Em alguns momentos essas amostras são partículas sonoras ouvidas como texturas e/ou objetos sonoros. Em outros, elas são amostras de tamanho maior, bastante reconhecíveis: piano, caixa clara, uma nota cadencial grave no piano, um desdobramento cafona de acordes no final. Qual a função que eles têm na peça, tanto simbólica quanto estruturalmente?

Musicalmente funcionam como bordas da forma total e articulam o fluxo. Ademais, eu quis sons que ficassem entre a grande massa de amostras que fossem facilmente reconhecíveis. Daí a questão é se estes sons podem ser considerados citações (me perguntaram se o piano era Beatles), ou se eles contam simplesmente como sons livres…

Essa ambigüidade é muito legal. De um modo, você sempre faz pastiches com sons que não têm o que John Oswald chama de “gancho”: não são individualmente identificáveis. Esta é uma coisa que difere a sua estética da do plunderphonics [pilhagem sonora], de Oswald. Você poderia contar um pouco sobre isso? E sobre sua relação com o pastiche musical?

Sim, eu gosto de ir nessa linha com a questão: isso é uma citação clara ou não? Mas, no geral, acredito muito em colagem hoje em dia; somos sensíveis o suficiente para enxergar pastiches em todos os lugares, artigos da Wikipedia, atributos de gênero, filosofia pessoal… “Tudo é um remix”.

À parte a analogia já mencionada, a duração total do vídeo (cerca de 33 segundos) é especialmente relevante para você, numericamente ou por alguma outra razão?

Eu queria que a peça fosse curta, por volta de meio minuto, e queria uma duração que fosse facilmente memorizada.

Sobre o termo “citações”: qual palavra alemã você usaria para isso? E sobre citação: não podemos realmente citar uma letra ou uma palavra, porque são elementos da linguagem ela mesma. De certa forma, se você se aproximar da duração de uma única amostra para cada excerto musical, você se depara com o mesmo problema. Suscita questões sobre a presença do musical: trata-se uma colagem? A amostra está lá, como se tirada de outra música, ou é uma representação de uma amostra, realizada digitalmente, usando os mesmos números daquela que representa. Você acha que o termo “citação” é apropriado para essa circunstância? Você já pensou sobre a relação entre sampleamento e o tamanho da amostra?

Em alemão diríamos zitatefremdanteile ou fremdmaterial; ou samples, também. Mas, como você disse, é a grande questão não respondida, quando é simplesmente um som [tone] ou quando é uma citação (que pertence a alguém, protegida/proibida pela lei).

Esta questão esteve presente nos debates sobre sua performance? Você entregou milhares de formulários de licenciamento das amostras utilizadas para a GEMA [a sociedade alemã de direitos musicais de performance e reprodução mecânica]. Entretanto, as pessoas, ouvindo sua obra, não podiam dizer se você usou ou não essas peças declaradas nos formulários…

Sim. As pessoas hoje em dia estão completamente incertas sobre quando há uma citação e quando as leis de direitos autorais podem ser aplicadas. Um problema grande para blogues, ao menos na Alemanha. Embutir um vídeo do Youtube num blog já pode ser considerado uma infração de direitos autorais. É terrível.

Quando o tamanho da amostra é menor, perde-se a identidade dela, e músicas distintas podem ser mixadas indistamente. Posso interpretar isso de duas formas: como se minha percepção não fosse rápida o suficiente, não conseguindo distinguir entre partículas sonoras e fragmentos – talvez, se eu fosse um pássaro, conseguisse… Ou então como se houvesse um denominador comum entre cada música – algo como elementos mínimos, iguais. O que você pensa sobre isso?

Na minha pequena peça [Product Placements] eu quis compor indo desde milhares de partículas sonoras (que, claro, criam ruídos) até uma única citação de 2 segundos de duração, ao final (que é definitivamente reconhecível como tal). E no ínterim, então, tem de tudo. Portanto não há como alegar não haver citações nesta peça e não há como alegar só haverem citações nela. Acho isso, musicalmente e conceitualmente, o mais interessante de tudo.

Sobre Compression Sound Art (2009): com a digitalização, tudo pode ser traduzido/transposto/transformado usando as mesmas regras, pois pode ser tratado como número. Vejo que você explora esse nivelamento utilizando exemplos sarcásticos e irônicos. Isto parece mostrar algumas coisas: podemos comprimir informação, mas não significado; podemos trivializar coisas de dois modos, fazendo-as parecer muito iguais (apenas informação na era da informação, dos meios de comunicação de massas [mass media]) ou fazendo-as muito diferentes (com frases como “a bíblia é <a verdade>, o torá não é,” etc). Você teria algum comentário a partir disso?

Boas observações. Mas você poderia também pensar numa mudança de percepção: talvez, para uma mosca, um segundo seja equivalente a uma hora para humanos. Como computadores e alto-falantes podem produzir freqüências que humanos não conseguem ouvir, mas morcegos sim, você poderia pensar que máquinas podem fazer compressões de áudio passíveis de decodificação por outros animais, e por outros computadores. Há quem diga que devemos tratar computadores como sistemas vivos.

Há aí algum trocadilho/crítica sobre o pensamento católico?

Claro, há uma crítica ao pensamento católico.

Há uma seção em que as imagens são a informação. Assim que se compreende isso, é possível descomprimir os dados (memória dos sons) e preencher as brechas sonoras com nossa imaginação. É bem bacana!

Boa e velha teoria semiótica, a diferença entre significado/significante.

Indo mais para o aspecto técnico da peça, como você fez as compressões? Sinceramente, Você atuou como no texto da peça, fez o que o texto diz ter sido feito? Você poderia dar exemplos de como fez?

Não me lembro exatamente, alguns exemplos estão certos (em Beethoven [“sinfonias completas tocadas em 1 segundo”], você até pode escutar o coro da Nona Sinfonia no fim). Alguns não estão. Usei um plug-in VST, da Sony, eu acho.

Existe uma citação famosa do Merzbow, Masami Akita: “Se ‘ruído’ significa som desconfortável, então música pop é ruído para mim” [entrevista com Oskari Mertalo, 1991]. Lembro de você dizer algo similar num vídeo – não me recordo qual; que para você música pop é ruído cotidiano e, portanto, material composicional. Embora semelhante à frase de Masami, tem um significado totalmente diferente. Você poderia comentar?

Ah, obrigado, eu não conhecia essa citação. Na realidade eu quis dizer o mesmo que Merzbow. Nessa entrevista (http://www.kreidler-net.de/__theorie/neural-interview.htm), ao fim, eu disse que gosto de fazer música ruidosa. Música pop é ruído!

Creio que Merzbow quis dizer que desgostava de música pop e a tratava com indiferença (como barulho, indesejável). Sua atitude parece ser mais como: fazer música artística com os escombros, os ruídos da sociedade contemporânea, ou seja, com a música pop. É por isso, eu penso, que você utiliza músicas pop não famosas. Você usa temas famosos principalmente pelo conteúdo semântico, mas não músicas pop famosas pois, uma vez famosas, perdem a qualidade de ruído, esse aspecto de sobras. Você concorda?

Sim, mas ainda é algo que eu desgosto. Eu gosto de citar coisas que eu não gosto.


postado em 30 de junho de 2012, categoria Uncategorized : , , , , ,