Tenho feito eventualmente alguns vídeos, com o intuito de exercitar minha sensibilidade para a imagem em movimento, registrando “boas idéias” e “situações interessantes” com uma câmera fotográfica. Depois, edito de modo bem simples os arquivos de vídeo, inserindo por vezes algo que possa passar uma idéia de “falha” – de intervenção da falibilidade digital, além de letreiros (tenho usado bastante a letra Akzidenz-Grotesk, esticada para ficar mais alta e magra).
As boas idéias são: proximidade, dimensionamento e diferentes focos e pontos de vista; e também: como uma cena cotidiana pode evocar relações imagéticas mais abstratas, de movimento, ritmo, cor, nitidez.
As situações interessantes variam de: um buraco na base metálica do chão da Torre de TV, em Brasília, de onde se pode observar a feira, andares abaixo; como a asa do avião alinha e desalinha, em relação ao azul celeste, por sua vez modulado em tom pelas nuvens; o mar, visto de um barco, os ciclos de repetição do movimento do barco na água; a sujeira na praia, depois de uma festa popular (lembro de filme curto de Man Ray: Le Retour à La Raison).
O som procurado é o ruído de fundo, próximo a um ruído marrom; gosto de alguns murmúrios, algumas falas misturadas, de quando em quando. A qualidade do som é ruim, porque retirada da câmera.
Eu sempre admirei muito os vídeos de Ralph Steiner da década de 30. Com Mário Del Nunzio e Lucas Araújo cheguei até mesmo a musicar ao vivo H2O.
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postado em 11 de março de 2011, categoria vídeo
Postei recentemente o documentário “Coleção e Museu” na minha conta do youtube. O vídeo, que tem roteiro e direção de Dalton Sala, aborda a relação entre a coleção pertencente à Fundação Nemirovsky, o expaço expositivo, localizado em um dos andares superiores da Estação Pinacoteca, e os arredores, Largo General Osório (bairro da Luz ou Sta. Ifigênia).
A trilha sonora foi feita por mim, em 2008, e apresenta uma série de peculiaridades, algumas comentadas mais abaixo. O trabalho começou bem leve e de repente, se tornou árduo, com direito a um acesso febril intenso de dois dias, espécie de “limpeza” que “promovi com o intuito de trazer-me mais para o presente”. Ao final, cansaço e retoques, e finalmente, alívio, tudo deu certo.
(Se puderem assistir ao documentário antes de lerem as minhas notas sobre a trilha, creio que a experiência será mais interessante; acredito que assim promoverei uma reavaliação de alguns aspectos da escuta e apreensão do mesmo)
O primeiro aspecto a ser comentado são os longos trechos em que não há texto falado, reforçando a importância da música para o documentário; a necessidade de estabelecer relações com as imagens, mantendo um núcleo de interesse próprio e uma noção de autonomia. As relações mais diretas decorrem em momentos de corte e sincronia, onde um elemento “comenta” uma imagem. Além disso, foram pensados contrastes a partir do som, entre texturas mais estáticas, contínuas e melodiosas e texturas mais percussivas, caracterizadas por encadeamento de elementos/objetos sonoros; também, momentos em que essas duas características pudessem ser combinadas, como no excerto abaixo.
Nesse momento, queria articular algo próximo a uma canção, com um ritmo-base e uma melodia, acrescentando intervenções gestuais com objetos diversos. Me alegra ter incluido a buzina de um moto-entregador e um extintor de incêndio. Sons de privada foram retirados a pedido de Dalton, dado o imaginário que evocam.
Começando em 3’20” com o som ouvido ao longe de músicos da ULM, as imagens colocam em evidência o trabalho do arquiteto responsável pela exposição (Pedro Mendes da Rocha), o jogo de frestas e olhares que atravessam o espaço, descobrem formas e relações geométricas (além das e conjuntamente com as próprias obras). A música toma como referência a música de Pierre Henry, dita “música concreta”. O jogo entre estabelecido na arquitetura entre “obra”, “espaço” e “entorno” (há pequenas janelas onde pode-se ver para fora da estação), foi pensada de forma livre em relação a “texturas musicais”, “referências e relações” e “fontes sonoras”.
Visitei o local da exposição duas vezes, gravando diversos sons, incluindo os dos trens que ali passavam, de torneiras, de passos, crianças, enceradores, elevador, portas, sistemas de ventilação, além de objetos de escritório (em 7’07” os sons percussivos são permutações de madeiras de escritório da fundação, com direito a uma bronca não utilizada na versão final da trilha).
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Pensar sobre música e o modernismo no Brasil eventualmente evoca a figura de Villa-Lobos. No documentário anterior sobre a mesma coleção, “A Casa e a Coleção” (2004), algumas peças para piano do compositor figuraram como trilha. Várias delas recontextualizam “temas populares brasileiros”, melodias conhecidas e cantadas por alguma parte do povo, na época, década de 20.
Para a trilha, tinha que manter algum elo com a música do documentário anterior, além de evocar algo que pudesse se relacionar com o modernismo, dado que a maior parte da coleção é formada por pinturas que se enquadram nessa estética. A solução foi utilizar a linha de baixo de uma dos arranjos para a melodia de “Se essa rua fosse minha”, feito por Heitor Villa-Lobos, bem como recontextualizar outro arranjo do compositor, de “O cravo brigou com a rosa” (toquei ao piano, inverti todas as notas separadamente, uma por uma, mudando assim o timbre; estendi temporalmente as durações, depois transpus para si-bemol).
A linha de baixo foi então seqüenciada utilizando sons de piano preparado (preparação de Valério Fiel da Costa) gravados anteriormente, para um projeto de “coveres” de canções dos Beatles, de 2006 (na presente data abandonado). Há variação na quantidade de notas e timbres utilizados, procuraram reduzir a possível monotonia, dado que o trecho inteiro (de 10’07” a 19’50” , exceção feita a entrada do quadro de Lasar Segall) é constituído por superposições e alternância entre essas duas camadas (linha de baixo e coral de “o cravo…”).
Ademais, o período no qual se desenvolveu o modernismo foi marcado pela presença do trem, suscitando imagens de locomotiva e vagões no imaginário brasileiro (acompanhados de seus sons específicos). Essa presença nessa época foi ainda mais reforçada a partir do governo Juscelino Kubischeck, consolidou-se o império automobilístico em detrimento do ferroviário, criando assim uma certa identificação modernismo – trem. Como a Estação Pinacoteca é vizinha de uma estação de trem, sons de trens sinalizaram alguns momentos do documentário, como por exemplo, quando acendem-se as luzes do espaço expositivo e pode-se finalmente apreciar as obras.
O quadro de Lasar Segal aparece em 15’14”. Como aparentava ser o representante mais expressionista da seção, procurei, a partir dos timbres já trabalhados, estabelecer uma retórica atonal, motívica (grupos de dois sons/notas), simples e que se articula por repetições variadas, duras.
Aqui cabe uma reclamação. Visitas guiadas de crianças são freqüentemente dominadas pela vontade dos adultos de exercer controle sobre as crianças. Nas gravações dos sons desse dia, só ouvia os monitores dando bronca, e foi um enorme trabalho retirar algo de valor, vozes de crianças, bonitas, “boi da cara preta” (13’06”).
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Sons de piano, estendidos temporalmente, revertidos (do início para o começo, sem ataque), soam como sinos (alusão a relógios e torres); suas pequenas variações timbrísticas relacionam-se com os movimentos da água, na qual a imagem é refletida. O caráter noturno é acentuado por sonoridades no registro grave (e não no agudo, como no começo do documentário, quando há voz e fala-se dos arredores da Estação Pinacoteca). O decrescendo final é como um adeus, com algo de solitário e melancólico; a reflexão ainda remete a ilusão, timbres não tão facilmente atribuíveis (a alguma fonte sonora física). Construída como um pequeno poema-poslúdio, esse trecho teve como inspiração as composições lentas para instrumentos de corda de György Kurtág.
Os créditos são o trecho mais experimental da trilha, usando sons captados por câmeras de vídeo, bastante ruidosos. A música se dá pela sobreposição de camadas no registro médio agudo, com intervenção de elementos repetidos literalmente. Não ao certo porque mas me vem como referência improvisos, derivados de “Poem for Tables, Chairs and Benches”, de La Monte Young e compania, cadeiras com distorção arrastadas…
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Créditos de “Coleção e Museu”
Roteiro e direção: Dalton Sala. Direção de fotografia, câmera, letreiros e projeto gráfico: Tiago Sala. Montagem: Dalton Sala, Renato Nunes e Tiago Sala. Edição de vídeo e autoração: Renato Nunes. Concepção e produção musical: Henrique Iwao. Produção executiva: Associação Cultural Cachuera! Produção: Biblos Projeto e Comunicação. Ano de lançamento: 2008.
postado em 4 de março de 2011, categoria vídeo
No início de 2007, logo após me formar em música – modalidade composição -, pela UNICAMP, mudei-me de Campinas para São Paulo. Tinha plano de ficar pelo menos dois anos fora da universidade (o que fiz – passei três anos sem vínculo acadêmico), trabalhando com trilhas para vídeo e dança. As perspectivas eram boas, dado que estava acertado que iria produzir a trilha para uma nova dança de Luiz Fernando Bongiovanni – a ser apresentada durante as comemorações de 10 anos do Corpo de Baile Jovem da Escola Municipal de Bailado, pelo próprio (o que fiz, mas apenas 6 meses depois do previsto); além disso, achava certo que cuidaria da produção musical do documentário dirigido por Dalton Sala sobre casas bandeiristas (o que não ocorreu). De qualquer forma em um apartamento na Santa Cecília, com dois primos, Lucas e Bruno, mais Rodrigo, um amigo de Lucas, garçom simpático e energizado.
Alguns meses depois e já tendo entregue portfólios para vários artistas, principalmente dançarinos (não sabia que os orçamentos eram tão apertados e nem o mercado tão restrito), Dalton Sala – figura querida, historiador da arte, pesquisador, amante da música, protagonista de conversas longas e apontamentos críticos pertinentes – propôs que eu cuidasse da música para o Módulo Didático do projeto Casas Bandeiristas. Esse módulo consistia em quatro animações, sendo a primeira uma contextualização histórica feita através de textos e figuras, e as outras três visualizações (dae uma casa por dentro, dos entornos de uma vila, do processo de construção da taipa), maquetes virtuais animadas.
A música foi planejada a partir de duas diretrizes: 1. o estabelecimento de uma unidade entre as quatro trilhas; 2. a utilização de timbres que fossem “artificiais”, isto é, que remetessem vagamente a sons de instrumentos musicais existentes, mas que soassem como se fossem claramente sintetizados, de fonte sonora eletrônica; 3. uma música que fosse “aparentemente simples”.
1: os mesmos tipos de elementos sonoros e timbres foram utilizados em todas as trilhas. Muitas amostras são utilizadas em mais de uma trilha. Além disso, a trilha de “Contextualização Histórica”, foi pensada como principal, mais complexa. Assim, de uma forma informal e sem muito rigor, as outras três trilhas são trilhas “derivadas” da trilha principal (apresentam menos camadas, menos elementos, menor complexidade na sobreposição ritmica). Ademais, o começo e o final (com algumas nuances) dessas três são marcados por um som de “rulo”.
A estruturação de todos as trilhas deu-se através da construção de frases-ritornelo (que se repetem). Essas frases poderiam ser modificadas pela adição, troca de posição ou subtração de um som, mas sua duração manteria-se intacta. Na trilha essas frases alternam com uma frase similar, repetem, saem ou entram em ação; além disso, são sempre sobrepostas a outras frases-ritornelo de duração diferente, de modo que cada nova repetição de uma das frases, se relacione com um trecho diferente da(s) outra(s).
Além disso um som de sino marca o “passar do tempo” e diversos trechos tem entradas e/ou saídas de elementos sonoros sincronizados com as imagens.
2: a solução encontrada foi utilizar sons pré-gravados de percussão (supostamente africana), modificados quando necessário, mas sem muita variação interna, e empregados de modo artificial (não correspondente com articulações que um percussionista pudesse ter tocando aqueles instrumentos); os sons seriam secos e ocorreriam em um ambiente virtual (artificial na sua falta de reverberação e espacialidade).
3. A música foi pensada com referência a “caixinhas de música“, estruturas melódico-rítmicas que repetem e repetem. Outra referência importante foi a música de Oliver Messiaen e a noção construída por ele de “personagens ritmicos“.
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Créditos dos Vídeos.
Vídeos do módulo didático do DVD “Casas Bandeiristas: Arquitetura Colonial Paulista”. Concepção e Projeto: Dalton Sala. Música: Henrique Iwao. Desenhos: André Pereira. Maquete Eletrônica: Ricardo Gonçalvez. Textos: Dalton Sala. Tradução: John Norman. Letreiros: Tiago Sala. Versão em vídeo (Contextualização Histórica): André Vieira. Versão em vídeo (demais vídeos): Thiago Max. Ano de lançamento: 2008.
postado em 25 de fevereiro de 2011, categoria vídeo