faz tempo que não via um filme de ação que contivesse elementos familiares, ruas, personagens, situações: daí derivam as boas tiradas, principalmente das preocupações dos bandidos secundários.
o díficil é que o filme abusa de efeitos publicitários; de tentativas de conduzir e impressionar.
(não posso também deixar de observar as camisetas “I (chuva) SP” na cena final)
2 coelhos (2012), de afonso poyart, com alessandra negrini, fernando alves pinto, caco ciocler, marat descartes e thaíde.
o documentário se passa no alto xingu e mostra a dificuldade da manutenção do repertório de canções pela tribo. é preciso cantar, aprender a cantar, ensinar a cantar, mas poucas mulheres sabem (só uma e outra) e muitas fazem troça ou corpo molhe.
as repetições das canções envolvem brincadeiras métricas, alterações de quando em quando, quebrando a regularidade exata dos ciclos; as mulheres atacam os homens, que curiosamente fogem ou demonstram cautela. o hábito de substituir uma letra séria (ritualística) por uma sacana (vulgar) existe, e é assim que elas cantam para um senhor índio que passa, dizendo que o sol murchou seu pênis.
na festa, há duas meninas, de pele mais branca que escondem o rosto com o cabelo: vou chamá-las de “filhas do antropólogo”. muitas outras não cantam, por não saber o canto; todas dançam, devidamente arrumadas.
as hiper mulheres (2011), direção e roteiro de carlos fausto, leonardo sette, takumã kuikuro.
dada uma certa atividade, não se deve ter a expectativa de que um ser humano seja mais capaz de lidar com as consequências da sua execução, do que dada qualquer outra atividade. um militar, tanto quanto um músico, lida igualmente mal com as consequências
das ações tomadas em pról da suas atividades. o princípio da equanimidade também abarca
se um militar, ao perceber-se surpreendido por aviões japoneses em pearl harbor, se expôe ao fogo, sofrendo queimaduras de segundo e terceiro grau em várias partes de seu corpo, tem com isso, sua dose de danos colaterais, blasfemará, com a mesma intensidade ao qual fará um músico que, tendo treinado sua escuta à exaustão, se vê morando em belém, entre dois prédios, dos quais
não se pode esperar mais competência de um médico do que de um músico, em termos gerais. o ser humano, quando executa qualquer atividade, está propenso a cometer equívocos, e o princípio da equanimidade postula exatamente isso.
é por isso que acreditar que médicos cometem menos erros que músicos é um engano, embora tal engano não seja fortuito: prezamos por uma vida tranquila; é preciso ter confiança de que as coisas vão dar certo.
se, por exemplo, um médico se distrai, e por sofrer de ambilevidade, esquece que deveria amputar a perna com a fita vermelha, e não o contrário, o paciente irá olhar feio para ele, mas não do mesmo modo que um ouvinte faria para um músico que, ao estragar a mais bela melodia, com um guincho involuntário, logo depois finge que nada aconteceu (no segundo caso, as mãos do ouvinte iriam às orelhas).
auto-pastiche de guy ritchie, já capturado por hollywood. divertido e com esplêndida fotografia noturna, mas que levanta uma dúvida incômoda: seria possível que as narrativas do lendário detevive, nos livros originais, fossem assim tão bobas, previsíveis, insossas?
(acredito que não, mas a pulga atrás da orelha já diz ao que veio)
em outra ocasião, sobre o primeiro filme da série (cujo roteiro é mais interessante, pero no mucho), já aconselhei o exercício: substituir o senhor downey jr. pelo também ilustre connery, quando jovem (penso no “dedo dourado”):
“qual o seu nome? / holmes, / sherlock holmes.”
sherlock holmes : a game of shadows (2011), de guy ritchie, escrito por michele e kieran mulroney, com personagens retirados da obra de conan doyle; com robert downey jr., jude law e jade harris.
se pudesse dizer duas coisas definitivas sobre o povo de são paulo, nesses tempos tranquilos de crescimento, conformidade, repressão leve e especulação, diria:
não pude colocar essa bela citação de lyotard na outra postagem: de um mesmo ponto de partida, os múltiplos caminhos ora entrecruzam-se, ora não, aparentam incompatíveis. e o quão estou longe desse bem aventurado vagar em colono.
“ao contrário, após descobrir que matou o pai e desposou a mãe, o músico experimental ‘moderno’ começa a caminhar sem tentar concluir e resolver suas experiências. ele esforça-se mais por alcançar uma vacância tal que ele possa se manter aberto para a vinda dos acontecimentos sonoros.”
(peregrinações. são paulo: estação libertade, 2000, p. 45)
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e duas visões do trágico: sócrates e o estrogonofe; burroughs e a maçã. no segundo casa há o episódio em colono, no primeiro, apenas o destino.
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e recomendo o livro: “hölderlin e sófocles; observações sobre édipo e observações sobre antígona”, de friedrich hölderlin e jean beaufret. rio de janeiro: jorge zahar editor, 2008.
“quão pequeno é um pensamento necessário para preencher uma vida inteira!
tal como um homem pode passar a sua vida a viajar em torno de um mesmo país e pensar que nada mais há para além dele!
vês tudo numa perspectiva (ou projecção) estranha: o país pelo qual continuas a viajar surpreende-te porque parece enormemente grande; os países que o rodeiam parecem todos pequenas regiões fronteiriças.
se quiseres ir mais fundo não necessitas de viajar para longe; de facto, não precisas de abandonar as tuas cercanias mais imediatas e familiares.”
(wittgenstein, l. cultura e valor. trad. jorge mendes, edições 70, 2000 (1980). pg. 78)
proverb (1985), de steve reich, para três sopranos, dois tenores, dois vibrafones e dois orgãos elétricos. o texto é a versão inglesa para a primeira frase apresentada acima: “how small a thought it takes to fill a whole life!”
roberto piva e a concatenação ambígua de substantivos, onde o nome é também uma adjetivação. lembro-me, e dentro da mesma tradição, de um dos meus livros prediletos, o “vaganundos iluminados” (dharma buns), do jack kerouac.
roberrrrto pî-va (pronúncia a lá fabbrini). é claro que também há muitos adjetivos, em sucessão, e por isso é fácil retirar do texto nomes – e o rock sempre aproveitou-se disto.
o seriado infantil “stopit and tidyup”: arrumetudo e parecomisso, realiza algo similar. imperativos paternais são transformados em nomes: comaseusvegetais, eudigonão, etc.
essa série foi bastante influente para mim, mas isso fica para outra postagem.