interstício

1. no conto “a cor que caiu do espaço”, de h.p. lovecraft, há momentos em que o alienígena parece se manifestar como qualidade e não como substância. em um texto sobre o conto, kate marshall reforça essas perplexidades: a percepção dessa adição (do estranho), quando entre a vigília e o sono, mostra algo que não pode ser nem verdadeiro nem falso (pois não-verificável).

2. imaginemos um outro ser espacial, que ocupa os entre-espaços de um objeto, mas de forma miraculosa, no próprio objeto, de forma a se movimentar sincronizando e dessincronizando seus estados de interstício com outras formações corporais. não seria possível falar de hospedeiros. mas haveria uma certa rigidez repentina, um sentimento de estafa, dispnéia, uma tensão a mais.

3. deleuze aponta que, para leibniz, o fundo do espírito é sombrio e exige um corpo. extrapolo aqui: quando as pequenas percepções estão no limiar de sua ampliação, ocorrem relances, percepções vagas, formas de passagem desajustadas. é aí que se alastra o horror da transformação (deformação).

4. meus poros formam labirintos. o oco do meu interior é meu exterior. na cyclonopedia, reza negarestani fala de nemat-spaces – espaços de nematóides.

5. expresso primeiro um mal estar, ânsia, enjôo. em seguida, isso toma corpo:começo a estranhar aqui e ali movimentações suspeitas em mim. finalmente, das minhas narinas caem vermes.

6. penso minha casa, em sua relação com as formigas, mais ou menos assim. as paredes são espaços ocos de comunicação com as forças insurgentes.


postado em 25 de outubro de 2016, categoria comentários : , , , , , , , , , , , , , , , ,

cinco poemas-plágio roubados de júlia de carvalho hansen

1.
acordo em estado de parede
metade da vida é faxina
a outra metade?
regresso do pó

2.
comigo o amor é o cavalo (eu sou apenas um cavalo)

3.
naquela época eu acordava mais cedo do que eu porque
era a aventura social do mundo

4.
como eu faço para ter aquilo que já tenho?
penso o destino como um queijo suiço
escrevo sem parar que é para amanhã não ter ideias

5.
tua ausência fertiliza o importante
os perigos da solidão a dois

{de alforria blues ou poemas do destino do mar, de júlia de carvalho hansen. belo horizonte: chão de feira, 2013}


postado em 2 de setembro de 2014, categoria prosa / poesia : , , , , , , , , , ,