shifgrethor

paulo costa foi colega e coordenador da escola na qual trabalhei (oi kabum! bh); além do suporte e apoio, era um sujeito que entendia meu humor de hora do intervalo, em especial quando se tratava do atroz e do absurdo. como sua audição não era boa e tinha gosto pela disciplina da história, além de entender da roça, éramos suficientemente diferentes para eu conseguir ficar quieto, escutando, sem interromper seus causos. dado seu apreço pelo dizer circular, indireto, e por diversas formas do subentendido, foi numa dessas ocasiões que formulei: mineiros seguem a honra das sombras. de modo que, numa comparação com o clássico de ursula le guin, a mão esquerda da escuridão, paulistas seriam orgoreynianos e mineiros karhidianos.

um dia ele me recomendou ler a parte maldita, de georges bataille:

Os seres que nós somos não estão dados de uma vez por todas: surgem propostos a um crescimento de seus recursos de energia. Na maior parte do tempo, fazem desse crescimento, para além da simples subsistência, sua finalidade e sua razão de ser. Mas, nessa subordinação ao crescimento, o ser dado perde sua autonomia, subordina-se ao que será no futuro, devido ao aumento de seus recursos. O crescimento, na verdade, deve se situar em relação ao instante em que ele se resolverá em puro dispêndio. Essa, porém, é precisamente a passagem difícil. Com efeito, a consciência a isso se opõe, no sentido de que ela busca apreender algum objeto de aquisição, alguma coisa,  e não o nada do puro dispêndio. A questão é chegar ao momento em que a consciência deixará de ser consciência de alguma coisa. Em outros termos, adquirir consciência do sentido decisivo de um instante em que o crescimento (a aquisição de alguma coisa) se resolverá em dispêndio é exatamente a consciência de si, ou seja, uma consciência que não tem mais nada como objeto.

{autêntica, trad. júlio castañon guimarães, p. 166}

em seguida, lembro de ter argumentado (talvez a única pessoa na época, para mim), quando da eleição na qual dilma concorria ao segundo turno, que se ela ganhasse a instabilidade política seria o equivalente daquilo que de fato foi, tempos depois. tentei convencê-lo a se interessar pelo livro de le guin. emprestei-o e insisti que ele deveria ler, não pela ficção científica, mas pelo valor da elucidação política. devolveu-me meses depois, após pedir mais um tempo “para tentar de novo a leitura”. uma vez disse: um educador nunca desiste (o seu trabalho é nunca desistir); mas sabia que desistir era, dependendo do contexto, parte do processo.


postado em 15 de dezembro de 2016, categoria comentários : , , , , , , , , , , ,