des-desaceleracionismo

Embora a imagem cuidadosamente selecionada do capitalismo seja a de um dinamismo de assunção de riscos e inovação tecnológica, essa imagem de fato obscurece as fontes reais do dinamismo na economia. Desenvolvimentos como as ferrovias, a internet, a computação, vôos supersônicos, viagem espacial, satélites, farmacêuticos, softwares de reconhecimento de voz, nanotecnologia, ecrã tátil e fontes limpas de energia foram todos nutridos e guiados por estados e não corporações. Durante a época de ouro  da pesquisa e desenvolvimento do pós-guerra, dois terços da pesquisa e desenvolvimento foi financiada publicamente. E as décadas recentes viram o investimento em tecnologias de alto-risco declinar drasticamente. Com o os cortes neoliberais de despesa estatal, não é surpreendente que mudanças tecnológicas tenham diminuído após 1970. Em outras palavras, é o investimento coletivo, e não o privado, que tem sido o principal motor do desenvolvimento tecnológico. Invenções de alto-risco e novas tecnologias são muito arriscadas para o investimento privado dos capitalistas; figuras como Steve Jobs e Elon Musk maliciosamente ocultam sua dependência parasita a desenvolvimentos estatais. Da mesma forma, projetos bilhonários de larga escala são em última instância impulsionados por objetivos não-econômicos que excedem qualquer análise de custo-benefício. Projetos dessa escala e ambição são na verdade entravados por limitações de mercado, pois uma análise sóbria da sua viabilidade em termos capitalistas os revela como profundamente indesejáveis. Adicionalmente, alguns benefícios sociais (oferecidos por uma vacina contra o Ebola, por exemplo) não são buscados devido ao seu pequeno potencial lucrativo, enquanto em algumas áreas (como energia solar e carros elétricos), capitalistas são vistos ativamente impedindo o progresso, fazendo lobbies para acabar com subsídios a  energias renováveis e implementando leis para obstruir desenvolvimentos futuros. A indústria farmacêutica inteira fornece uma ilustração devastadora dos efeitos da monopolização da propriedade intelectual, enquanto a indústria da tecnologia é cada vez mais atormentada por trollagem de patentes. O capitalismo portanto atribui erroneamente as fontes de desenvolvimento tecnológico, veste a criatividade de uma camisa-de-força de acumulação de capital, restringe a imaginação social dentro dos parâmetros de análises de custo-benefício, e ainda ataca inovações anti-lucrativas. Para desencadear o avanço tecnológico, nós precisamos nos mover além capitalismo e liberar a criatividade dos seus atuais pontos de estrangulamento.

{inventing the future: postcapitalism and a world without work (inventando o futuro: pós-capitalismo e um mundo sem trabalho, verso books, 2016), nick srnicek e alex williams (tradução minha, p. 178-9)}


postado em 1 de maio de 2017, categoria citações, tradução : , , , , , ,

neoliberalismo

sempre corrijo mentalmente as palavras democracia por “oligarquia consultiva” e neoliberalismo por “oligarquismo estatal-econômico”, quando se referem à realidade brasileira. jacques rancière tem um bom livro, defendendo usos melhores para a palavra democracia (ódio à democracia, boi tempo, 2014). em inventing the future: postcapitalism and a world without work (inventando o futuro: pós-capitalismo e um mundo sem trabalho, verso books, 2016), nick srnicek e alex williams, fornecem uma boa definição, mais geral, para o neoliberalismo (tradução minha, p.53):

Enquanto liberais clássicos advogavam respeito por uma esfera naturalizada supostamente fora do controle estatal (as leis naturais do homem e do mercado), neoliberais entendiam que os mercados não são ‘naturais’. Mercados não emergem espontaneamente assim que o estado se afasta; ao invés, eles precisam ser conscientemente construídos, às vezes de baixo para cima. Por exemplo, não há um mercado natural para os bens comuns (água, ar fresco, terreno), ou para assistência médica, ou para educação. Esses e outros mercados precisam ser construídos através de um conjunto elaborado de constructos materiais, técnicos e legais. Mercados de carbono requereram anos para serem construídos; mercados de volatilidade existem em larga parte em função de modelos financeiros abstratos; até mesmo os mercados mais básicos requerem desenhos intrincados. Portanto, sob o neoliberalismo, o estado assume o papel significativo de criar mercados ‘naturais’. O estado também tem um papel importante de sustentar esses mercados – o neoliberalismo demanda que o estado defenda os direitos de propriedade, faça cumprir os contratos, imponha leis antitruste, reprima o dissenso social e mantenha a estabilidade dos preços a todo custo.


postado em 5 de abril de 2017, categoria citações, tradução : , , , , , ,