a regra de não ter regras

quando digo que a improvisação livre não tem regras, alguns acham que estou dizendo que a regra da improvisação livre é a de que não tem regras. o problema de pensar assim, entretanto, é o seguinte. temos primeiro uma frase imprecisa mas bem definida no que precisa, isto é, no fato de que no gênero em questão há uma negação do aspecto regrado de outras práticas. já na segunda temos um problema. porque ter regra nenhuma passa a ter uma regra, a regra do regra nenhuma. pra complicar, isso também deveria implicar que algo com uma regra, na verdade, teria duas regras: a regra mais a regra de ter uma regra. e então temos essa situação em que começamos a pensar: talvez a palavra regra esteja sendo utilizada em mais de um sentido. e então somos mergulhados na perplexidade; encontramos um problema do uso da palavra? acho que quando fazemos isso queremos forçar no uso da palavra uma consistência que ela não possui. isto é, que queremos alterar o significado da palavra pra dar lugar àquela transparência “lógica” que gera obscuridade e mistificação. o budista não deseja ter nenhum desejo, ele busca não desejar nada. ele deseja buscar não desejar nada? é uma pergunta estranha e não é absolutamente a mesma coisa que antes. imaginem, por exemplo, se eu resolver a questão e disser: na improvisação livre só há esta regra. (qual? esta.)


postado em 9 de julho de 2019, categoria aforismos : , ,

histórias do undo

era um bebe que nasceu falando. os cérebros das pessoas acharam aquilo tão absurdo que imediatamente converteram aquela fala bem articulada (significados) em ruídos e balbúcios sem sentido.

o dia ia começando cada vez mais tarde. um pouquinho aqui, um segundinho ali. o objetivo do dia era virar noite sem que ninguém percebesse, invertendo. a noite o acompanhava, indulgente. para ela não importava. continuaria tudo o mais 12 por 12.

em um determinado dia, finalmente O EVENTO: tudo o que era azul passara a ser verde e tudo o que era verde passara a ser azul. então, nada de verdul ou azerde. as pessoas, entretanto, agora chamavam as cores por nomes trocados.

como a mente e o corpo são distinta e claramente separadas, então essencialmente díspares, um corpo de homem em uma cena, sua dome a torturá-lo, SSC etc, sofria, enquanto sua união com a mente jubilava, e sua mente pensava na falta de necessidade ontológica para a existência da palavra de segurança.

era uma estrela negra, a black star, non shining, sem brilhar, não brilhando naquela noite noturna, em toda a sua ominosa sombrietude. no céu, pontos luminosos. mas não ela.

kim jong-un estava primeiro a olhar coisas. depois passou a não-olhá-las. passou a se chamar kim jong, mas apenas secretamente.

ao se tornar imperador supremo, seria lhe outorgado finalmente o selo mental que dizia: agora, desde agora, a partir e então, todos os seus pensamentos são e serão seus, de você.

antes do undo as vores eram vores e depois do undo.

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(essa série, apesar das datas das postagens, é de dez 2012, jan 2013. vide)

 


postado em 5 de fevereiro de 2019, categoria prosa / poesia : , , , , , , , , , , , ,

do silêncio, poesia

se existe alguma chance de que a linguagem primitiva / antiga esteve mais próxima do ser, como queria heidegger, ou então, como dizia emerson: “language is fossil poetry“, de que no começo, era a poesia, uma coisa é certa para mim: isso só é concebível pensando os antigos, os originários, como humanos lacônicos, imersos em silêncio, com apenas algumas raras ocasiões de necessidade comunicativa; não o dizer do modo antigo que aproxima, mas o não dizer.

arthur, em sylvie e bruno, de lewis carroll, relaciona esssa distância com a instituição da igreja.

Por que razão não nos deixam gozar as belezas da natureza sem que o tenhamos de o dizer a cada minuto? Por há-de a vida ser um longo catecismo?


postado em 28 de novembro de 2016, categoria comentários : , , , , , ,

politicamente correto #1

comparemos duas frases.

1. ah, os brasileiros são amáveis.

2. não passa de um paulista (os paulistas são frios e mesquinhos!).

imaginemos um paulista amável (precisamos pensar o que é ser um paulista, nessa frase, e também em outros contextos, e também como alguém pode ser e ainda ser frio). agora imaginem um brasileiro (paulista?) que está ofendido por ter sido chamado de amável. ele tem orgulho de sua frieza. seriam as reações iguais?

(é possível usar tanto brasileiro como paulista de um modo pejorativo; eu mesmo já presenciei usos desse tipo. entretanto, também existe a possibilidade do modo laudativo; para mim, a mudança de modo quase nunca está relacionada com o desgosto na recepção)

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o fato de não existir racismo reverso, como exemplificado nessa ótima piada, não coloca em questão o fato de existirem diversos racismos e diferentes pesos e usos para a palavra racismo. e da mesma forma que ed motta poderia pensar sobre não apenas os preconceitos em si, mas como eles moldam a utilização da linguagem como uma série de generalizações apressadas e excludentes (especialmente se houver um pedreiro na europa, fã de chapter 9), podemos pensar: na moeda da moral, escolhemos só um lado?

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a) o politicamente correto não é caracterizado por atentar ao uso genérico da linguagem, mas pela tentativa de, no uso genérico, ser neutro.

b) não seria melhor ser mais específico? (mas com isso perdem-se as capacidades semi-functivas da linguagem – quando de um caso projetam-se mais casos porvir, com graus diferentes de possibilidade de acerto e cuidado de definição).

c) e quando se cai no que a linguagem revela, estamos aí num domínio próprio da representação. o quanto acreditamos nesse domínio, reflete o quanto levamos a sério o modo representativo (isso não impede de sermos mais ponderados e enxergar os textos como índices apenas) (não precisamos confluir ser e linguagem).


postado em 15 de abril de 2015, categoria comentários : , , , , , , , , , , , ,