política

se a filosofia é a arte conceitual cujo material é o pensamento (rosi braidotti falando sobre françois laruelle), então a política é a arte conceitual cujo material é o poder. nisso, a essência do poder continua sendo a estética, de toda forma (o que não tem, ao que parece, relação direta nenhuma nem com o belo nem com o bom).


postado em 7 de junho de 2016, categoria aforismos : , , , , , , , ,

a ontologia de feyerabend: pluralista, diacrônica, apofântica, empírica e democrática

tradução minha para a postagem de 02 de fevereiro de 2016, por terence blake, no seu blogue agent swarm.

Eu tenho examinado a filosofia continental recente em termos de 5 critérios de avaliação: pluralismo, diacronicidade, apofatismo, testabilidade e democracia. Para complementar essa análise eu gostaria de considerar o caso da filosofia última de Paul Feyerabend, como esboçada na sua correspondência, livremente disponível, com Isaac Ben-Israel, que ocorreu por um período de dois anos, se estendendo de setembro de 1988 a outubro de 1990.

(1) Pluralismo: Feyerabend é bastante conhecido por sua defesa de um pluralismo prático e teórico.

Mas poder-se-ia objetar que Feyerabend é um relativista e que a “pesquisa empírica” para ele poderia resultar em qualquer resultado que se deseje, porque no seu sistema “tudo vale” [anything goes]. Entretanto a melhor formulação para esse slogan polêmico é “tudo poderia funcionar (mas geralmente não funciona)” [anything could work (but mostly doesn’t)].

a realidade (ou o Ser) não tem estrutura bem-definida mas reage de modos diferentes a diferentes abordagens. Se abordado ao longo de décadas, por experimentos de uma complexidade cada vez maior, ele produz partículas elementares; se abordado de um modo mais “espiritual”, produz deuses. Algumas abordagens não levam a nada e colapsam.

(2) Diacrônica: por este motivo que Feyerabend às vezes recusa o rótulo de “relativista”, pois, de acordo com ele, “o relativismo pressupõe um quadro de referências fixo”. Para Feyerabend, a existência difundida de comunicação entre pessoas pertencentes a estruturas aparentemente incomensuráveis mostra que a noção de um quadro de referências que é fixo e impermeável tem uma aplicação apenas limitada:

pessoas com diferentes modos de vida e diferentes concepções da realidade podem aprender a comunicar umas com as outras, muitas vezes sem mesmo uma virada-gestáltica [gestalt-switch], o que significa, no que me concerne, que os conceitos que eles usam e as percepções que eles tem não estão resolvidas de uma vez por todas mas são ambíguas (32).

(3) Apofântica: Feyerabend distingue entre o Ser como realidade última, o qual é tanto indizível quanto incognoscível, e as realidades manifestas múltiplas que são produzidas através de nossa interação com ele, que são elas mesmas cognoscíveis. Aborde o Ser de um modo, ao longo de décadas de experimentos científicos, e ele produz partículas elementares, aborde-o de outro modo e ele manifesta os deuses homéricos:

Eu então distingo entre uma realidade última, ou Ser. O Ser não pode ser conhecido, nunca (eu tenho argumentos para tal). O que nós sabemos são as várias realidades manifestas, como o mundo dos deuses gregos, a cosmologia moderna etc. Estas são o resultado da interação entre o Ser e uma de suas partes relativamente independentes (32).

(4) Empírica: a diferença entre o pluralismo de Feyerabend e o relativismo é que nem todas as abordagens aos modos de existência são viáveis. Não há garantia que qualquer abordagem vá funcionar. O Ser é independente de nós e pode responder positivamente, o que frequentemente não é o caso.

Algumas abordagens não levam à nada e colapsam. De modo que eu diria que diferentes sociedades e diferentes epistemologias podem revelar diferentes aspectos do mundo, desde que o Ser (que tem mais de um aspecto) reaja apropriadamente (31).

(5) Democrática: Feyerabend conclui que a determinação do que é real e o que é simulacro não pode ser prerrogativa para uma ontologia abstrata e então de intelectuais que a promulguem.

Não há um quadro de referências fixo (diacronia), as realidades manifestas são múltiplas (pluralismo), o Real ou o Ser é incognoscível (apofantismo), e a experiência não pode preescrever nossa visão de mundo, mas pode excluir muitas cosmologias propostas (testabilidade).

Assim, a determinação do que é real depende da sua escolha em favor de uma cosmologia, de uma forma de vida ou outra, isto é, de uma decisão política. Isso leva Feyerabend a concluir:

uma epistemologia (mas o mesmo vale para a ontologia) sem política é incompleta e arbitrária (22).


postado em 15 de fevereiro de 2016, categoria reblog, tradução : , , ,

fantasma

em o senhor das moscas, william golding (alfaguara, 2014, p. 102), escreve:

“O problema é o seguinte, Porquinho. Fantasma existe? Ou monstro?”
“Claro que não.”
“Por que não?”
“Porque aí as coisas não iam fazer sentido. As casas, as ruas, e – a TV – nada ia funcionar.”
Os meninos que dançavam e repetiam seu refrão tinham se afastado, e afora o som que produziam era apenas um ritmo sem palavras.
“Mas e se elas não fizerem sentido? Não aqui, na ilha? Se tiver alguma coisa vendo tudo o que a gente faz, e só esperando?”

ali delineam-se os seguintes problemas:

  • o problema de não dominar a técnica.
  • o problema de não estar em presença da técnica.

mais adiante (p. 153), o complemento desses dois é exposto:

“Estou com medo.”
Viu Porquinho levantar os olhos; e continuou a falar, de maneira confusa.
“Não do mostro. Quer dizer, dele também. Mas ninguém mais entende como a fogueira é importante. Se você está se afogando e alguém joga uma corda. Se o médico diz que você precisa tomar um remédio pra não morrer – você aceita, não é? Quer dizer -“

  • o problema da alienação.

numa ilha, a reestruturação da técnica se dá com pinturas no rosto, cerco a porcos, cantigas em roda. selvageria do ocidente que regride a partir de si mesmo. no entanto, pensando numa sociedade em presença da técnica científica, a alienação do tipo “pedra mágica” (falta de domínio da técnica, falta de crença no todo que permite o domínio da técnica) permite também a coexistência da selvageria supersticiosa. se fosse uma letra de rock, o refrão que resumiria esse ponto seria:

from black box to magic stone, back to god.


postado em 24 de janeiro de 2016, categoria citações, livros : , , , , , , , , , ,

heidegger e a virilidade

o pau brocha: argumento heideggeriano contra o dildo.

“o próprio martelar é que descobre o manuseio específico do martelo” (o ser e o tempo, $15) e “a ferramenta está quebrada, o material inadequado. de qualquer forma, um instrumento está aqui, à mão” (idem, $16).

 


postado em 27 de outubro de 2015, categoria comentários : , , , , , ,

transversalismo

numa carta para michel cressole, autor de deleuze (eu não li), deleuze enfatiza a noção de transversalidade. parece sincero, tal como um adorno frente ao ativismo nas ruas: prefiro o grande hotel abismo. adorno também estava a praticar a transversalidade e hume diria que é de fato possível ter os mesmos efeitos por meios totalmente outros. frente à frente homossexual de ação revolucionária, o importante ainda é o importante – que cada um consiga aceitar sua própria solidão.

certo. mas então por que preciado insiste em chamar seu texto, no manifesto contrassexual, de a filosofia como modo superior de dar o cu? o que num momento irritado me permitiu escrever a um grande amigo “e depois, à lá deleuze, você diz que é devir-mulher ou então hermafrodita molecular. e eu como radfem-molecular digo que transversalismo é um grande engodo patriarcal.”


postado em 29 de agosto de 2015, categoria comentários : , , , , , , , , , , ,

teologia

1. existem mais deuses do que coisas.

2. para cada coisa, a probabilidade de que mais de um deus correspondente seja necessário, é muito grande.

3. a conquistada aparência de homogeneidade se dissipa frente a heterogeneidade complexa e abundante de causas últimas.

4. tales de mileto, o mesmo que disse da água, que ela era a causa material de todas as coisas (mas o que ele quis dizer por <água>?), também escreveu: “todas as coisas estão cheias de deuses”.


postado em 8 de maio de 2015, categoria comentários : , , , , ,

esquecimento

estava pensando numa postagem – ia chamá-la “dois sonhos”. só que simplesmente esqueci um dos sonhos. e fiquei assim encucado, esquecendo. ia ser uma postagem bem mais legal que essa. o que leva a comentar sobre o esquecimento. porque se o esquecimento fosse de fato um sumiço completo, ele não mostraria nem a ausência de algo e não poderia inclusive ser uma questão. como eu comentaria de um sonho que esqueci se tivesse esquecido que esqueci o sonho. e ainda assim, lembraria de alguma falta, algo que fica lá cutucado. penso nos pares – esquecer/lembrar, perder/encontrar. porque alertar alguém que este esqueceu de algo não é o mesmo que a sensação resultante de esquecer algo.


postado em 13 de março de 2015, categoria comentários : , , ,

grama

a grama dos outros é realmente sempre mais verde. a questão é saber se a melhoria em qualidade faz parte da gramática da palavra “outros” ou da palavra “verde”. comparem:

a. a grama dos outros (é mais verde).

b. a grama é verde (a dos outros).


postado em 9 de março de 2015, categoria aforismos : , , , ,

para além ou aquém

é o real.

{em anti-édipo, deleuze e guattari escrevem:

Isto porque o próprio inconsciente não é estrutural e nem pessoal; ele não simboliza, assim como não imagina e nem figura: ele maquina, é maquínico. Nem imaginário nem simbólico, ele é o Real em si mesmo, o “real impossível” e sua produção.

editora 34, 2010, p.75-6}


postado em 31 de julho de 2014, categoria aforismos : , , , , ,

lendo cabrera, a ética e suas negações, #2: sobre hitler

1. Não é que devamos erigir um conjunto de princípios morais para evitar que Hitler legitime seus homicídios idiotas, pois não haveria nenhum princípio desse tipo que o próprio Hitler não pudesse usar em seu benefício. A resistência contra alguém como Hitler ou Stalin não pode significar, em absoluto, uma luta ‘pelos valores autênticos’, ‘pela civilização’, ‘contra a barbárie’ e justificativas semelhantes. Para defender-me, não preciso de uma moral. [69]

2. Os discursos acerca de desastres sociais (guerra nuclear, extermínio judeu, terrorismo etc.) transformam-se, quase insensivelmente, em discursos apologéticos do ser, como quando se fala que uma guerra nuclear seria ‘o fim da nossa civilização’, como se a civilização sem a guerra nuclear existisse, ou como quando se fala do nazismo como da ‘barbárie’, como se alguma vez estivéssemos totalmente fora dela. Utilizam-se retoricamente esses fenômenos sociais, nos quais a condição humana é aumentada a tamanhos imensos, para mostrar que a vida sem esses fenômenos seria ‘civilizada’, livre, não bárbara e ‘verdadeiramente humana’. (Nada como a presença de um monstro para vender a bom preço a ideia de ‘humano’.) [85-6]

3. Hitler continua sendo o grande impulsor da reflexão ética contemporânea: a astúcia da indeterminação se manifesta clara e ironicamente nas condenações éticas das ações de Hitler baseadas em posições filosóficas contrárias umas das outras: para Adorno, Hitler foi possível devido à aplicação irrestrita da racionalidade burocrático-formal, cujo paradigma é a lógica analítica; para Popper, ele foi possível devido à introdução da irracionalidade dialética e do assalto ao princípio da não contradição. Cômico, extremamente cômico! Dada uma filosofia qualquer, é só questão de habilidade e tempo livre fazer com que as ações de Hitler se deduzam dela. O caminho da argumentação é infinito, e da Bíblia a Mein Kampf há apenas o fio de um silogismo.” [103-4]

4. Enquanto os filósofos morais proclamam ser apenas ‘cientistas’, e não pregadores morais, Hitler aproveita para matar alguns milhões. (Hitler conseguiu fazer alguma coisa no terreno da moralidade, assumindo fortemente uma improvisação moral baseada na criação de valores. Não foi publicada uma única obra filosófica de moral que realimentasse tanto a reflexão moral quanto a ‘Solução final’.) [107]

{cabrera, julio. a ética e suas negações. rocco, 2011}


postado em 1 de maio de 2014, categoria excertos : , , , , , ,