6 livros não muito bem avaliados, 2 a 2

1. os dois piores livros que li em 2016 foram metafísicas canibais, de eduardo viveiros de castro, e synthethic philosophy of contemporary mathematics, de fernando zalamea. ambos falam, de um ponto de vista filosófico, sobre recentes avanços em certa área: antropologia e matemática. mas exigem do leitor um conhecimento vasto nessas especificidades, bastante acadêmico (de tipos de correntes e operações), ainda mais por justamente não se aterem a explorar de fato nenhum exemplo específico destas (do qual o leitor poderia obter informações e fazer inferências). enquanto metafísicas leva ao pé da letra seu prefácio, que diz tratar-se de um livro vago e excessivamente geral, como um rascunho de um livro não-escrito, synthetic parece um enorme resumo criptografado do trabalho do próprio autor, usando uma quantidade enorme de conceitos que aparecem como um encantamente mágico para aí existe novidade. de modo que, adicionalmente, mesmo tendo interesse pelos assuntos tratados, devo dizer que o de zalamea é incompreensível, com quase 400 páginas que soam exotéricas nível “hegel para desavisados”, e que levam o leitor a deslizar de palavra a outra, sem com isso obter quase nenhum sentido das frases. de castro, por outro lado, soa por vezes como um sermão professoral, em que nomes de correntes, operações e metodologias passam rapidamente, dando a impressão de que o leitor deveria estar inteirado inclusive das picuinhas universitárias entre profissionais de inclinações diversas. se são livros para leigos, o são no pior sentido: como alguém diz de um quadro a um não conhecedor de arte: não se preocupe, é muito bonito. se são livros para entendidos, então sofrem de problemas parecidos com os apresentados em abaixo, em (2).

2. não sei qual o problema das pessoas em fazerem listas de recomendações e apresentá-las com pequenos textos introdutórios e indicativos. existem inclusive alternativas, como postagens enredadas em hyperlinks (os tais dos caospatches, remendoscaos). pois livros inteiros que se dispõem a apresentar um cenário panorâmico de algo são em geral enfadonhos, ao mesmo tempo em que indicam uma quantidade desmesurada de leituras possivelmente interessantes (muitas vezes, com títulos do próprio autor). minha questão: dado que a principal tática é mostrar que há muito o que ser explorado, porque não tentar ser maximamente efetivo em relação a isso, montando o livro de modo mais conciso e técnico, ou então, realmente articulando exemplos curiosos e pedagógicos, falando a partir deles. the post-human, de rosi braidotti, e superintelligence: paths, dangers, strategies, de nick bostrom, sofrem por ficarem no meio termo: são panoramas genéricos, ao mesmo tempo que querem ser contribuições para os assuntos. dessa forma, os problemas que aparecem são vagos, esfumaçados – e gerais demais para serem úteis. é isso que é mapear? minha preocupação aqui é que parecem mapear o mapa (e no caso de bostrom, obviamente, nem é possível saber como é a cidade; o exemplo que menos gosto – quando ele fala da dificuldade de programar o que é o conceito de bom para uma inteligência artificial – ou seja, falar da dificuldade de programar algo que nem sabemos como seria possível pensar a programação).

3. existe um estilo de prosa que parece indicar que a sociologia nada mais é que uma filosofia em alta velocidade, acelerada afim de dar conta do que ocorre na sociedade. mas o escaneamento que é assim obtido traça conexões a partir de ideias e não de dados – é uma profundidade para cima, adquirida por ascensão; não são informações cavadas a partir da superfície, mas conceitos desvelados sob uma visão do geral. e por mais que ambos os livros sejam interessantes e tenham ideias (han mais que crary), não deixo de ficar desapontado com 24/7, de jonathan crary, e a sociedade do cansaço, de byung-chul han; por parecerem sabichões, às vezes penso que escreveram meras opiniões. e então, como tudo passa rápido, boa parte é absorvido como puro achismo.


postado em 6 de janeiro de 2017, categoria resenhas : , , , , , , , , , , , ,

descoberta-invenção

li o livro synthethic philosophy of contemporary mathematics, de fernando zalamea, entendendo muito pouco. no site da urbanomic consta que é um livro para leigos. mas não ter notação matemática de modo algum significa isso. a matemática, da década de 50 para frente, se ramificou muito e criou inúmeros novos conceitos; e isso a ponto de zalamea poder escrever quase 400 páginas que soam exotéricas nível “hegel para desavisados”. de forma que um leitor como eu (que estudou na universidade matemática apenas até estocásticos e séries infinitas de integrais) lê o livro deslizando de uma palavra a outra sem com isso obter quase nenhum sentido das frases, e em dúvida do real significado das palavras.

traduzi um depoimento (pg. 152-3) do figurão da matemática contemporânea, alexander grothendieck. este, apesar de não ilustrar a resenha acima, é de interesse pelo modo com que articula inventar e descobrir. se algum leitor desse blogue entende de teoria das categorias e quiser me indicar leituras e vídeos, agradeço.

A estrutura de uma coisa não é de modo algum algo que nós possamos ‘inventar’. Nós podemos apenas pacientemente, humildemente colocá-la em jogo – fazendo a conhecida, ‘descobrindo-a’. Se há inventividade nesse trabalho, e se nos acontece de realizar algo como que o trabalho de um ferreiro ou de um pedreiro incansável, isso não é nada como a ‘formação’ ou a ‘construção’ de estruturas. Elas não esperam por nós para ser, e para ser exatamente como elas são! É, pelo contrário, para expressar, o mais fielmente que podemos essas coisas que estão sendo descobertas e sondadas – essas estruturas reticentes para as quais nós tentamos tatear nosso caminho com uma linguagem talvez ainda balbuciante. E então nós somos levados a constantemente ‘inventar’ a linguagem que possa expressar, cada vez mais finamente, a estrutura íntima da coisa matemática, e ‘construir’, com a ajuda dessa linguagem, completamente e passo a passo, as ‘teorias’ responsáveis por dar conta do que foi apreendido e visto. Há um movimento contínuo e ininterrupto de vai-e-vem aqui, entre a apreensão das coisas e a expressão do que foi refinado e recriado enquanto o trabalho corria, sob a constante pressão das necessidades imediatas.


postado em 17 de junho de 2016, categoria resenhas : , , , , ,