devolver o favor

no documentário instrument, do grupo fugazi, eles comentam sobre como o contato com algumas bandas foi impactante em suas vidas – “tantas bandas explodiram nossas mentes ao longo dos anos”. E se perguntam se podem devolver o favor, no seguinte sentido: será que a grande motivação não será devolver o favor?

acho que esse tipo de motivação, ao juntar o impulso criativo com a propensão altruista, vale para tudo quanto é atividade significativa, mas há um adicional nas artes. é que é mais comum associar artes com a estética. e o que qualifica a estética são as experiências estéticas. eu acho que ter a mente explodida é ter uma experiência estética incrível.

o interessante de colocar as coisas nesses termos é que somos obrigados a priorizar a experiência estética, em relação ao julgamento estético: é a revelação que impulsiona o movimento. ela que é o favor, que então nos desafia a que seja devolvido. o julgamento sobre aquela banda, aquela música, aquela obra de arte, aquela experiência, segue e é importante. sem ele não será possível ter alguma chance de devolver o favor. esse movimento impede que a experiência seja sequestrada em favor do julgamento estético, das críticas, do significado, da análise da obra.

há nisso uma dialética. porque também muitas vezes componentes cognitivos, que envolvem lidar com os julgamentos estéticos e realizá-los, influem não apenas na nossa avaliação, mas na experiência do objeto em questão e na experiência da nossa avaliação (quando prestamos atenção na experiência que temos quando avaliamos algo). dá pra pensar na leitura de livros sobre esse viés: aquele momento do frio na espinha quando entendemos uma ideia, quando um conceito surge reluzente, quando uma fórmula muito perspicaz é avançada, quando uma abordagem reveladora se firma. porque a experiência de um texto ou de uma música inclui já nossas elocubrações e pensamentos sobre esse texto e música e sobre o que ele nos causa, juntamente com as sensações que ele provoca. então, não é que existe algo imediato – as sensações, e algo claramente mediado, separado, a cognição sobre. existe pensamento posterior, mas existe pensamento conjunto à experiência. e pensamentos modulam, reforçam, disparam emoções.

de toda forma, do ponto de vista da produção, aquele heroísmo dos que fornecem a dádiva (talvez seja isso que querem dizer com “a arte nos fornece uma promessa de felicidade”), o heróico daquela experiência (cognitivo-)estética, nos servirá de guia para julgamentos e ações que resultem na criação de outras experiências etc.


postado em 23 de setembro de 2020, categoria comentários : , , ,

política

se a filosofia é a arte conceitual cujo material é o pensamento (rosi braidotti falando sobre françois laruelle), então a política é a arte conceitual cujo material é o poder. nisso, a essência do poder continua sendo a estética, de toda forma (o que não tem, ao que parece, relação direta nenhuma nem com o belo nem com o bom).


postado em 7 de junho de 2016, categoria aforismos : , , , , , , , ,