vizinhos de são paulo, anos atrás

1. paravam o carro na frente de sua casa. um dia, basta! pegou uma marreta e marretou o carro da vez.  “esse nunca mais para aqui”.

2. como sua tia era sapatona e ele perturbado pelo diabo, de tempos em tempos via sua casa como morada do demônio. era bombado e cocainômano e esmurrava o portão, gritando. em algum ponto seu pai começava a resmungar, em um paulistano carregado, “que é que eu fiz pra merecer isso”. a polícia vinha. a família desistia de prestar queixa. a polícia ia embora. o sujeito acalmava. tudo voltava ao normal. mas era preciso desentortar o portão.

3. a casa tinha um muro à lá índia, 4 metros de altura. acima dele, cerca elétrica. do alto, câmeras de segurança observavam os transeuntes. a empregada, entretanto, possuía a chave, os roubou e nunca mais apareceu.

4. era um sábado especial e estávamos fazendo mais barulho que o habitual. mas pararíamos às 23h. então, contravenção pouca, passaríamos apenas uma hora das dez. só que de repente, já no último show, há uma senhora de óculos e pijamas de pé na sala, com cara de indignada e procurando algo. achando, a vizinha segue até a tomada que tem mais coisas ligadas e puxa a extensão, desligando todo o som.

5. havia um mandato policial contra a posse de animais de estimação por parte dela. ainda assim, a tentação era grande, as ruas repletas, e ela não resistia e acumulava cachorros. o gradual aumento do coro de latidos nos indicava como ia a matilha.

6. a infiltração nos anexos estava brava. subimos na escada. o vizinho havia colocado uma estaca, deslocando o rufo entre os muros. preso à estaca havia um fio, para estender roupas. de lá víamos o lixo acumulado do restaurante japonês. talvez nossos ratos fossem lá comer. provavelmente.


postado em 3 de fevereiro de 2019, categoria crônicas : , , , ,

alvinismos

exceto os poemas-coleta de uma, duas ou três linhas, posso dizer que não gosto do que francisco alvim escreve (há excessões talvez, ou apenas uma, anamnese). entretanto, essas minicrônicas valem toda uma antologia e mais: pena que não são tantas. resta a algum espírito jovial registrar em mesmo estilo, durante toda uma vida, tais maravilhas que, de tão aparentemente banais, podem não ser distinguidas, tais como ostras no fundo do oceano.

O QUE FOI DELE?
Nós não brigávamos
Combinávamos demais

IRANI, MANDA GILSON EMBORA
Eu mando
mas ele não vai

MESMO?
Vou ali
Volto já

NESTE AÇOUGUE
quero ser carne de segunda

ME VINGO
As pessoas se esquecem
que deixam filhos

ARREPENDIMENTO
Eu não devia ter nascido

ELE
Quero uma metralhadora
pra matar muita gente
Eu mato rindo

PAIXÃO
Se tivesse um remedinho contra
eu tomava

{francisco alvim, poemas [1968-2000]. 7 letras/cosacnaify, 2004}

(observação: como estão em ordem inversa de publicação de livros/conjuntos, seria muito mais adequado que chamassem poemas [2000-1968]. ademais, amostra grátis é, segundo a própria edição, de 1957-63!)


postado em 13 de janeiro de 2016, categoria livros : , , , , ,