de brinde um soco na cara

13h entre a gustavo da silveira e a silviano brandão antes dela propriamente – pro lado de lá do viaduto. passo apressado como sempre, rumo ao local de trabalho. dessa vez entretanto vejo um sujeito grandalhão e desengonçado segurando uma pré-adolescente magrela, com os dois punhos pressionando com certa violência o braço dela. ela grita e chora. o ambiente é de drama familiar, com um tanto de teatralidade edipiana, mas no meio da rua. passo, mas paro e me viro.

eu: o que está acontecendo?
ele: nada não. ela é minha filha, eu sou o pai.
ela: ahhh, me laargaaaa.
eu: senhor, ela não está gostando, você está usando força bruta.
ele: olha, você não tem nada a ver com isso, você não sabe de nada. essa muleca está 5 dias fora de casa, falta à escola, agora não quer voltar.
ela: mentira, ele que me expulsou de casa!

pessoas passando, um cara começa a manobrar atrás do duo. rua movimentada.

eu: olha, mesmo que ela esteja errada, você está sendo violento. vocês tem que tentar resolver de outro jeito.
ele: eu sou o pai dela. ela tem 14, é menor. é minha dependente, porra.
eu: bom, ela é sua dependente mas tem direito de agir por si.
ela: me larga, me larga!

nisso ela escapa. ou ele deixa ela escapar. estou a dois metros deles. apenas atiçando moralmente a situação. ela corre e passa o viaduto, rumo a silviano brandão propriamente dita. ele olha pra mim. o sujeito da manobra parece ter conseguido parar numa vaga, a 1 metro do pai, eu a 2 dele.

ele: estou com raiva. vou descontar minha raiva em você seu filho da puta. pode chamar a polícia, você vai ver só, se intrometendo.
eu: cara, vai na sua.

mas não ter medo e encarar a situação com altivez é uma burrice terrível pra quem está tanto tempo longe das artes marciais. desvio dois chutes mas levo um soco na cara. olho desacreditado, um olhar de “não acredito, seu idiota”.

ele: se vc não for embora vou te bater pra valer.
eu: eu vou, estou indo embora.

legal, o brinde por ser bom moço, bancando o herói (mas que herói comedido). estou tranquilo, mas com a cara ensanguentada e me pergunto horas depois se vai ficar cicatriz. tomara que não. e se eu encontrar o sujeito de novo no mesmo caminho de sempre, qual será o diálogo?

“ei, seu puto” “puto por que, por ter falado pra vc soltar a sua filha e depois ter oferecido a cara a tapa? você foi um idiota, sabia? e ainda mais: percebi que no fundo você queria mesmo era soltar ela o tempo todo, só não tinha coragem. coisa feia descontar em mim.” “é e vai ter mais” “ah não. dessa vez eu fujo e chamo a polícia, fica aí na sua. te fiz um favor”.

e a filha. será que apanharia na rua? e quando finalmente voltar pra casa, será que não apanhará proporcionalmente mais por ter escapado? imagino o tipo de problema que leva a filha a confundir fugir e ser expulsa: fazer sexo com alguém, ser lésbica, chegar drogada etc – essas amenidades que pais adoram para alimentar sua maldade e ira.


postado em 6 de abril de 2016, categoria crônicas : , , , ,