texto para o projeto “inscrição-memória-rasura”

alguns ouviram da minha má vontade para com o edital do itaú cultural, que eu não queria me inscrever, ou que eu inscreveria um projeto pedindo apenas 33 reais (para fazer adesivos com o logo do banco itaú e colar em semáforos pela cidade). alguns ainda ouviram eu enfatizando para daniel carneiro inscrever os brutos após ele, na onda do meu discurso, brincar que ia mandar apenas vídeos de pessoas depredando o dito banco (a empresa que mais lucrou é também a que mais foi processada). ao final, entretanto, havia um bom projeto de dorothé depeauw, matthias koole e mário del nunzio em que eu participaria. e eu não teria de inscreve-lo. (omito aqui outras confusões). na última hora, del nunzio me pede um texto mais poético. isso eu posso fazer, meia horinha antes de ler/dormir.

Com a inscrição estende-se a memória. O objeto riscado, a cicatriz, a dor que volta de novo e de novo, a notação. Externaliza-se? Ao menos o gesto é retido de alguma forma. E isto: reduzido. Mas a redução permite reconduzir. Aos poucos esquecemos. A redução conduz. Traça um interior e um exterior. Selecionando, constrói pontes. O nó que em certos contextos é também um portal. Essa corda repleta de inscrições-amarras, cada qual uma articulação; no todo, uma canção, uma dança, alguns sons, reconstrução. Lembranças atualizando a memória. Reinscrições na e da existência das coisas. Existir: insistir. São essas mediações entre o passado e o futuro que estão a permitir a realização do presente. Essas retenções. E irretenções. Lembremos da redução, mas também dos possíveis deslocamentos, dos saltos, transduções, traduções, translações. A luz que a câmera capta, impressa, reescrita na luz que agora vaga, nos sons que se esvaem, nos movimentos que consomem seu próprio instante. Instanciações elaborando classes. Classes se dissolvendo em momentos, iterações inscrevendo também o instantâneo.

Mas e o esquecimento, os desvios, os entremeios e entrecaminhos? Entre a terra e o céu, todo o mundo. Rasuras, deslocamentos, novos traçados, novos cortes no plano. É possível também estender o esquecimento, externaliza-lo? Estávamos dispostos a aprender a arte da disponibilidade. Guiados mecanicamente pela espiral iluminada das horas, do que foi esquecido nada reteve-se. Depois, quando da impossibilidade, as escolhas entre muitos, a seleção. Retenções em demasia, mascaramento, quarteirões planejados e a infinidade de casas à distância, quadrados quase indistinguíveis. E o deserto (ao invés dos grãos de areia). E os entremeios no deserto, as rotas, os fluxos, amontoados diversos. Mais adiante dúvidas, dilemas e a notação da incerteza, os deslocamentos e indefinições. A vontade de verticalizar o tempo, a criação de instâncias de verticalização. E os trajetos, ora traçados, ora traçados mas rasurados, ora repostos, ora criados, inventados. No labirinto da notação, um labirinto de notações.

 


postado em 16 de novembro de 2013, categoria prosa / poesia : , , , , , , ,