A Vigilante do Futuro é Péssimo Filme Mesmo

Há uma má fama que ronda os live actions: os atores devem atuar mal, fazendo caras exageradas (como se elas fossem compostas de linhas simples de desenho) e movimentos desconjuntados (como se alguém estivesse tentando economizar poses, ou os braços estivessem colados no tronco); os planos devem ser construídos tal qual um estudante de cinema quando seu trabalho de conclusão de curso envolve zumbis; o conteúdo interessante deve ser mastigado e depois regurgitado em forma de senso comum e banalidade. Os motivos para que boa parte da cinematografia justifique isso me são desconhecidos. O problema não seria a dificuldade com cenários e efeitos, ou a transposição de um tipo de artificialidade para uma esfera esteticamente mais realista? Por que isso seria equivalente a “destruir o roteiro, banalizar as ideias, mas manter algo da artificialidade, só que mal colocada”? Será que há algum estigma de intelectual no público que vê animes, por parte de produtores de filmes, que consideram um dever baixar o nível (como que dizendo: o nosso público é o de cinema B-)? E esses e os diretores não assistem aos originais, senão passando para frente, procurando “as boas partes”, num clima de promiscuidade? Live action como Trash como Real Garbage? E ainda ganhar em cima daquela coceira dos fãs, de ir lá e assistir, independentemente…

Enfim, pois quando as pessoas diziam assistaDeath Note, “é ridiculamente ruim”, elas, com razão, diziam também: “não assista a Ghost in the Shell: é ridiculamente ruim”. Então é isso: nem graça tem. E não é injusto comparar com Dragon Ball Evolution. Mas este último avisa no seu trailer o quão ruim será, enquanto o mesmo não acontece com A Vigilante do Amanhã. Ademais, 3 pontos que vi gente comentando por aí e que gostaria de opinar:

1. Whitewashing: absurdo achar que o filme lave de branco a população da narrativa. Primeiro porque, apesar dos pesares, a cidade apresentada, mesmo com cenas retiradas dos mangá/anime, é despersonalizada, aparecendo como um grande lugar nenhum, um “lugar asiático do futuro qualquer”, bem pastichento. E nada mais típico pra um lugar desse, do que personagens multi-culturais, equilibrados na ponta do lápis (como em Thor, HQ inclusive). Aliás, ruim mesmo seria fazer uma major nipônica: toda a caracterização como garota fofa insegura boba se transformaria em insulto, ao invés de confirmar o clima de pura bobagem (que no caso, ao menos é consistente). Não há no desenho nenhuma exigência de que a aparência de Motoko seja a de uma japonesa (ela usa corpos cyborgues comerciais, e comparações com as diferentes encarnações educam o olho).

2. Sexualização: não há a ponto de dizer que tem. Na verdade, é um filme nada sexy, inclusive, e se houve alguma promessa disso, é um novo fracasso. A animação (comparação lado a lado, acima) mostra um corpo com seios firmes e bicos seios porque é o modo de vendas de um corpo mais desejável, ainda no futuro, quando você pode escolher um corpo. No filme, é só uma pessoa bonita, quando você pode escolher a atriz. Somado a isso existe uma assepsia dos personagens que parece mais uma falta de atenção do que algo construído, mas que consegue ser um grande “e daí”. O caso com a negra deveria ser interessante, mas é arruinado pelo diálogo.

3. De fato Motoko Kusanagi morre. O assassinato simbólico é prática corrente de uma série de filmes B que acreditam que o melhor a fazer é combinar os inúmeros problemas de direção e montagem com uma lente especial ideológica: sempre haverão famílias, e as crises existenciais só acontecem porque algo no american way of life deu errado; que isso ocorra na Grécia antiga ou num Japão sci-fi pouco importa. É como Jameson dizia, que o pós-modernismo (leia-se, por hora, “filmes de Hollywood”) é o primeiro estilo global propriamente estado unidense. Rewrite World Histories as American Shit.

{Ghost in the Shell (2017), filme de 100 min, dir. Rupert Sanders, 2017, nota 1/10}

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6 comentários em “A Vigilante do Futuro é Péssimo Filme Mesmo

  1. Boa tarde, estou fazendo um estudo da obra de Shirow.
    Estou tentando chegar à uma hipótese de porque tal adaptação foi tão pobre no roteiro. Queria conversar com você sobre esse assunto, se não for incômodo.

    Abraços.

    1. pode ser por aqui, mas também por e-mail [eu te contato, se for o caso]. vc vai comparar com o anime apenas ou também com o mangá? especificamente, eu não estudei o assunto – “live actions / adaptações ruins” [não conheço bibliografia], mas coloquei aí algumas hipóteses e pensamentos que circulam sobre isso. e claro, o que eu percebo. de alguma forma também sempre penso em filmes horrorosos como “deuses do egito” e “fúria dos titãs 2010”, como há um conteúdo ruim / ideológico que torna quase irrelevante que sejam no egito ou na grécia, porque estas são apenas versões especificamente estilizadas dos estados unidos.

  2. Estou comparando o mangá, na saga do Puppet Master, o anime e o live action de 2017. Interessante o seu ponto de colocar em evidência que isso seja uma demanda criada por um público “ocidental”. Mas ainda que seja, me parece muito central a vontade de suprimir a questão central da obra original, que é relação da consciência humana junto com a possível formalização da vida das IA’s. Me parece que já vimos séries de filmes abordando o assunto em hollywood e isso não estaria impossibilitado de ser adaptado na versão live-action de GITS, mesmo que os autores quisessem suprimir alguns personagens e/ou conflitos das obras anteriores. Me pergunto por quê essa escolha? Por quê trocar o Puppet Master por Kuze e transformar esse roteiro num romance clichê? Ainda que a importância dos trailers e dos teasers esteja eclipsando o conteúdo do cinema, ainda assim não consigo entender se essa diminuição do roteiro é uma escolha política ou uma estratégia para atrair quem se importa apenas com o estético dos visuais. É uma grande contradição pois é geralmente em distopias que encontramos em sentido crítico o desdobramento de questões sociais e filosóficas do nosso tempo.

    Seria de grande ajuda poder continuar trocando essas idéias.

    Abraços.

    1. de certa forma a coisa toda é um fracasso não? um filme caro, com um box office meramente ok. atuações da johansson pífia (usando os tiques dela de modo horrível / nada a ver com a força do personagem). o diretor de branca de neve com metralhadoras, o que explica a abordagem [agora o que explica a escolha dele?]. eu vejo um pouco como acontece na indústria do anime. algo que é dominado por produtores e mediadores eventualmente dá muito errado porque são administradores / gente do dinheiro como virtual / abstrato / “abstraidor” que tomam certas decisões fragmentariamente, que vão levando a um conjunto de gente que não entende do assunto, mas consegue obter a grana necessária. não sei se você está acompanhando, mas a expectativa de um one punch man temporada 2 ruim tem essa dinâmica [um outro exemplo, a segunda temporada ridícula de terra formars].

      então respondendo, no que imagino: você imagina que isso pode dar dinheiro. alguém escolhe um sujeito de adaptações toscas. há um tanto de “fãs vão assistir de qualquer forma”. [isso é uma estratégia comercial boa? me pergunto]. aí de brinde, de não fazer direito o trabalho- isto é, não é só pegar dinheiro e usar, teria de pesquisar, pensar sobre etc, montar minimamente equipe consistente. então quando vc faz impensado a ideologia vem de brinde com a tosquice. essa seria minha hipótese.

      one punch man por exemplo https://youtu.be/sR8etd–dVc
      ainda do geoff https://youtu.be/P1VGsL1tz9A

  3. Boa hipótese. Inclusive entra em concordância com meu estudo. Realmente as grandes produções tendem a fazer um trabalho tosco no roteiro. Você tem alguma bibliografia específica sobre isso?

    Abraços.

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